Capítulo 6
Alexandre se aproximou com calma, ainda observando atentamente os traços delicados e a expressão tranquila de Maria, agora mais corada após a refeição. — Está se sentindo bem? — ele perguntou, com a voz grave, enquanto se abaixava ligeiramente para vê-la melhor nos olhos. Maria assentiu, repousando a xícara sobre a mesa de madeira rústica. — Tirando a dor dos pequenos ferimentos e uma leve pressão na cabeça... me sinto bem, sim — respondeu com honestidade, mas sem perder o tom sereno. Alexandre a observou por mais um instante, como se quisesse ter certeza. — Ótimo. O médico pediu para tomar esses remédios — disse, retirando a embalagem do bolso do casaco. Ele entregou dois comprimidos e um copo d’água. — Melhor tomá-los agora, vão te ajudar com a dor. Maria obedeceu sem questionar, e ao vê-la engolir os comprimidos, Alexandre deu um leve sorriso e se levantou. — Será que está bem o suficiente para ir até o celeiro? É bem ali, não é longe — disse, apontando com o queixo para o campo visível pela janela. Ela hesitou por um instante, depois sorriu de volta. — Acredito que andar vai me fazer bem. Meu corpo precisa se movimentar um pouco. Ele assentiu. — Não vou te forçar. Qualquer incômodo, a gente volta. Está bem? — Combinado — ela respondeu, e havia um brilho novo em seus olhos, como se aquele convite representasse mais do que uma simples caminhada. Alexandre foi até a porta, pegou o chapéu que estava pendurado no cabide e o colocou na cabeça, lançando um último olhar para Maria, que já se erguia com cuidado. Ele se aproximou, oferecendo o braço com um gesto gentil. Ela aceitou, e juntos, caminharam para fora da casa, em direção ao celeiro. Eles caminharam em silêncio por alguns metros. Ele olhou de soslaio para ela algumas vezes, discreto, notando como o vento bagunçava delicadamente os fios do cabelo dela. Quando chegaram à entrada do celeiro, ele abriu a porta pesada de madeira para que ela passasse primeiro. — Cuidado com o degrau — disse, com um leve toque no cotovelo dela, guiando-a com gentileza. Maria respirou fundo quando o cheiro de palha tomou o ar. — É... acolhedor — ela comentou, sorrindo levemente. Alexandre observou esse sorriso como se fosse algo raro. — Sempre achei esse lugar especial — ele respondeu, encostando-se em uma pilha de fardos de feno enquanto a observava caminhar pelo espaço amplo e arejado. — Talvez porque a gente tenha menos onde se esconder. Do mundo. De si mesmo. Maria se virou devagar, encontrando os olhos dele por entre a sombra do chapéu. Aquele olhar carregava algo mais... um cuidado silencioso, admiração. — Você é diferente — ela comentou sem pensar. — Quero dizer... é gentil. Alexandre riu baixo, coçando a nuca. — Dizem que o campo faz isso com a gente. Ou talvez seja só você que desperta esse lado nas pessoas. Ela desviou o olhar, tímida, e ele se aproximou devagar, mantendo a distância respeitosa, mas deixando o gesto claro: ele queria estar por perto. — Se quiser, posso te mostrar os cavalos. Tem um potro novo. É curioso, como você. — Eu adoraria — disse, com um brilho no olhar que ele não via há muito tempo em ninguém. Alexandre estendeu a mão, sem pressa, deixando-a ali no ar entre eles, como um convite silencioso. Maria hesitou, observando os dedos grandes e firmes dele, calejados pelo trabalho no campo. Quando finalmente pousou sua mão sobre a dele, sentiu o calor imediato da pele dele contra a sua. A textura era áspera, mas o toque, surpreendentemente gentil. Alexandre, por sua vez, prendeu a respiração por um breve instante ao sentir a delicadeza dos dedos dela, leves, frágeis, quase tímidos. Havia algo de íntimo naquele gesto simples, como se os dois estivessem dividindo um segredo silencioso. O mundo ao redor pareceu silenciar por um segundo enquanto ele