Kael chegou em casa com o corpo tenso e a mente em combustão lenta. O apartamento no alto do arranha-céu era frio, elegante, impessoal — reflexo exato do homem que fingia ser.
Jogou a chave sobre o balcão de mármore, tirou o paletó e afrouxou a gravata. Caminhou até o banheiro, ligou o chuveiro no máximo, deixou a água escorrer sobre a pele como se pudesse lavar o gosto de Narelle da memória. Mas não lavou. Não havia água no mundo suficiente para apagar aquele olhar, aquela voz, aquele toque que nunca veio. Mais tarde, já vestido apenas com calça de moletom, sentou-se diante da tela holográfica, analisando relatórios dos fundos europeus. Tentava se concentrar, mas os gráficos dançavam na frente dos olhos. O corpo ainda carregava o calor do desejo não consumado. Foi então que o nome dela surgiu no visor: ‘Narelle – linha segura’. Ele aceitou a chamada. A imagem dela apareceu em baixa luz, apenas silhueta e olhos brilhando. Ela estava sentada em alguma poltrona luxuosa, um robe de cetim aberto sobre a pele nua, pernas cruzadas, o cabelo solto sobre os ombros. — Boa noite, Kael — disse, com a voz aveludada. — Sabe o que percebi? — O quê? — Que deixei algo inacabado no quarto do hotel. Ele engoliu em seco. — E o que seria? Ela inclinou a cabeça, o sorriso preguiçoso como um felino saciado. — Você lembra daquele verão no território sul, antes da dissolução do clã? Quando eu ainda era só uma sombra na casa dos alfas? Ele assentiu, já hipnotizado. — Eu lembro. Do lago. — Você me viu — disse ela. — Achava que estava escondido atrás das pedras, mas eu sentia seu cheiro. Cada vez que eu mergulhava, cada vez que a água escorria pelo meu corpo... você estava lá. Observando. Duro de desejo. Sozinho. Kael encostou-se na cadeira, os dedos agora apertando a coxa. O sangue descia, firme, pulsante. — Sabe o que eu pensava, Kael? — O quê? — Eu me perguntava: o que ele faz quando ninguém está olhando? Ele se toca pensando em mim? Ele se imagina entrando na água e me puxando pelos quadris? Ele sonha em me fazer gemer ou prefere me dominar em silêncio? A mão dele já estava dentro da calça, os movimentos lentos, sincronizados com a voz dela. — Responde — sussurrou Narelle. — O que você fazia com esse desejo? — Eu me tocava — disse ele, entre dentes. — Forte. Pensando no teu corpo molhado. Pensando em me afundar em você. Ela fechou os olhos por um instante, como saboreando as palavras. Depois, abriu lentamente. — E agora? — perguntou. — O que você está fazendo agora, Kael? Ele arfava. A mão se movia com mais intensidade. O maxilar trincado, os olhos fechados. — Eu tô quase... — murmurou, e ela interrompeu com doçura cruel: — Quase... não é o suficiente. O corpo dele tremeu. Um gemido rouco escapou de seus lábios enquanto o clímax o dominava como uma explosão surda. As pernas se retesaram, a respiração ficou presa, os olhos ainda cerrados na sombra do prazer. Quando ele abriu os olhos, a tela estava preta. A chamada havia terminado. E Narelle? Já não estava mais ali. Mas seu domínio permanecia — invisível, absoluto, amarrado a cada batida do coração dele. [...] A manhã chegou fria e seca, como se o céu decidisse não sentir nada. Kael estava à frente da mesa de reuniões do conselho, pastas holográficas projetadas à sua frente. Tentava se concentrar, mas as palavras pareciam vazias. Ainda ecoavam nela. No som da respiração dela. No calor da imagem que invadira seu corpo na noite anterior. No gosto da submissão que ele, pela primeira vez, provava. Então a porta se abriu. Ela entrou. Narelle. Pontual. Impecável. Intocável. Vestia um blazer de corte milimétrico em tom areia, com um body de seda preta por baixo e calças de alfaiataria que moldavam suas