Acidente
A noite estava pesada, carregada. Uma tempestade caía sobre a cidade.
Raios riscavam o céu, iluminando por breves segundos a estrada sinuosa.
O vento uivava entre as árvores, fazendo-as balançar de forma ameaçadora.
O cheiro de chuva e terra molhada impregnava o ar, misturando-se ao aroma ácido do álcool derramado dentro do carro.
Taylor segurava o volante com uma das mãos, a outra apertava com força o pulso de Ava. Seus dedos cravavam na pele dela, deixando marcas vermelhas que ardiam.
O medo pairava como um peso no peito dela.
— Eu já disse para não me desafiar, Ava! Sua voz soava como um rugido de fúria, um trovão ameaçador no meio da tempestade. Os olhos embriagados brilhavam sob a penumbra do painel.
Ava tentou soltar-se, mas o aperto aumentou. Seu corpo tremia. A boca estava seca, a respiração entrecortada pelo medo que a consumia.
Já conhecia esse olhar. O olhar de quem iria machucar.
— Taylor, por favor...Sua voz era um sussurro.
Sabia que qualquer palavra errada poderia ser uma nova faísca na explosão que se armava.
Sem aviso, o punho dele se fechou e atravessou o ar, encontrando o rosto dela com força. O gosto ferroso de sangue preencheu sua boca.
Ava virou o rosto, engolindo o grito. O estômago se revirava em nojo e medo.
As luzes da estrada piscavam rápido através dos olhos lacrimejantes. A dor latejava.
O carro balançou na pista. Taylor ria, descontrolado. As palavras saíam emboladas pelo álcool.
— Se você pensa que pode me deixar, está enganada! Eu sou tudo o que você tem!
O motor rugiu quando ele pisou ainda mais fundo no acelerador. A velocidade aumentava. A chuva batia forte no para-brisa, os limpadores mal davam conta.
A noite estava densa, sufocante, como se a tempestade que se armava refletisse toda a tensão dentro do carro.
Nuvens carregadas encobriam a lua, e relâmpagos cortavam o céu com fúria.
A estrada sinuosa parecia se perder no meio da escuridão, iluminada apenas pelos faróis que tremulavam a cada solavanco do carro.
A chuva castigava o asfalto, formando poças traiçoeiras que faziam os pneus patinarem.
Seu coração batia acelerado, quase ensurdecedor. O medo era um gosto amargo na boca já ferida pelo soco.
— Eu já disse que não admito ser desafiado, Ava! Taylor rosnou, a voz arrastada pela embriaguez. Seu olhar, antes apenas ameaçador, agora transbordava ódio.
Ava tentou puxar a mão, mas o aperto só aumentou. Seus olhos percorreram o painel digital do carro, buscando uma esperança.
A velocidade marcava 140 km/h e subindo. A chuva, antes um obstáculo, agora parecia o menor dos problemas.
— Taylor, por favor... você não está bem. Vamos parar o carro, podemos conversar.
Sua voz saiu trêmula, mas ela sabia que palavras eram como gasolina em sua fúria.
Ele riu. Uma risada seca, sombria, que fez um calafrio percorrer a espinha dela.
— Conversar? Ele girou abruptamente o volante para a direita, fazendo o carro derrapar na pista molhada. Ava se segurou como pôde, sentindo o cinto de segurança apertar seu peito.
— A única coisa que você vai fazer é me escutar. Eu sou seu marido, sou seu mundo! Seus olhos estavam fixos nela agora, e não na estrada.
O impacto veio sem aviso.
Ava sentiu o murro antes de perceber o movimento. O punho dele atingiu seu rosto com força, fazendo-a ver flashes brancos.
A cabeça dela bateu contra a janela. Um zumbido preencheu seus ouvidos. O gosto ferroso do sangue se espalhou novamente por sua boca.
O carro balançou. Taylor ria, satisfeito, enquanto tornava a acelerar. Os faróis iluminaram uma curva fechada. Mas ele não freou.
— Você é minha, Ava! Se não pode ser minha, então não será de mais ninguém!
O carro deslizou sem controle. As rodas perderam a aderência.
O mundo pareceu girar em câmera lenta. As rodas perderam o contato com o asfalto. O carro deslizou, cruzou a pista e despencou ribanceira abaixo.
A primeira capotagem foi violenta!
O mundo girou!
O primeiro impacto foi brutal, como um soco do destino!
O veículo capotou uma, duas, três vezes. Ava foi jogada contra o cinto. O vidro explodiu em estilhaços que cortaram a pele de Ava como pequenas navalhas. O barulho de metal retorcendo era ensurdecedor.
O carro rolou mais uma vez, a estrutura de metal se retorcendo, esmagando-se.
Um impacto final!
Um estalo seco ecoou quando Taylor foi arremessado contra o painel.
