POV Máximo
O salão estava impecável. Luxuoso, como exigia a ocasião. Lustres de cristal refletiam as luzes douradas, mesas postas com porcelanas finas, taças de cristal, guardanapos bordados com os brasões das duas famílias. De um lado, a Cosa Nostra. Do outro, a máfia sérvia. E bem no centro desse espetáculo miserável… eu. O futuro Don da Cosa Nostra. O homem que hoje se tornaria, oficialmente, noivo de uma mulher que não amava. Minhas mãos tremiam dentro dos bolsos do paletó perfeitamente alinhado. Cada passo que eu dava em direção à mesa principal parecia mais pesado que o anterior. Meu coração pulsava tão forte que eu podia ouvir o sangue latejar nos ouvidos. E então eu a vi. Serena Petrović. Alta, elegante, cabelos loiros presos em um coque perfeito, alguns fios soltos emoldurando o rosto delicado. Seus olhos azuis carregavam uma mistura desconcertante de doçura e firmeza. Ela estava linda, e isso só tornava tudo pior. Nos encaramos por alguns segundos. Ela respirou fundo, caminhando até mim. Forçou um sorriso educado, estendeu a mão. — Máximo… — sua voz soou suave, mas insegura. — Prazer em te ver novamente. Segurei sua mão com firmeza. — O prazer é… meu. — A mentira escorreu amarga pela minha língua. O contato não durou mais que alguns segundos. O suficiente para que cada célula do meu corpo gritasse que aquilo estava errado. Mas, então… então, meu olhar atravessou o salão. E encontrei ela. Isabella. A mulher que eu amei desde que me entendo por gente. A dona de todas as minhas primeiras vezes. A mulher que conheceu cada pedaço do meu corpo e da minha alma. Mas os olhos dela… eram gelo. Fria. Intocável. Impassível. O mesmo olhar que ela usava pra fuzilar qualquer inimigo. Agora, mirava em mim. E aquilo… aquilo me dilacerou de um jeito que eu nunca pensei ser possível. O estômago revirou. O peito afundou. O mundo inteiro pareceu girar. Por que, Isabella? Meu corpo moveu sozinho, buscando refúgio atrás de uma das colunas. E foi quando ouvi Isabella se aproximando com passos elegantes, mas o olhar era afiado como lâmina. Ela parou diante de Serena, avaliando-a dos pés à cabeça, cruzando os braços com desdém. — Então… — seu sorriso era pura ironia. — Você é Serena. Serena respirou fundo, mantendo a postura, tentando esconder o desconforto. — Sim. E você… quem é? Isabella inclinou levemente a cabeça, fingindo surpresa. — Ah, querida… você não sabe? — Seus olhos brilharam, venenosos. — Sou a mulher que Máximo ama. Serena travou a mandíbula. — Isso é problema de vocês dois, não meu. Isabella riu, debochada. — Ingênua. Você acha mesmo que vai ter alguma chance? — Se aproximou, tão perto que as bocas quase se tocavam. — Ele me ama, Serena. Me ama de uma forma que você nunca será capaz de compreender. Seus olhos perfuravam os de Serena. — Eu sou dona de todas as primeiras vezes dele. Do primeiro beijo, do primeiro toque, da primeira vez que ele fez amor. Inclusive… — sorriu, maliciosa — da primeira vez que ele descobriu o que é amar alguém de verdade. O peito de Serena subia e descia, lutando contra a raiva que começava a borbulhar. — Isso não muda o fato de que, a partir de hoje, eu serei a esposa dele. Isabella gargalhou, balançando a cabeça. — Sim, claro. Esposa no papel, na aliança… no contrato. Mas nunca no coração. — Seu tom desceu para um sussurro cruel. — E quer saber? Ele vai te odiar. Vai odiar cada segundo, cada olhar, cada toque. Aproximou-se mais, sussurrando quase como uma confissão venenosa. — Você só servirá para gerar os filhos dele. Só isso. Uma incubadora de herdeiros da máfia. O sangue de Serena ferveu. — Você é cruel. Isabella piscou, fingindo doçura. — Não, querida. Eu sou realista. — Seus olhos se