Maria sempre foi invisível dentro da própria casa. Casada com um homem cruel e madrasta de dois adolescentes ingratos, sua vida era feita de humilhações, sacrifícios e silêncio. Mas tudo muda no dia em que, exausta após mais uma jornada de desprezo, ela embarca em um ônibus de volta para casa... e nunca chega ao destino. Após o acidente, Maria é encontrada ferida e desacordada à beira de um lago. É então que Alexandre Fonseca, um fazendeiro solitário e marcado pelo passado, a encontra e a leva para sua casa. Sem saber quem ela é, apenas com o desejo de ajudá-la, ele abre as portas de sua casa e do seu coração. Entre as marcas de um passado cruel e a incerteza do futuro, Maria precisará encarar seus próprios fantasmas. Em meio à dor, surge a chance de ser vista, de ser amada. Terá ela força para romper as correntes que a aprisionaram por tantos anos e ser livre?
Leer másCapítulo 1
Ninguém via Maria. Ela estava ali, todos os dias, mas era como se fosse invisível. Casada há 18 anos com Geraldo, um homem grosseiro e egoísta, ela havia se tornado a sombra da mulher que um dia sonhou em ser. Criava os dois filhos que ele teve antes do casamento, adolescentes ingratos que herdaram o desprezo e a frieza do pai. Nunca a chamaram de mãe. Nunca demonstraram gratidão. Para eles, Maria era apenas a mulher que limpava a casa, fazia a comida, lavava suas roupas e resolvia seus problemas, tudo em silêncio. Sem ouvir um “obrigado”. Apenas ordens, gritos e ofensas. Naquela manhã, como tantas outras, Maria acordou antes mesmo do sol nascer. A casa ainda dormia quando ela saiu da cama e foi direto para a cozinha. Preparou o café, colocou a mesa, lavou a louça, recolheu a bagunça que os filhos do marido haviam deixado espalhada na noite anterior. Tudo em silêncio. Com os pés já cansados e a coluna doendo, pegou sua velha bolsa rasgada, jogou os últimos trocados dentro e saiu em direção à cidade. O sol já queimava quando começou a caminhar pela cidade. A poeira da estrada grudava na pele suada, e as sacolas, uma a uma, começaram a se encher com os mantimentos que cabiam com o pouco dinheiro que ela tinha. As alças das sacolas cortavam seus dedos, o peso castigava seus braços, mas ela seguia firme, como sempre fazia. Quando finalmente chegou ao ponto de ônibus mais próximo, largou tudo no chão e se sentou no meio-fio. Seus dedos estavam inchados e vermelhos. Olhou para as mãos, para os calcanhares cobertos de terra, e as lágrimas vieram sem pedir permissão. Não era a primeira vez que chorava em silêncio. "Por que comigo?", pensou, com os olhos marejados. "O que foi que eu fiz para merecer isso?" Passou as costas da mão nos olhos assim que viu o ônibus se aproximar. Enxugou as lágrimas rapidamente e levantou-se com esforço. Fez sinal. O motorista parou. Entrar com as sacolas foi uma tarefa difícil. Tentava equilibrar tudo sem derrubar nada, sem incomodar ninguém. Mas era impossível. — Vai demorar pra passar? — resmungou um homem na porta. — Senhora, cuidado com essa sacola! — reclamou outra mulher ao lado. Maria não respondeu. Apenas baixou a cabeça e seguiu em silêncio. Conseguiu se encolher em um dos bancos do fundo, afastada, apertando as sacolas entre os joelhos, tentando não ocupar espaço demais, tentando desaparecer. Olhou pela janela. O mundo seguia lá fora, tão bonito, tão livre. Enquanto isso, ela afundava mais a cada dia, esquecida dentro da própria vida. Mas então, no meio do trajeto, um carro em alta velocidade cruzou o caminho do ônibus. O motorista tentou frear. Tudo escureceu. Quando Maria acordou, o corpo doía como se tivesse sido atropelado por um trator. A cabeça latejava. Sangue seco estava grudado em sua pele. Com dificuldade, levantou-se e andou sem rumo, cambaleando pela estrada de terra batida, os pés descalços feridos pelo cascalho. Não sabia onde estava, nem o que fazer. Depois de minutos caminhando, viu um