Tudo doía em Ava. Seu corpo estava preso entre os destroços, e o cheiro de gasolina misturado ao de sangue enchia suas narinas.
A consciência vacilava, mas antes que tudo escurecesse, ela viu o corpo de Taylor caído, inerte. Seus olhos vazios encaram o nada.
E então veio o silêncio absoluto.
Lá fora, a tempestade continuava a rugir, indiferente à tragédia que acabara de engolir a estrada.
Minutos se passaram. Talvez horas. O tempo havia perdido o sentido.
O barulho distante de sirenes quebrou o vácuo. Os primeiros bombeiros chegaram correndo, lanternas cortando a escuridão.
A sirene da ambulância cortava a madrugada. Equipes de resgate se moviam rápido entre a lama e os destroços do carro.
— Temos um óbito masculino! E uma vítima inconsciente! Gritou um deles ao se aproximar dos destroços.
Os bombeiros puxaram Taylor primeiro. Ele estava morto. O corpo inerte, o rosto desfigurado pelo impacto. Mas ninguém parou. Havia outra vida a ser salva.
— Temos uma vítima presa! Gritou um dos paramédicos.
Ava foi encontrada ainda presa no banco, seu corpo retorcido em um ângulo estranho.
O sangue escorria de um corte profundo na testa, tingindo seus cabelos de vermelho escuro. O batimento dela era fraco, mas estava lá.
As ferragens haviam se fechado sobre ela. Seu corpo estava retorcido no banco do passageiro.
Havia sangue em seu rosto, na roupa, nas mãos que estavam inertes sobre o colo. Os olhos entreabertos não viam nada.
— Ela ainda respira! Anunciou outro socorrista.
As máquinas rugiram quando os bombeiros serraram o metal retorcido.
Cada segundo era crucial. Com extrema cautela, eles retiraram Ava dos destroços e a deitaram na maca. O batimento dela estava fraco, quase inexistente.
— Ela ainda está viva! Precisamos tirá-la agora! A voz do paramédico era urgente.
Quando finalmente a retiraram, um dos paramédicos segurou seu pulso, sentindo a vida pulsar de forma tímida sob sua pele fria.
A chuva castigava seus rostos enquanto a colocavam na maca, cobrindo-a com um lençol térmico.
— Vamos perdê-la! A voz ansiosa
de um dos paramédicos ecoou na noite.
Mas dentro daquele corpo frágil, um coração ainda lutava para continuar batendo!
O ResgateOs faróis da ambulância pintavam de tons fantasmagóricos a estrada, refletindo nas poças d'água como pequenos espelhos da tragédia.O som das sirenes ecoava pelas ruas desertas, enquanto a equipe médica dentro do veículo lutava para manter a frágil vida de Ava. O monitor cardíaco oscilava de maneira irregular, uma sinfonia incerta entre a vida e a morte.Dentro da ambulância, Ava permaneceu inconsciente. A cada ronco do motor, seu corpo estremecia levemente. O monitor cardíaco apitava de forma errática. O médico-chefe trocou um olhar preocupado com um dos enfermeiros.— Ela está muito fraca. Se não chegarmos a tempo...Ninguém completou a frase.A tempestade rugia lá fora, como se quisesse apagar qualquer vestígio daquela noite terrível. A ambulância acelerou pelas ruas vazias, atravessando semáforos, desafiando o tempo. Dentro do veículo, uma equipe lutava para mantê-la viva. O oxigênio foi colocado, compressões torácicas aplicadas. O eletrocardiograma apitava de manei
Luta Pela Vida.Quando, finalmente, a cirurgia chegou ao fim e Ava foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva, Caleb permaneceu por alguns momentos ao lado do leito.Ele observou o delicado sistema de fios e tubos que conectavam a jovem.A máquina da vida! Ele fez um juramento silencioso:Não apenas trataria os ferimentos físicos, mas procuraria ajudar a curar as feridas invisíveis, a reparar a alma que havia sido despedaçada. Enquanto deixava a sala, o médico olhava uma última vez para aquele corpo delicado, marcado pelo sofrimento, e em silêncio reiterou seu propósito de que faria tudo ao seu alcance para que aquela mulher pudesse um dia olhar para o espelho e ver não apenas cicatrizes, mas também a força de uma sobrevivente. O peso das memórias e a intensidade dos abusos que ela havia suportado pairavam no ar, transformando aquele momento decisivo. Caleb sabia que o caminho à frente seria longo e árduo, mas a determinação em salvar Ava e, por extensão, seu bebê, era ma