apertaram, mais sombrios. — Eu usei e abusei dele. De cada parte dele. Corpo, mente, alma. E agora… — deu dois passos para trás, levantando o queixo — agora eu vou viver a minha vida, com um marido à minha altura. Seu sorriso se alargou em puro desprezo. — Aproveite, Serena. Aproveite bem o meu resto. Serena trincou os dentes, respirando com dificuldade. As palavras eram navalhas rasgando cada pedacinho de dignidade que ela tentava segurar. Enquanto ouvia, cada palavra, cada sentença. Era como se uma faca estivesse sendo enterrada no meu peito, uma, duas, três vezes direto no coração. Senti meu corpo congelar. Meus punhos se fecharam. Meu peito subiu e desceu de forma irregular. O que… o que diabos estava acontecendo? Por que estou sentindo raiva… dela? Dela. De Isabella. Eu deveria odiar Serena… Mas, naquele instante, tudo estava de cabeça pra baixo. Serena se afastou, pisando firme, com os olhos marejados, visivelmente machucada. E Isabella… Isabella ficou ali, impassível, com aquele olhar soberbo, cruel, venenoso. Aproximo-me dela, e antes que eu possa pensar, minha voz sai: — O que foi isso, Isabella? Ela se vira lentamente, cruzando os braços, arqueando uma sobrancelha. — O que você quer, Máximo? Uma explicação? — O que aconteceu com você? — cuspi, com mais dor do que raiva. — Por que está fazendo isso? Ela sorri. Mas não era um sorriso. Era um corte. Uma facada. — Engraçado… você achou que só você sofria, é? — Eu lutei. Eu tentei, Isabella. Você sabe que eu tentei. — Minha voz vacilou. — Eu fiz tudo que estava ao meu alcance. Ela riu. Uma risada amarga, descontrolada. — Ah, Máximo… você realmente acha que foi o único? — Seus olhos brilhavam, mas não era amor. Era ódio. — Acha mesmo que foi o único homem que me tocou? Senti o chão sumir sob meus pés. — Eu já sabia há anos que seria obrigada a casar com Alejandro. — Ela cuspiu o nome como se fosse veneno. — Eu só… brinquei de ser sua. Assim como você brincou de ser meu. Você acha que isso aqui… — apontou para nós dois — …era amor? Não, Máximo. Era só uma fase. Uma distração. Meus olhos arderam. Minha respiração travou. Ela se aproximou mais, tão perto que eu podia sentir seu perfume. — E sabe do que mais? — Seus lábios quase roçaram os meus, mas era como se me enforcasse. — Hoje você será noivo da sua bonequinha sérvia. E eu… — sorriu, selvagem — serei esposa do homem mais poderoso do cartel da América Latina. Seu aliado. Ela me olhou nos olhos, cruel, impiedosa. — E todas as noites, quando você deitar sua cabeça no travesseiro, vai saber… vai saber que quem estará dentro de mim não é você. É ele. Alejandro. Meu corpo inteiro estremeceu. Quis gritar, quebrar tudo, implodir aquele maldito salão. Mas não. Fiquei imóvel. Como se não fosse mais dono de mim. Ela riu. — É, Máximo… parece que, no fim das contas, você só foi um capítulo pequeno no meu livro. Me afastei, sem dizer uma palavra. Sem olhar pra trás. Atravessei o salão ignorando rostos, cumprimentos, olhares. Saí assim que o noivado foi oficializado. Sai sem me despedir. Sem prestar satisfações. O motor da Ferrari rugiu, e eu disparei pelas ruas de Palermo, cortando sinais, ignorando qualquer lei, qualquer senso de autopreservação. O destino? Minha segunda casa. A única capaz de silenciar o que queimava dentro de mim. A boate da máfia. Paolo e Luca estavam lá. Meus irmãos de alma. Meus parceiros. Assim que me viram, entenderam sem que eu precisasse dizer uma única palavra. Paolo, que um dia seria meu consigliere, apenas levantou o copo e disse: — Hoje a gente afoga esse inferno, Don. E, pela primeira vez na vida, aceitei ser chamado assim. Não porque me orgulhava. Mas porque, a partir de hoje, meu coração estava morto.