lago. A água brilhava ao sol e parecia sua única esperança. Se aproximou, mas os joelhos falharam, a visão escureceu… e desmaiou à beira da margem. *** Alexandre Fonseca era um homem firme, moldado pelo trabalho árduo no campo e pelas cicatrizes das perdas que a vida lhe impôs. Fazendeiro respeitado, dono de vastas terras e de um coração generoso, era conhecido não só por sua força, mas também por sua retidão e compaixão. Naquela manhã, fazia sua ronda habitual ao lado do fiel funcionário Hugo. Galopavam tranquilamente pelos arredores da fazenda quando algo, ao longe, chamou sua atenção. — Hugo… tem algo ali, perto do lago. Os dois se aproximaram. Alexandre desceu do cavalo, com o cenho franzido, e se abaixou ao lado do corpo. Com cuidado, afastou os cabelos sujos e embolados do rosto da mulher. Um impacto atravessou seu peito como um raio. Havia sangue, havia dor… mas também havia beleza. Ele tentou sentir a pulsação do seu pulso, sem sucesso. Tentou o pescoço. Os batimentos estavam fracos. — O que aconteceu com você? — murmurou. Olhou para Hugo, com urgência. — Vamos levá-la para o casarão. Depressa! O cavalo galopava rápido pelo terreno irregular da fazenda. Hugo, obediente e leal, desapareceu pela trilha em meio à poeira levantada. Alexandre apertou os lábios, carregando a mulher desacordada em seus braços até a varanda do casarão principal. O rosto dela estava pálido, sujo, e os fios de cabelo grudavam no sangue seco. Empurrou a porta com o ombro e entrou. — Aguente firme… — murmurou, mais para si mesmo do que para ela. Com cuidado, a deitou sobre o sofá de couro da sala. Apoiou a cabeça da mulher sobre uma almofada macia, afastando mais uma vez os cabelos do rosto dela. Mesmo machucada, havia algo sereno em sua expressão. Ouviu passos apressados. — Ah, meu Deus! — exclamou Dona Elza, a velha cozinheira, levando as mãos à boca ao ver a cena. — O que aconteceu, patrão? — Não sei. A encontramos caída na beira do lago, desmaiada e machucada. Preciso que me ajude. — Claro, senhor. O que eu faço? — Traga uma bacia com água morna e um pano limpo. Rápido. Ela assentiu e sumiu corredor adentro. Alexandre voltou a olhar para a estranha em seu sofá. Sentia algo estranho no peito. Um aperto, talvez compaixão... ou algo mais profundo, mais instintivo. Seus olhos passeavam pelos ferimentos visíveis, tentando calcular a gravidade da situação. Pouco depois, Elza voltou com a bacia fumegante e um pano de linho branco. — Aqui está. — Obrigado — disse Alexandre, pegando o pano, torcendo-o na água e começando a limpar com delicadeza o sangue do rosto dela. A cada passada lenta do pano úmido, revelava-se mais do rosto da mulher. Bonita, sim, mas havia mais que isso. Havia dor, marcas de sofrimento... e uma fragilidade que mexia com ele de uma forma que não sabia explicar. — O médico já está a caminho? — perguntou Elza, observando atentamente. — Hugo foi buscá-lo pessoalmente. Não deve demorar. Elza se aproximou um pouco mais e tocou no braço da mulher, sentindo a pele fria. — Coitadinha… quem será ela, hein? Alexandre não respondeu. Estava ocupado demais tentando entender por que o coração batia daquele jeito estranho no peito. Ele terminou de limpar o rosto da mulher, revelando traços suaves e marcantes sob a sujeira e o sangue seco. Passou o pano agora morno pelos braços feridos, onde arranhões e hematomas contrastavam com a pele clara. Cada gesto era delicado, quase reverente. Ele não sabia quem ela era, mas algo nela o impedia de tratá-la como uma simples desconhecida. Foi então que a porta da sala se abriu de repente, e passos apressados ecoaram pelo assoalho de madeira. — Senhor! — anunciou Hugo, entrando suado, seguido de perto pelo doutor Henrique. O velho médico carregava sua maleta surrada de couro e a mesma expressão séria de sempre. Era um homem de mais de setenta anos, firme, de voz calma, e com as mãos experientes