Ecos do PassadoNo silêncio filtrado pelas janelas grandes de seu gabinete, Dr. Caleb Vasconcellos repousava por um momento a caneta sobre os relatórios de contabilidade hospitalar e fechava os olhos, deixando as lembranças invadirem sua mente. Há três anos, ele perdera sua amada esposa, Sofi, vítima de um aneurisma cerebral fulminante, em um verão que jamais esqueceria.Desde então, o hospital havia se tornado em seu refúgio e sua prisão. Como acionista majoritário de um conglomerado de saúde que reunia especialistas de ponta em todas as áreas e , ele se dividia entre reuniões de diretoria, decisões estratégicas e investigações discretas sobre movimentações financeiras estranhas que ameaçavam a reputação construída com tanto esforço.Enquanto isso, seu filho Lucas, agora com cinco anos, passava a maior parte do tempo sob os cuidados de uma babá de confiança. Caleb raramente chegava a tempo do jantar e quase nunca via os primeiros progressos do filho. O sacrifício parecia inevitável
Entre o Dever e o DesejoNas primeiras luzes da manhã, o hospital ganhava vida: Corredores iluminados, enfermeiras apressadas e o som familiar dos termômetros digitais anunciando cada batimento. Caleb Vasconcellos chegava com o olhar focado, mas sentia o peso das noites mal dormidas e das decisões urgentes. Sua agenda incluía reuniões com acionistas, decisões sobre a expansão de unidades e a revisão de contratos suspeitos. Apesar da importância dessas tarefas, era na recuperação de Ava que seu coração encontrava razão para persistir.A rotina doméstica, sob o comando de Francine, tornava-se cada vez mais apressada. Ela atendia telefonemas sobre Lucas, organizava a mansão e preparava almoços que raramente eram desfrutados em família. Seu amor por Caleb permanecia velado em gestos de carinho e conselhos insistentes: "Você precisa descansar, Caleb. Deveríamos contratar mais médicos para aliviar sua carga." Mas algo em seu tom insinuava uma vontade de aproximar-se, de se tornar in
Semanas se passaram.A cada dia, os médicos relatavam sua luta silenciosa para sobreviver. Os cortes cicatrizavam normalmente, os hematomas já clareavam, mas o corpo ainda não respondia.Um dos médicos responsável pelo acompanhamento de Ava Dr. Caleb olhou para a paciente em coma naquele leito.A fome de vida que ela demostrava era tremenda e apesar dos cortes, ferimentos e hematomas ela tinha traços perfeitos, delicados, e lutava bravamente para sobreviverE ele queria garantir que tudo estaria correndo bem, mesmo que ela ainda leve um tempo para acordar. Ele queria ajudar a dar essa chance a ela.Ava era uma sobrevivente, uma guerreira da vida!A luz branca e intensa do hospital contrastava com a escuridão em que Ava havia mergulhado. Sons distantes ecoavam em sua inconsciência, vozes murmuradas, o apito rítmico de máquinas que monitoravam sua vida frágil. Seu corpo paralizado sobre a cama de UTI, cercado por fios e tubos que pareciam uma rede que a prendia entre a vida e a mort
Marcas InvisíveisOs dias seguintes à cirurgia foram envoltos por um silêncio carregado e um clima de tensão palpável. Enquanto Ava permanecia em coma, seu corpo lutava para se recuperar dos traumas recentes, mas havia algo muito mais profundo escondido sob as feridas cicatrizes que contavam histórias de um sofrimento prolongado e de uma violência que não se encerrava com o acidente. Caleb, sempre atento e com o coração apertado, visitava o CTI a cada oportunidade, examinando os sinais vitais e, discretamente, os rastros de dor que marcavam a pele da jovem. Foi em uma dessas visitas que Fabiana, uma enfermeira jovem e sensível, aproximou-se dele com a urgência de quem tem um fardo pesado para compartilhar.Sentados em um canto menos movimentado da sala de descanso do CTI, Fabiana começou a falar em tom baixo, quase sussurrado, como se o simples ato de expor a verdade pudesse reavivar os horrores do passado.–Doutor, eu sei que Ava é uma sobrevivente, mas você precisa saber a exten
Marcas Invisíveis 2Caleb respirou fundo, fixando o olhar no monitor que pulsava ritmicamente.—A partir de hoje, farei questão de acompanhar cada passo da recuperação dela. Declarou com firmeza. —Não apenas como médico, mas como alguém que entende que a cura não é apenas física. Precisamos cuidar da alma, reparar as feridas invisíveis que ela carrega.O ambiente do CTI parecia absorver cada palavra, cada suspiro carregado de angústia e esperança. Caleb sabia que o caminho seria longo e cheio de desafios, mas a determinação de resgatar Ava, de oferecer-lhe um recomeço digno, o impulsionava. Ele se permitia, por um breve instante, agradecer a Deus por ter tirado de cena Taylor Mendes uma figura vil que representava a fonte de tanto mal para aquela mulher. “Obrigado, Senhor, por esse sinal de que a justiça, de alguma forma, está ao nosso lado,” Pensou com o coração apertado e os olhos brilhando com lágrimas contidas.Enquanto Fabiana e Caleb continuavam a conversar sobre os detalhes