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🌕 Capítulo 4 — As Primeiras Ameaças

A lua cheia se erguia majestosa sobre a floresta de Drakemont, derramando um manto prateado sobre as copas das árvores e refletindo suavemente nos telhados da cidade adormecida. O vento noturno trazia consigo o perfume úmido da terra e da vegetação, misturado ao aroma distante de lenha queimada, típico das lareiras da região. Cada sombra parecia viva, os galhos dançavam silenciosamente, e até os grilos e corujas pareciam em sintonia com uma presença invisível, algo que observava com paciência e espera.

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No quarto de Marina, a cena era de uma quietude frágil, quase irreal. Ela estava sentada na cama, um dos livros antigos da livraria de Isla aberto sobre o colo, mas os olhos percorriam as páginas sem realmente absorver o conteúdo. O aroma do papel envelhecido misturava-se com o cheiro de lençóis limpos e recém-lavados. Suas mãos, delicadas e levemente trêmulas, deslizavam sobre a superfície do livro, mas a mente estava longe. Desde o confronto com Lysandra, a paz de Marina — sempre instável e cheia de pequenos medos — fora completamente despedaçada.

Seu peito pesava com um misto de medo e confusão. A lembrança dos olhos dourados de Kieran surgia a cada instante, e, com ela, uma sensação estranha: calor, necessidade e algo que ela não ousava nomear. A mistura de fascínio e terror confundia sua mente.

“Não é normal. Ele não é normal. E eu também não sou mais.”

Marina suspirou, tentando afastar a sensação crescente de vulnerabilidade. A porta rangia suavemente com o vento, e o quarto, iluminado apenas pelo luar filtrado através da janela, parecia se estreitar ao seu redor. Ela ergueu a cabeça, tentando ouvir cada som da casa silenciosa. Foi então que ouviu: vidro estalando.

O coração saltou. Ela se moveu em direção à janela, olhando para o pátio escuro. Por um breve instante, pensou ter visto um vulto se mover entre as sombras. Mas era apenas a cortina que balançava suavemente. Ainda assim, um cheiro diferente, quente e animal, invadiu suas narinas. Seu corpo gelou. O instinto gritava que algo estava errado, que alguém ou algo tinha cruzado a linha invisível que protegia sua vida.

Antes que pudesse reagir, a porta do quarto explodiu em pedaços. Estilhaços de madeira voaram, espalhando-se pelo chão. Marina gritou, tentando recuar, mas uma presença enorme a envolveu. Uma loba, mas não uma loba comum. Metade humana, metade animal, com garras afiadas e olhos amarelos brilhantes, avançava sobre ela. O rugido da criatura era visceral, carregado de ódio.

— Ele nunca vai ser seu! — a loba rosnou, dentes expostos. — Você é fraca! Uma vergonha! Vou acabar com você agora!

Marina tentou gritar, mas o medo paralisou sua voz. O impacto a empurrou contra a parede. Arranhões rasgaram a pele de seu ombro, a blusa ficou dilacerada, e a adrenalina tornou o mundo um borrão de sons e luzes. Seus pensamentos giravam — dor, terror, a sensação de que talvez fosse o fim.

E então, como uma tempestade que irrompe sobre águas tranquilas, Kieran entrou. A parede explodiu mais uma vez com sua chegada, como se fosse parte do próprio caos da noite. Ele atravessou o quarto em um instante, cada músculo tenso, os olhos dourados flamejando com uma fúria que parecia atravessar o próprio ar.

Num único movimento preciso, ele agarrou a loba e a lançou contra a parede oposta com força suficiente para quebrar tábuas e arranhar o chão. A criatura caiu no chão, humana novamente, nua e sangrando, com os olhos arregalados de dor e raiva — uma das devotas de Lysandra.

Kieran voltou-se para Marina, ajoelhando-se ao seu lado.

— Marina! Olhe pra mim! — Sua voz era firme, mas carregava uma suavidade que parecia envolver e proteger.

Ela tremia, os olhos arregalados, ainda incapaz de compreender o que acontecera.

— O que... o que era aquilo? — sussurrou, a voz falhando, o corpo ainda arrepiado.