de quem já havia salvado muitas vidas. Alexandre o conhecia desde garoto, e confiava nele como em mais ninguém. — Onde está a paciente? — perguntou o doutor, vendo a paciente em seguida e se ajoelhando ao lado do sofá. — Encontramos ela caída na beira do lago. Estava inconsciente, com esses ferimentos — explicou Alexandre, afastando-se um pouco para dar espaço. O doutor abriu a maleta, colocou os óculos e começou o exame com movimentos cuidadosos. Checou os batimentos, o pulso, a respiração. Depois examinou os braços, a cabeça, apalpou com cautela os ossos e articulações. — Bem… — murmurou após longos minutos. — Nenhum osso quebrado, graças a Deus. Ela tem escoriações, hematomas, está desidratada… mas o mais preocupante, neste momento, é o choque físico e emocional. O corpo reage de forma intensa ao trauma. Ela precisa descansar. — Ela vai ficar bem? — perguntou Alexandre, com um olhar atento. — Com os cuidados certos, sim. Eu vou prescrever algo para dor, antibiótico leve para evitar infecção nos machucados e um tônico para ajudá-la a recuperar as forças. Se ela acordar com dores ou febre, me chame imediatamente. Ou se não acordar até amanhã, também. O médico fechou a maleta e se levantou com certa dificuldade, ajeitando o chapéu na cabeça. — E mantenha-a hidratada. Água com açúcar, caldos leves… Nada pesado por enquanto. — Obrigado, doutor — disse Alexandre, apertando a mão dele com firmeza. — Cuide bem dela, meu rapaz. Seja quem for, parece que já sofreu o bastante — disse ao lembrar de ter reparado nas mãos calejadas. Alexandre acompanhou o médico até a porta. Quando voltou, ficou observando a estranha dormindo no sofá. Sentou-se novamente ao lado dela. Por algum motivo, sentia que aquela mulher estava prestes a mudar o rumo da sua vida, mesmo sem saber seu nome.Capítulo 50Doze anos depois...O sol da manhã aquecia os campos montanhosos da fazenda,fazendo evaporar a relva ainda úmida de orvalho. Os cavalos galopavam lado a lado, e entre eles, destacavam-se Alexandre e seu filho, Lucas, agora com doze anos, firme sobre a sela, com os olhos brilhando de entusiasmo.— Segura firme as rédeas, mas com certas suavidade, filho. O cavalo sente sua intenção antes mesmo do toque — disse Alexandre com um sorriso calmo, observando o menino aplicar cada ensinamento com dedicação.Lucas assentiu, concentrado, e repetiu os gestos do pai. Os dois estavam lado a lado, domando um potro novo que ainda estranhava a cela. Alexandre sempre dizia que adestrar um cavalo era como criar raízes com ele, paciência, firmeza e confiança mútua.— Ele está se acalmando — disse Lucas, acariciando o pescoço do animal.— Está sim. E isso é mérito seu. Você tem mãos boas. Seu avô Ronald dizia que o cavalo reconhece o coração de quem o conduz. E o seu… é forte e calmo.O filho
Capítulo 49Adalberto ficou alguns dias na fazenda do irmão para descansar, matar a saudade e colocar a conversa em dia. Os dois riam das lembranças da infância, andavam a cavalo juntos pelas trilhas que conheciam de cor e ajudavam Maria com pequenas tarefas, mesmo que ela insistisse que estava tudo sob controle.Em uma manhã ensolarada, enquanto o cheiro de pão de queijo e café fresco saía da cozinha, Maria viu um carro se aproximando pela estrada de terra. Sorriu ao reconhecer Beatriz descendo do banco do carona com a pequena Marisa nos braços. Leonardo desceu do lado do motorista e Fábio, o irmão dela, veio logo atrás, com uma sacola de presentes.Maria foi até a porteira recebê-los com o coração apertado e feliz ao mesmo tempo.— Olha quem chegou! — disse, abrindo os braços para abraçar Beatriz.— Me perdoa por não ter ido ao hospital — disse Beatriz com os olhos marejados. — Foi tudo tão rápido… o falecimento do papai, o enterro… muita coisa ao mesmo tempo.— Eu entendo — respond
