Início / Romance / Rafaella Me Resta Perdoar / Novos Olhares, Velhas Correntes
Novos Olhares, Velhas Correntes

 

Os corredores da Universidade de São Lourenço tinham um clima acolhedor e informal, diferente de tudo que Rafaella conhecia. Não havia luxo, não havia rigidez. Apenas vozes, mochilas jogadas nos bancos e o cheiro de café da cantina se misturando ao das folhas molhadas pela manhã chuvosa.

Ela entrava todos os dias como uma sombra. Os cabelos bem penteados, a postura firme — não por vaidade, mas por defesa. Carregava o sobrenome Santos como se fosse um fardo. E era. O burburinho sempre a precedia.

Naquela manhã, porém, algo diferente aconteceu.

— Ei, você é nova, né? — disse uma garota de sorriso aberto e jeito espontâneo, aproximando-se no intervalo entre as aulas.

— Sou, sim. — respondeu Rafaella, hesitante.

— Maria Regina. Terceiro ano, penal e constitucional são minha paixão e minha dor de cabeça. — disse, estendendo a mão.

Rafaella sorriu, pela primeira vez em dias.

— Rafaella… Primeiro ano ainda, na verdade. Tive que transferir de última hora.

— Ah, então você é a tal Rafaella Santos… — disse um rapaz que se aproximava ao lado de Maria Regina, com um ar mais descontraído.

— Guilherme. Mas pode chamar de Gui. E antes que pense, não sou como os outros que cochicham quando você passa. Isso aqui é interior, as pessoas falam muito, mas pouca coisa presta.

Logo atrás, chegou outro rapaz de olhar observador e sorriso discreto.

— Miguel. Segundo ano. Bem-vinda ao caos.

Em minutos, Rafaella se viu cercada por uma conversa leve, sem perguntas invasivas, sem julgamentos. Eles falavam de professores exigentes, trabalhos atrasados, da lanchonete da esquina e da falta de ar condicionado nas salas. Coisas banais, mas que a fizeram sentir-se... normal. Pela primeira vez, desde o casamento.

Ela não sabia, mas estava sorrindo de verdade.

No dia seguinte, enquanto entrava no carro do motorista, notou algo diferente. Um homem de terno escuro, óculos escuros e auricular discreto abriu a porta do carona e sentou-se sem dizer uma palavra. Ela franziu a testa.

— Quem é ele? — perguntou ao motorista.

— Segurança. Ordem do senhor Bruno. Vai acompanhar a senhora nos trajetos e dentro da faculdade.

Rafaella sentiu o coração apertar.

— Mas por quê?

— É só por precaução. O senhor Bruno quer garantir sua proteção. — disse o homem, com voz neutra.

Ela não era tola. Sabia que não era proteção. Era controle.

Quando chegou à universidade, o segurança manteve distância, mas era evidente. Parava nas mesmas áreas, sentava-se nos bancos próximos, simulava distração com o celular, mas os olhos nunca saíam dela.

Na aula, tentou se concentrar, mas o peso da vigilância era sufocante.

Durante o intervalo, Maria Regina comentou:

— Oi? É impressão minha ou aquele cara de terno parece um agente secreto de novela mexicana?

— Não é impressão. É… segurança particular. — Rafaella respondeu, sem graça.

— Uau… ou você é muito importante… ou está muito encrencada. — brincou Guilherme, tentando aliviar o clima.

Miguel, mais sério, observou:

— Isso não é comum. Ninguém põe segurança particular em aluna de Direito por capricho. Tem algo errado nisso.

Rafaella engoliu seco. Eles tinham razão. E ela sabia.

Enquanto isso, a mais de trezentos quilômetros dali, Bruno Santos lia relatórios no escritório da mansão da família em Ribeirão Preto. Seu celular apitou discretamente. Uma notificação com fotos: Rafaella sentada no banco do pátio da faculdade, sorrindo com os três colegas.

Bruno analisou cada imagem. Os olhos congelaram por um segundo no sorriso dela. Um sorriso que ele nunca viu. Não daquilo. Não para ele.

— Fique de olho nos três. Quero saber tudo sobre eles. — disse ao segurança, em mensagem direta.

A ideia de que Rafaella estivesse criando vínculos fora de sua bolha o incomodava. Ele não estava disposto a perder o controle. Muito menos para três jovens universitários.

Naquela noite, Rafaella olhou para o espelho. Ainda vestia a camisa social da aula de direito penal, mas o olhar era outro. Havia algo vivo ali. Uma fagulha. Pequena, mas teimosa.

Bruno podia vigiá-la. Podia mandar em sua rotina. Mas não controlava seus pensamentos. Nem o que começava a florescer em seu coração: uma possível liberdade, mesmo que silenciosa.

E isso, mais do que tudo, era perigoso.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App