curvas com precisão cirúrgica. O cabelo preso num coque baixo, os saltos altos marcando seu território a cada passo firme. A pasta executiva presa à mão como se fosse uma arma. Kael a observou entrar como quem vê o próprio vício materializado. Esperava um olhar, uma referência, qualquer sinal de cumplicidade. Mas ela passou por ele como se não tivesse falado com ele em toda a vida. — Bom dia, senhores — disse ela, com um aceno polido. Sentou-se na ponta oposta da mesa, cruzando as pernas com elegância. Kael pigarreou, incômodo. Ela o ignorou. — Recebi os relatórios de Hong Kong. Fiz algumas anotações, caso queiram revisar — continuou, passando os arquivos a dois conselheiros. Olhos afiados, tom profissional. Fria. Distante. Kael ajeitou-se na cadeira. Seu corpo reagia como se ela ainda estivesse sussurrando em seu ouvido, mas sua mente não encontrava chão. ‘Ela desligou. Sumiu. E agora age como se nada...’ — Kael? — disse ela, sem emoção. — Algo errado com o relatório da Cimeira? -Ele se sobressaltou. Todos os olhares voltaram para ele. — Não. Está... tudo certo — respondeu. Ela assentiu, sem sorrir. Voltou a falar com outro executivo, como se Kael fosse apenas mais um. Ele apertou os dedos contra a mesa. Sentia-se idiota. Usado. E ao mesmo tempo... viciado. A reunião prosseguiu. Narelle manteve a performance perfeita. Frieza elegante. Argumentos precisos. Um fantasma de perfume que só ele parecia sentir. Quando tudo terminou e os conselheiros começaram a se dispersar, Kael se aproximou, murmurando ao lado dela: — Sobre ontem à noite... Ela nem o olhou. — Que noite? Ele piscou, confuso. Ela virou-se, recolheu seus papéis e saiu da sala. Kael ficou parado. Ela tinha deixado outro rastro. Invisível. Impossível de seguir. E ele já estava de joelhos, mesmo sem saber. [...] Naquela noite, quando Narelle apareceu de surpresa no apartamento de Kael, a última coisa que esperava era barulho. Conversas. Risadas femininas. E ele — não sozinho. O porteiro hesitou em deixá-la subir. Mas seu nome ainda carregava peso suficiente para silenciar dúvidas. Quando as portas do elevador se abriram no último andar, ela ouviu: vozes. Graves. Musicais. Risadas que não eram dela. Ela entrou sem bater. O apartamento estava banhado por uma luz âmbar, charutos ainda queimando em cinzeiros de cristal. O som suave de jazz ao fundo. Garrafas de uísque envelhecido no balcão. E elas — três lobas da elite, espalhadas pelas poltronas, membros longos, corpos soltos, roupas caras e mínimas. E Kael. Camisa escura, mangas dobradas, copo na mão. Sorrindo. À vontade. No controle. Ele a viu. E não se abalou. “Narelle”, disse ele, calmo. “Não esperava você esta noite.” Ela entrou, escaneando cada rosto. Elas a observavam como uma ameaça. Ou como um desafio. “Vejo que está ocupado”, respondeu ela, a voz afiada como vidro polido. Ele deu de ombros, com aquele ar de quem não deve explicações a ninguém. Uma das lobas riu, deslizando a mão sobre o ombro dele. O maxilar de Narelle se contraiu. Ele gesticulou em direção ao bar. “Quer um drink?” Ela caminhou até ele, devagar. As outras lobas ficaram em silêncio, sentindo a tensão no ar. Narelle parou ao lado dele. Perto o suficiente para beijar. Ou golpear. “Eu vim terminar o que comecei”, sussurrou. “Mas talvez eu tenha me enganado.” Kael se inclinou, murmurando em seu ouvido: “Ou talvez você tenha chegado tarde.” O silêncio se rompeu. Ela pegou o copo da mão dele. Olhou em seus olhos. Bebeu um único gole. Devagar. Deliberada. Então colocou o copo sobre a mesa com cuidado. Endireitou a postura. Virou-se. E foi embora. Não disse uma palavra. Mas o gosto ficou nos lábios dele. E no peito dela, uma guerra acabava de começar.