Capítulo 48Após o enterro, todos voltaram para casa. O clima era de silêncio, de digestão lenta de tudo o que havia acontecido, da perda, das memórias, das sombras do passado que teimavam em não desaparecer. Leonardo, no entanto, carregava um peso maior. Sabia que não era o momento ideal… mas como guardar por mais tempo o que acabara de descobrir?Beatriz deu banho na pequena Marisa com carinho, cantarolando baixinho, tentando afastar a dor do dia. Depois, a amamentou, com Leonardo ao lado, ajudando no que fosse preciso. Quando a bebê finalmente adormeceu, envolta em um cobertorzinho rosa claro, Leonardo beijou a testa da filha e olhou para a esposa.— Amor… — chamou com voz baixa. — Podemos conversar um pouco?Beatriz assentiu, desconfiada.— Claro. Vamos à sala.Foram juntos, caminhando lentamente. Na sala, Fábio estava jogado no sofá, olhos fixos na televisão, mas claramente distante, absorvido em seus próprios pensamentos. Não parecia prestar atenção em nada ao redor.Leonardo se
Capítulo 47O monitor cardíaco apitava com lentidão, marcando o compasso frágil da vida que escapava. No quarto silencioso e sombrio, a respiração de Geraldo era mantida por aparelhos. O médico-chefe havia acabado de sair após uma reunião com a equipe.- Não passa dessa noite - comentou um dos residentes, com voz grave, ao lado da porta. - O corpo está entrando em falência múltipla.Lá dentro, dois enfermeiros ajustavam a medicação com cuidado.- E pensar que esse aí era valentão - disse um deles, baixinho. - Bateu na esposa, viveu como quis... e agora, está morrendo.- A vida cobra - respondeu o outro, conferindo os sinais vitais. - E às vezes, cobra caro.Os corredores do hospital estavam vazios naquela madrugada, se escutavam apenas os sons distantes das máquinas e passos apressados. No quarto 312, o tempo parecia ter parado.O monitor cardíaco de Geraldo começou a desacelerar. Os bipes ritmados se tornaram espaçados, hesitantes... até que um último som agudo e contínuo invadiu o a
Capítulo 46A porta da casa se abriu com força, batendo contra a parede. Leonardo entrou ofegante, o peito subindo e descendo com rapidez. Os cabelos bagunçados, a camisa meio aberta e o olhar desesperado denunciavam o quanto correu.— Ela nasceu? — perguntou ainda sem fôlego, vasculhando o ambiente com os olhos até encontrar Maria ao lado da cama e, logo atrás dela, Beatriz segurando o bebê.Beatriz sorriu emocionada ao vê-lo.— Leonardo…Ele se aproximou apressado, mas hesitou ao ver o pacotinho em seus braços. Seus olhos marejaram. Com cuidado, se abaixou diante das duas.— Posso? — perguntou com voz embargada.Beatriz assentiu e, com carinho, colocou a pequena Marisa nos braços do pai. Leonardo a segurou como se carregasse o próprio coração fora do peito.— Meu Deus… Ela é tão pequena… tão perfeita — sussurrou, as lágrimas caindo sem controle. — Vocês são minha vida.Maria se afastou discretamente, deixando o momento para os dois. Alexandre a aguardava na porta, sorrindo.Ela se a
Capítulo 45Com Geraldo em coma, o hospital foi obrigado a comunicar oficialmente a situação à Justiça, já que ele estava sob custódia. A promotoria recebeu o relatório médico completo, incluindo os laudos que apontavam a deterioração da saúde dele e as circunstâncias do espancamento na prisão. Imediatamente, um novo inquérito foi aberto para apurar se houve falha na segurança penitenciária, mas o foco principal continuava sendo os crimes que ele havia cometido antes de ser preso.O promotor responsável pelo caso de Maria foi claro:— Mesmo em coma, o processo continua. Se ele acordar, terá que responder por todos os crimes. Se não acordar, encerramos com base no estado de saúde permanente, mas não antes de garantir os direitos da vítima.Maria foi notificada da situação por seu advogado, que apresentou as informações.— Você pode ficar tranquila, Maria. O que dependia da Justiça já foi feito. Ele já pagou parte do preço e, mesmo inconsciente, a lei está cumprindo o seu papel.Ela ouv
Último capítulo