A mansão ficava fora da cidade, cercada por bosques monitorados e cercas invisíveis. Drones patrulhavam os céus em silêncio. Câmeras térmicas. Vidros polarizados. Era um refúgio e uma fortaleza. Ali, Narelle mantinha o único elo que realmente importava — e que ninguém podia conhecer.
Na sala principal, o chão era de madeira clara, aquecido. Almofadas macias espalhadas. Brinquedos didáticos de madeira e silicone ecológico. Um holograma no canto emitia imagens suaves: peixes coloridos nadando lentamente entre corais. E ele ali: Noel.
Cinco anos. Cabelos castanho-claros, bagunçados. Olhos cinzentos e atentos como os de um caçador em miniatura. Desenhava em silêncio sobre uma tela sensível ao toque, concentrado em construir uma nave.
Ao fundo, Luma, a babá mais velha, sentada com uma manta sobre as pernas e um livro nas mãos. Era quem cantava para ele à noite. Quem ensinava poesia escondida dentro dos mapas estelares. A outra, Vika, preparava frutas cortadas na cozinha aberta. Era mais rígida, vigiava os horários, controlava a segurança da casa como se fosse uma sentinela.
Narelle chegou sem alarde. Desligou a vibração dos saltos na entrada. Observou o filho por alguns segundos sem que ele a notasse.
“Capitão Noel?” disse ela, com um sorriso que só ele conhecia. — Ele virou, os olhos brilhando.
“Mamãe!” — e correu até ela.
Ela se agachou para recebê-lo, os braços ao redor daquele corpo pequeno, quente, real.
“Você demorou hoje.”
“Trabalho, amor. Muitos relatórios de adultos insuportáveis.”
“Você brigou com algum?”—Ela riu.
“Quase. Mas os comedores de papel ficaram no lugar deles.”—Ele a olhou com ar sério.
“Você venceu?”—Ela fez que sim com a cabeça.
“Claro que sim.”
O menino pareceu satisfeito. Voltou à nave, ajustando uma hélice holográfica com precisão.
Luma se levantou devagar.
“Ele não dorme sem que você diga a frase.”
“Eu sei”, respondeu Narelle.
Mais tarde, com Noel já deitado, luzes reduzidas e o som do vento filtrado pelas janelas inteligentes, Narelle sentou-se na beirada da cama.
“Pronto para a frase?”
Ele assentiu, com os olhos pesando.
Ela se aproximou, sussurrou ao ouvido dele:
“Você é meu segredo mais precioso. Meu mundo mais silencioso. E o único lugar onde eu sou livre.”
Ele sorriu. Dormiu assim, com os braços ao redor do travesseiro e o coração protegido por palavras que ele ainda não entendia.
Do lado de fora, Vika ajustava o painel de segurança. Luma fechava os arquivos do dia.
E Narelle, sozinha no jardim interno, encarava a noite como quem sabe que está prestes a perder algo que não pode nomear.
Ela pensava em Kael. E sabia que o jogo estava longe de acabar.
[...]
Longe dalí
Uma das ômegas ainda estava ajoelhada no tapete espesso, esperando que ele voltasse a tocá-la. Mas o silêncio dele era mais cruel do que um empurrão.
Rhaek passou a mão pelos cabelos, os dedos tensionando o couro cabeludo como se quisessem arrancar a raiva pela raiz. Um músculo pulsava em sua têmpora. Ele andava de um lado ao outro, como um animal enjaulado, o cheiro das fêmeas saturando o ar, mas sem penetrar a camada de desprezo que envolvia sua pele.
“Ela sempre foi um problema”, disse, mais para si do que para elas. “E mesmo assim, era o único problema que eu queria resolver com as mãos.”
A ômega que havia falado o nome proibido agora se mantinha imóvel, olhos baixos, torcendo para não ter ultrapassado um limite irreversível.
“Quando ela chegou ao clã, ainda menina, eu pensei que seria só mais uma boca bonita pra moldar. Mas ela...”
Ele parou. Os olhos fixos na lareira, onde as chamas se contorciam como lembranças incômodas.
“Ela olhava como se visse através da carne. Não me temia. Não me bajulava. Apenas... desafiava.”
Rhaek fechou a mão, os nós dos dedos estalando.
“E eu deveria tê-la tomado antes que ela se tornasse perigosa.”
Silêncio. Apenas a madeira estalando no fogo e o som dos corações das ômegas batendo rápido.
Ele se voltou, os olhos varrendo as três como se as visse pela primeira vez.
“O que vocês estão fazendo aqui? Esperando o quê?”
A mais jovem tentou sorrir. “Você nos chamou. Disse que precisava descarregar.”
“Eu disse isso, é?”
Ele caminhou até ela devagar, como um predador que muda de direção no último segundo. A pegou pelos ombros, forçando-a a olhar nos olhos dele.
“Então me diga, se é tão esperta... por que não funciona mais? Por que nada mais tira essa maldita mulher da minha cabeça?”
A ômega tremeu. Não soube responder.
“Porque ela não se rendeu”, disse ele, soltando-a. “É por isso. Porque mesmo quando gritou, ela nunca implorou. Porque saiu debaixo de mim como quem acorda de um feitiço e me deixou com o gosto amargo de não tê-la quebrado.”
As palavras caíram no chão como cacos de vidro. As três ômegas permaneceram em silêncio, entendendo — com o instinto que lhes restava — que aquilo não era sobre elas.
Rhaek foi até a estante, serviu-se de outro copo de whisky, engoliu de uma vez. O líquido queimou, mas não queimava tanto quanto a imagem de Narelle entrando naquela sala de conferência, altiva, fria, inatingível.
Ele passou a mão pela testa então jogou o copo no chão, onde se espatifou.
“Sumam da minha frente.”
As três hesitaram, mas logo obedeceram. Quando a porta se fechou atrás delas, Rhaek se permitiu finalmente cair no sofá. A mansão, ampla e suntuosa, parecia agora pequena demais para conter o que fervia dentro dele.
Lembrava-se da pele de Narelle, do cheiro dela. Do modo como ela recuava e atacava ao mesmo tempo. De como o corpo dela se moldava ao dele com ódio e necessidade. Nenhuma das outras tinha sido capaz de substituir. Porque nenhuma ousou desafiá-lo. Nenhuma o amou com desprezo.
E agora ela estava de volta.
Com olhos de loba farta.
Com dentes escondidos sob sorrisos de empresária.
Com um filho... um filho que ele não ousava mencionar nem para si.
Rhaek inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos, como quem espera que a fúria o devore por dentro antes que precise admitir o que mais o atormentava:
Ele ainda queria Narelle. E dessa vez... ela talvez estivesse fora do alcance.