04

— Apliquei. - Respondo, decidindo que “vai se ferrar” é grosseria demais para essa hora da manhã. — Inclusive…

Engulo o pedacinho do doce e lambo os dedos antes de abrir minha bolsa sobre a bancada. Atiro sobre a pedra fria uma pasta preta de capa dura, cheia de papéis, documentos e fotos. Abro na página que contém as informações pessoais dele.

— Matteo Florence, vinte e cinco anos, e com uma lista imensa de habilidades duvidosas. - Fecho a pasta e giro na banqueta para sair dela, incapaz de conter a euforia desse momento. Dakota olha de soslaio, levemente orgulhosa. Ela e o motorista sempre apostam quanto tempo o próximo brutamontes vai durar e eles pensam que eu não sei e às vezes, roubo para um dos lados. Eles estão empatados desde o último. — Academia Nacional de Segurança Bradford?

— Surpresa?

— Desapontada. - Dou de ombros, puxando a bolsa pelas alças e a pendurando na dobra do braço. Diminuo nossa distância, os saltos estalando no piso polido. Bradford é uma academia boa, mas não está nem entre as cinco melhores do país. Ele se gabou muito ontem à noite para alguém de Bradford, o que só torna essa semana ainda mais interessante.  Um novo e desconhecido desafio. Manda ver, Florence. Seguro a xícara dele e a tiro de seus dedos, pousando-a no balcão. Sei que seu olhar me acompanha, mas não me rendo. — O café da manhã acabou, estou atrasada para a aula.

Dou um beijo na bochecha fofa de Cokki em despedida e dou as costas para Matteo, pois não preciso me certificar de que virá. Ele virá. Eles sempre vem com uma sombra em meu encalço.

Atravesso a copa, uma extensão do mármore branco da cozinha e abro a porta interna para a garagem. O ronco do motor da Mercedes-Maybach  S680 ecoa pelo ambiente e Antony sai do banco do motorista para cumprir sua função rotineira: abrir a porta para mim. Contudo ele para, hesitante diante do olhar que recebe e acena com a cabeça, voltando para o volante e permitindo que Matteo assuma a tarefa.

— Ele é pago para isso e gosta disso. - Ressalto.

— E a minha mão não vai cair. - Ele devolve meneando com o queixo para que eu entre no banco de trás. Reviro os olhos pela segunda vez hoje e ainda é de manhã. Vai ser um longo dia.

Entro soltando o ar dos pulmões, aborrecida. A porta fecha e Matteo contorna o carro para se sentar do outro lado, impregnando o carro com seu perfume regado à arrogância, batendo de frente com o doce floral do meu Dior. A garagem fica para trás e saímos da propriedade pelos enormes e ornamentados portões ripados. Quando fechados, os arabescos formam a letra “S”.

Antony liga a música e recebo uma testa franzida do brutamontes apertado detrás do banco dele.

— Taylor Swift?

— Acostume-se, senhor Florence. - O motorista sorri pelo retrovisor central. — É uma batalha que eu perdi faz algum tempo.

— Reclamações no primeiro dia? - Desenho e estalo a língua com ironia. — Papai vai ficar triste em saber que o gosto musical da filha dele não agrada a sombra dela.

— Cecy. - Antony me repreende pelo reflexo e sorrio em troca, divertindo-me. — Dê a ele um dia ou dois antes de torturá-lo.

— Não se preocupe, Antony. - Matteo vira a cabeça para mim, tirando do bolso interno da jaqueta um par de fones de ouvido. Um daqueles que os seguranças usam para comunicação. O motorista tem um igual e os guarda-costas do meu pai também, assim eles sabem sempre onde eu estou, se espirrei, se dormi e se eu respirei hoje. — Estou preparado para todo tipo de tortura.

Ele coloca os fones nos ouvidos e penso que logo verei meu cérebro de tanto que rolo meus olhos nas órbitas.

Logo a Mercedes para em frente ao colégio particular para garotas. Um prédio antigo de três andares, com arquitetura arcaica e imperial. A escadaria enorme da entrada é o bastante para me dar preguiça de subí-la cinco dias por semana. Do outro lado da rua tem um prédio igual a este, só que para os garotos. Ridículo.

Matteo desce e abre a minha porta. Desço a contra gosto e ele fecha a porta. Antes que eu possa dar um passo para frente ele bloqueia meu caminho com o braço, prendendo-me entre seu corpo e o carro. Pisco, boquiaberta pela audácia.

— Se revirar esses lindos olhinhos para mim de novo, vou contar para o seu pai que um certo hotel da cidade anda dando bebida para menores de idade e acredito que esse mesmo hotel fechará em menos de cinco minutos e você terá grades nas suas janelas e alarmes nas suas portas. - O hálito de menta dele aquece minha orelha e o calor irradia para a bochecha, ruborizada. Provocá-lo em casa é uma coisa, mas em público é outra totalmente diferente. Sustento as íris castanhas, pinceladas com tons de verde oliva ao redor das pupilas, algo que eu só descobriria se estivéssemos muito perto. Inadequadamente perto. — Entendeu?

Balanço o queixo e Matteo se afasta. Subo os degraus sem olhar para trás, torcendo para que as correntes de adrenalina que despertaram meus poros e fizeram meus joelhos bambearem não sejam capazes de me fazer tropeçar. Forço o ar para dentro do peito, o coração disputando espaço com o restante, debatendo-se descompassado. O calor se concentra abaixo do umbigo e praguejo o rubor.

Ele é bom. Bom demais para ser vencido em uma semana.

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