— Um erro. Um crime. Mas você está segura agora. Comigo. — Ele a envolveu com os braços, o calor do corpo dele criando uma barreira invisível que afastava todo o perigo.

Marina, finalmente, se permitiu chorar. Não era um choro de medo, mas de alívio, de libertação. Sentiu cada músculo relaxar, como se pudesse largar o peso de meses — talvez anos — de dor.

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Horas depois, ela acordou na clareira sagrada da floresta. O sol ainda não havia despontado, mas o céu escuro era pontilhado por estrelas que refletiam sobre o orvalho das folhas. Marina estava deitada em uma tenda improvisada, coberta por uma manta quente, com Kieran ainda ao lado, os braços em torno dela em uma proteção silenciosa.

Ela o observou, tomando cada detalhe: o corpo musculoso ainda coberto de arranhões leves que começavam a cicatrizar, o cabelo desgrenhado, a barba por fazer, a presença indomável que ainda assim transmitia doçura. Ele parecia uma figura mítica, uma mistura de deus selvagem e guardião humano, capaz de proteger e acalmar com a mesma intensidade.

Quando Kieran abriu os olhos, o encontro do olhar foi intenso e silencioso. O tempo pareceu parar.

— Onde estamos? — perguntou Marina, a voz rouca, ainda marcada pelo medo e pelo sono interrompido.

— Em território neutro. — Kieran respondeu. — Lugar sagrado da alcateia. Ninguém pode te tocar aqui.

Ela se sentou, puxando a manta sobre os ombros. Ele estendeu a mão, mas não a tocou.

— Você salvou minha vida — disse Marina, baixando os olhos. — Eu devia agradecer... mas tudo isso ainda me assusta.

Kieran assentiu, compreendendo cada nuance de seu medo.

— Vou te contar tudo. — Sua voz era baixa, firme. — Sem meias palavras.

E ele contou.

Falou sobre os lobos, sobre a alcateia, sobre o imprinting. Sobre o momento em que seu lobo a reconheceu e a marcou, uma ligação tão antiga quanto o mundo, tão instintiva quanto o próprio ar. Contou sobre a necessidade, sobre o desejo, sobre a promessa silenciosa de proteção e presença.

— Não é um feitiço — disse ele. — Não é magia. É natureza. Selvagem. Primordial. Quando o lobo encontra sua outra metade, tudo muda. O mundo muda.

Marina engoliu em seco. O coração batia rápido, misto de medo, fascínio e confusão.

— E se eu não quiser isso? — perguntou, a voz baixa.

— Você pode recusar. — Kieran segurou o olhar dela, intenso e profundo. — Mas eu nunca poderei ter outra ligação. Estarei sempre incompleto mas não só eu... você também.

— Ha... eu não sou completa a muito tempo.— Seu tom era irônico e dolorido ao mesmo tempo.

— Para mim você é a criatura mais perfeita desse mundo.

Ela sentiu algo se partir dentro de si, uma barreira que julgava inquebrável se rachar em silêncio.

—Você fala como se eu fosse... perfeita. Mas eu estou em pedaços por dentro.— sussurrou.

Kieran segurando o olhar dela.

—Até os cacos brilham sob a luz da lua Marina. E o meu lobo... quer cada parte sua. Mesmo as quebradas.— Marina apenas permaneceu em silêncio, perdida em seus pensamentos.

Marina não demorou adormecer, estava exausta, dormia enrolada na manta, enquanto Kieran vigiava a entrada da tenda, em sua forma de lobo. A paz temporária pairava sobre eles.

Mas na distância, algo se movia. Olhos atentos brilhavam entre as árvores. Thorne, o lobo exilado, observava. As cicatrizes marcavam seu corpo, mas a vingança marcava sua alma.

— Ah, Kieran... — murmurou Thorne, a voz baixa e cruel. — Vai ser um prazer arrancar essa humana de você. E vê-lo cair...

A noite parecia mais densa, carregada de presságios. O vínculo recém-descoberto entre Marina e Kieran ainda era frágil, mas impossível de ignorar. E, enquanto a lua cheia iluminava a floresta, o futuro dos dois começava a se desenrolar, cheio de desafios, paixão e perigos que apenas começavam a se revelar.

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