entrelaçava os dedos devagar, respeitosamente, guiando-a com ternura. E então, juntos, seguiram em direção aos estábulos, com a pele ainda vibrando pelo primeiro toque que nenhum dos dois esqueceria. O sol da tarde aquecia os ombros deles, mas Alexandre mal notava, toda a sua atenção estava na mulher ao seu lado. De vez em quando, ele arriscava olhares discretos, observando como o cabelo dela reluzia sob a luz dourada e como seus olhos vagavam pelo cenário com curiosidade contida, como se redescobrisse o mundo. Ao chegarem à entrada do estábulo, ele empurrou a porta de madeira pesada com uma das mãos, sem soltar a dela. O cheiro familiar de feno, madeira envelhecida e cavalos preenchia o ar. Um dos cavalos relinchou e se aproximou da grade, curioso. Maria se aproximou e estendeu a mão, encantada com o animal. — Posso? — Claro — ele respondeu, ficando próximo o suficiente para que seus ombros quase se tocassem. — Esse aí é o Ventura. Manso feito um cordeiro, mas muito inteligente. Vai gostar de você, com certeza. Maria acariciou o focinho do cavalo e, por um momento, parecia não carregar mais a confusão do mundo lá fora. Alexandre a observava em silêncio, sem conseguir evitar o pensamento que lhe atravessava a mente como um raio: se ela realmente não lembrar quem é... será que Deus a colocou no seu caminho por algum motivo? Maria permaneceu por mais alguns minutos no celeiro, encantada com os cavalos. Passou a mão com carinho sobre o pescoço de Ventura enquanto Alexandre cuidava dos animais, trocando a água e distribuindo ração, mas seus olhos sempre voltavam para ela. Quando tudo estava em ordem, ele se aproximou. — Vamos voltar? — perguntou com a voz baixa. — Sim, claro. — Ela deu um último afago em Ventura antes de acompanhá-lo. No caminho de volta, o silêncio era confortável. O calor do sol já havia diminuído, e a brisa trazia o cheiro fresco das plantações. Assim que chegaram, dona Elza já os esperava com um sorriso suave. — O quarto de hóspedes já está arrumado, querida. E deixei o banheiro preparado também. Venha, vou te mostrar onde é. Maria assentiu com um olhar agradecido. Elza a conduziu até o andar de cima, abriu a porta do quarto com delicadeza e depois indicou o banheiro. — Aqui está tudo o que vai precisar para um banho: toalhas limpas, sabonetes, xampu, tudo novo. Se precisar de ajuda, é só me chamar. — Muito obrigada, Dona Elza. Está sendo tão gentil comigo… — Não se preocupe com isso. Agora vá se cuidar. Um banho vai te fazer bem. Assim que Maria entrou no banheiro e trancou a porta, Elza foi direto ao escritório onde Alexandre organizava alguns papéis. — Senhor Alexandre? Posso falar com o senhor um instante? Ele ergueu os olhos de imediato. — Claro. Alguma coisa com ela? Elza fechou a porta com cuidado e se aproximou da escrivaninha. — Eu conversei um pouco com a moça assim que acordou. E... senhor, ela não se lembra de quem é. Acha que vai fazer dezoito anos em alguns dias e disse que está noiva. Alexandre franziu o cenho, sentando-se mais ereto. — Mas ela tem bem mais de trinta. — Pois é. E ficou visivelmente confusa quando se viu no espelho. Acho que a imagem que tem de si mesma não b**e com a que viu ali. Está perdida, senhor. E claramente não faz ideia do que aconteceu com ela. Alexandre passou a mão pelo queixo, pensativo. Aquela mulher era um mistério que o inquietava desde o momento em que a encontrara. Agora, mais do que nunca, sabia que teria que ajudá-la. — Obrigado por me contar, Elza. A gente vai ter que ir com calma... descobrir quem ela é de verdade. Mas até lá, ela fica aqui. Com segurança. — Ele respirou fundo, olhando pela janela em direção ao campo. — Quem quer que ela tenha sido… não é mais a mesma. E talvez, de certa forma, isso seja uma chance de recomeço. Elza assentiu em silêncio.