Capítulo 10

Noah passava os olhos pelo prontuário eletrônico do paciente 3B quando ouviu a porta da sala de descanso bater com pressa. Era o quarto dia seguido que ele mal parava para almoçar — e o hospital parecia conspirar para nunca deixá-lo sair antes das oito da noite.

— Dr. Bennett, a paciente do 2C teve uma leve elevação na pressão intracraniana. Dra. Langston está monitorando, mas pediu sua avaliação.

— Estou indo — respondeu, já de pé, jaleco limpo, olhar atento.

Noah caminhava pelos corredores como quem fazia parte do próprio hospital: os pés sabiam o caminho, os olhos escaneavam detalhes, os ouvidos captavam o que ninguém dizia. Era assim que ele salvava vidas — em silêncio, com precisão, quase invisível.

Quando chegou à UTI neurológica, encontrou a residente já à beira do leito.

— Ela está estável, mas o edema parece ter avançado discretamente — explicou Langston.

Noah leu os gráficos com rapidez, depois se aproximou da paciente. Observou o padrão respiratório, o leve tremor nos dedos.

— Aumentem a dose de manitol para 0.75, e monitorem de hora em hora. Se o padrão se repetir nas próximas seis, vamos reavaliar o plano cirúrgico.

Langston assentiu, anotando.

Ele ficou mais um tempo ali, em silêncio. O tipo de silêncio que tem peso.

E então saiu, os olhos já dois passos à frente, a mente num labirinto que só ele parecia saber navegar.

Na sala de conferência, ele se preparava para apresentar um caso raro num seminário entre especialistas. Falava com segurança, mesmo após 13 horas sem sentar direito. Falava como quem não tinha outra opção além da excelência.

E então, no exato momento em que projetava uma imagem de ressonância no telão, a porta se entreabriu com cuidado.

Clara.

Com um moletom laranja, cabelo preso em coque frouxo e um sorriso cúmplice.

Na mão, uma sacola de papel pardo.

Noah franziu a testa, surpreso. Parou de falar por dois segundos.

— Algo errado, Dr. Bennett? — brincou Elias, ao lado.

— Nada. Só uma interrupção do tipo que melhora o prognóstico.

A sala riu. Clara levantou a mão como quem pedia desculpas.

Mas o olhar de Noah era de puro orgulho.

Terminou a apresentação com maestria e foi até ela assim que pôde.

— O que você tá fazendo aqui?

— Salvando você de morrer de hipoglicemia e solidão.

Ela estendeu a sacola.

— Sanduíche de tomate seco com queijo de cabra, o suco verde que você não gosta mas precisa, e… um bilhete.

Ele sorriu, abrindo a sacola com cuidado.

Ali dentro, colado no guardanapo, o bilhete:

“Você cura cabeças o dia todo.

Mas espero ser quem cuida da sua, quando você esquece de si.”

— C.

Ele a puxou para um abraço rápido, ali mesmo no corredor.

— Como você conseguiu entrar?

— Tenho carisma. E um jaleco roubado de Leo com crachá de visitante impresso errado.

— Sério?

— Claro que não. Mas você por um segundo acreditou. Isso diz muito.

Ele riu. E era esse o milagre: naquele lugar onde a morte rondava cada ala, ela entrava e levava um pedaço de vida.

Foram até a sala de descanso. Ele abriu o sanduíche com a precisão de quem desmonta um bisturi. Ela sentou na cadeira giratória, olhando em volta.

— É aqui que você passa seus dias?

— Quando não estou no centro cirúrgico, sim. Não muito glamouroso.

— E mesmo assim, você volta inteiro pra mim.

— Nem sempre inteiro. Mas sempre com vontade.

Ela cruzou as pernas, apoiando o queixo na mão.

— Você já pensou em parar? Tipo… dar um tempo? Viajar? Fazer algo só por fazer?

Noah terminou a primeira mordida antes de responder.

— Pensei. Mas depois que você entrou na minha vida, parece que isso aqui também faz sentido de um jeito novo.

— Como assim?

— Antes, eu fazia isso pra cumprir um papel. Um padrão. Um peso.

Agora, eu continuo por mim. Mas também por nós.

Porque você me lembra que cada vida que eu toco tem cor. Voz. Memória.

E que se eu posso salvar alguém…

…é só porque eu aprendi o que significa ser salvo.

Clara mordeu o lábio, emocionada. Abaixou os olhos.

— Se eu sou tudo isso, você devia me dar aumento.

Ele estendeu metade do suco verde.

— Tá aqui seu bônus.

Na porta, quando ela já ia embora, ele a segurou pelo braço e a puxou de leve de volta.

— Obrigado.

— Pelo quê?

— Por não me deixar esquecer que há vida além dos corredores.

Ela sorriu.

— E você, por não me deixar esquecer que posso ser mais do que minhas dúvidas.

Se beijaram com calma.

Com o tipo de beijo que diz “vai lá, volta logo”.

E então ela se foi.

E ele voltou a sala de conferências.

Ambos de volta aos seus mundos, carregando um ao outro nos bolsos — entre pincéis e bisturis, entre cores e diagnósticos, entre o que é cura e o que é cuidado.

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