Capítulo 4
Alexandre permaneceu imóvel ao vê-la abrir os olhos. Aquela mistura de medo e confusão refletida no olhar dela o fez dar um passo para trás, de maneira instintiva, como se não quisesse assustá-la ainda mais. Ela piscou algumas vezes, tentando ajustar a visão. Olhou em volta, o teto, as paredes de madeira, o lençol limpo... e então seus olhos voltaram para ele. O corpo dela enrijeceu. A respiração ficou entrecortada, os olhos arregalados como os de um animal acuado. - Está tudo bem - disse Alexandre, com a voz baixa e firme, erguendo levemente as mãos como se quisesse mostrar que não era uma ameaça. - Você está segura. Ninguém vai te machucar aqui. Ela levou a mão à testa, tateando os curativos, e depois ao peito, como se verificasse se ainda era ela mesma. Tentou falar, mas a garganta seca não deixou sair som algum. - Não se esforce - ele disse rapidamente. - Você sofreu um acidente. Foi encontrada na beira do lago, desacordada. Te trouxe pra cá. A Elza cuidou de você. Ela virou o rosto para o lado, tentando conter as lágrimas que começaram a se formar nos olhos. A confusão agora se misturava com uma dor silenciosa, difícil de nomear. - Quer que eu chame a Elza? - ele perguntou, mantendo o tom calmo. Ela hesitou, mas fez um leve gesto com a cabeça. Alexandre deu um último olhar, agora mais suave, antes de sair do quarto. Fechou a porta atrás de si com cuidado. E, por um instante, ficou parado no corredor, tentando entender por que o olhar daquela mulher, mexera tanto com ele. Momentos depois, a porta se abriu lentamente e Elza entrou com uma jarra de água fresca e um copo nas mãos. - Olá, querida - disse com voz doce e acolhedora. - Que bom que acordou. Não se assuste, tá? Você está em segurança. A mulher ainda não respondeu. Apenas acompanhou cada movimento de Elza com os olhos atentos e receosos. Quando a senhora se aproximou da cama, ela encolheu ligeiramente o corpo, como se esperasse ser tocada com agressividade. - Não vou te machucar, prometo. - Elza pousou o copo na mesinha ao lado e sentou-se na beirada da cama, deixando uma boa distância. - Eu sou Elza. Trabalho aqui há anos. Foi o patrão quem te encontrou... o senhor Alexandre. Te trouxe pra casa e pediu para eu cuidar de você. Ela engoliu em seco e finalmente tentou falar. Sua voz saiu rouca, quase inaudível. - Onde... onde estou? - Numa fazenda, a poucos quilômetros da cidade. Você estava caída na margem de um lago da fazenda. Os olhos da mulher se encheram de lágrimas, e Elza rapidamente pegou um lenço no bolso do avental. - Calma, querida. Você está viva, e isso já é um milagre. Beba um pouco d'água, vai te ajudar. Com certa hesitação, ela estendeu a mão e pegou o copo. Seus dedos tremiam levemente. - Qual é o seu nome? - Elza perguntou, com suavidade. A mulher hesitou por longos segundos. Por fim, sussurrou: - Maria. - Muito bem, Maria. - Elza sorriu, sincera. - Vai dar tudo certo, tá? Aqui você vai ter sossego pra se recuperar. O patrão é um bom homem. Maria apenas assentiu, olhando para a porta como se ainda temesse que a qualquer momento algo ruim fosse acontecer. Elza se aproximou com cuidado, observando os hematomas nos braços e no rosto de Maria. — Posso ver seus machucados, querida? Prometo ser delicada. Maria assentiu com um leve aceno. Elza sentou-se ao seu lado e começou trocar os curativos, a limpar com cuidado os arranhões no braço dela, com gaze e um antisséptico suave. — Você é muito bonita — disse com um sorriso gentil. — Talvez a mulher mais bonita que já passou por essa casa. Ou até mesmo pela cidade. Maria corou levemente, desviando o olhar. — Quantos anos você tem, querida? Maria olhou para Elza como se fosse uma pergunta estranha, e respondeu com naturalidade: — Faço dezoito em alguns dias… E também vou me casar. As mãos de Elza congelaram por um segundo no ar. Ela franziu a testa, a encarando. Aquela resposta não fazia sentido. Maria parecia ter pouco mais de trinta anos, e os sinais de sofrimento no corpo e na alma não pertenciam a uma adolescente prestes a se casar. Elza se afastou um pouco, tentando manter a expressão neutra, embora por dentro o alarme soasse alto. — Entendo… — disse, tentando manter o tom calmo. — Você lembra do nome do rapaz com quem vai se casar? Maria pensou por um instante, olhando para o teto, mas sua mente parecia um véu nebuloso. — Não… não lembro… Elza suspirou em silêncio. Não havia dúvida. Maria havia perdido parte da memória. E agora, mais do que nunca, precisava de cuidado: e de respostas. Depois de limpar os ferimentos com todo o cuidado, Elza se levantou e jogou os curativos usados fora. — Prontinho, querida. Agora, vamos com calma... quero que tente se levantar. Está bem? Quero que veja algo. Maria assentiu com um olhar confuso e obediente. Ainda fraca, apoiou-se nos braços da cadeira e, com a ajuda de Elza, conseguiu se pôr de pé. — Devagar… Isso, muito bem. — Elza sorriu com carinho. — Venha comigo. Conduzindo a jovem com delicadeza, Elza a levou até o canto do quarto onde havia um espelho de corpo inteiro. Maria parou em frente a ele e arregalou os olhos. Ela parecia ver uma estranha. Seus cabelos estavam limpos, mas ainda desalinhados; o rosto, apesar dos machucados, começava a mostrar traços suaves e femininos. No entanto, o que mais a surpreendeu foi a mulher diante dela... ela não se via assim. — Sou eu...? — sussurrou, tocando o espelho com a ponta dos dedos. Elza se aproximou por trás. — Sim, é você. Mas parece que o tempo te tirou um pedaço… e nós vamos ajudar a encontrar de novo. Maria passou a mão pelos cabelos, depois sobre a bochecha machucada. Os olhos marejaram. — Eu… eu pensei que fosse mais jovem… — disse, com um nó na garganta. — Por que eu não lembro? Elza pousou a mão no ombro dela com ternura. — Às vezes, quando a dor é grande demais, a mente esconde as lembranças pra nos proteger. Mas tudo vai voltar, com o tempo. Você não está sozinha. Maria fechou os olhos, tentando manter a compostura. Pela primeira vez em anos, alguém a tratava com gentileza. E aquilo, mais do que as palavras, era o que ela mais precisava.