O primeiro período de aulas se arrastou mais do que meu interesse durou nas falas lentas e monótonas dos professores. As escadarias da frente se encheram rápido com alguns alunos que preferem tomar um pouco de sol a ficar dentro de um refeitório tedioso. Cutuco minha salada de fruta com o grafo, o doce da maçã e misturando ao ácido do morango na língua.
— Ele já arranjou outro? Que horror…
Alícia torce o nariz, como esteve fazendo desde que comecei a contar que meu querido pai sequer me deixou respirar. Meu momento de liberdade acabou mais cedo do que eu gostaria. Ela é minha melhor amiga e talvez a única sem qualquer interesse em quem eu sou, ou nas coisas que eu tenho, porque ela também tem de tudo. Os pais têm cargos altos na política, então ela meio que me entende. Eles quase nunca estão em casa e o brutamontes dela não a sufoca tanto. Eu até consigo esquecer que ele está por perto, vigiando cada passo dela. Não posso dizer o mesmo sobre o meu.
Matteo está encostado na Mercedes estacionada do outro lado da rua, os braços cruzados e parcialmente expostos na camiseta colada ao corpo escultural. O sol o fez tirar a jaqueta e colocar óculos escuros. Típico. Seu maxilar me move mascando outro chiclete conforme mantém os olhos cravados em mim e em Alícia. Me sinto tentada a levantar um dedo, mas apenas espeto uma rodela de banana.
— Quem me dera se meus pais escolhessem um gostoso desse! - Ela morde o lábio inferior, ignorando totalmente seu iogurte com granola. Franzo a testa para o comentário e recebo um suspiro. — O que? Ele é.
— Vinte e cinco anos. - Lembro a ela, que dá de ombros, voltando a comer Matteo com o olhar amendoado. — É contra a lei. Ele seria preso.
— E eu o visitaria. - Alícia leva a colher à boca, demorando-se com a língua nela de propósito. Bato com o dorso da mão no braço dela. — As loucuras que eu faria dentro daquela salinha privada…
— Que nojo, sua pervetida! - Julgo e ela ri em seguida, arrancando uma risada de mim.
As pessoas dessa escola estão acostumadas a verem homens de preto ao redor do prédio como predadores vigiando suas presas, acostumadas o suficiente para mal se incomodarem e seguirem suas vidas com fofocas e reclamações. Encaro Matteo, que abaixa os óculos no meio do nariz, mostrando apenas metade de seu olhar sugestivo. Sou experiente em entender o que um “venha aqui” significa.
— Me dá um segundo, A. - Peço e fico em pé. Desço os degraus de pedra devagar para evitar torcer os pés e rolar até o meio da rua. Atravesso depois de conferir se é seguro e ele se desencosta do carro conforme me aproximo. O vento primaveril sopra meus cabelos soltos contra o rosto e por pouco não levanta a saia verde xadrez do uniforme. Coloco os fios castanhos claros atrás da orelha fechando a cara. — O que você quer?
— Vai comer isso? - Ele aponta a salada de frutas pela metade.
— Não mais.
— Ótimo! Só estou com fome, pode ir. - Matteo pega o potinho de plástico e o garfo de mim e cutuca um morango com o garfo. Parece se lembrar que está com chiclete e o observo jogá-lo na lata de lixo um tanto longe com uma mira excelente. — Avise sua amiga que eu não gosto de parecer um pedaço de carne.
— O que você esperava parado aí… assim. - Seguro a cintura, presa em assisti-lo engolir e levar mais um pedaço de fruta à boca. O garfo desliza pelos lábios demoradamente, ou talvez, apenas para mim.
— Assim como, Cecy? - Ele me fita por trás das lentes pretas e sei disso, porque os raios do sol as deixam translúcidas de perto. Meus poros se dilatam com a calmaria disfarçada de provocação na voz dele e luto contra a vontade de revirar os olhos. Levei a sério a promessa dele sobre grades e alarmes e não quero arriscar perder o pouco de liberdade que ainda tenho. Umedeço a boca com a língua, desconcertada com as íris dele percorrendo minhas coxas. — Abaixe essa saia, está obscena demais.
— É o uniforme da escola. Reclame com o diretor, não comigo.
— Ele deve ser um velho pervertido da pior espécie.
— Eu saio em duas horas e depois…
— Tem sua aula de dança. - Matteo completa, me fazendo engolir de volta as palavras prontas para saírem. — Eu memorizei seus horários, não se preocupe.
Abro a boca de novo, sem saber muito bem o que dizer.