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🌕 Capítulo 3 — O Julgamento da Alcateia

Drakemont não era uma cidade feita para forasteiros. Isso, Marina percebeu cedo demais.

Nos primeiros dias, os olhares eram apenas curiosos. As pessoas a observavam com aquele interesse natural de cidades pequenas, onde cada rosto novo era motivo de cochicho. Mas depois... os olhares mudaram.

O que antes era simples curiosidade, agora tinha peso. A senhora da padaria, que antes sorrira ao lhe vender pão fresco, agora lhe entregava o troco sem erguer os olhos. O mecânico que consertara seu carro de forma rápida e até prestativa, recusou-se a atendê-la novamente, inventando desculpas. Os sussurros nos corredores da pousada cresceram.

Era como se um segredo tivesse vazado — um segredo sobre ela.

Isla foi a única que permaneceu igual. A livraria era o único lugar onde Marina conseguia respirar.

Naquela manhã, o vento estava frio e os sinos da igreja soavam pesados, ecoando pelas ruas de pedra. Marina entrou na livraria respirando fundo, como quem buscava um porto seguro. O cheiro de papel velho e café aquecido a envolveu de imediato. Isla levantou os olhos do balcão, e o sorriso dela parecia um abraço.

— Você viu ele de novo, não é?

Marina congelou, sentindo o estômago despencar.

— Quem?

Isla fechou o livro que lia, com calma, como se a resposta fosse óbvia demais. Aproximou-se, baixando o tom de voz.

— Kieran. Você o viu. E não foi por acaso.

O coração de Marina acelerou. Os olhos dourados dele a invadiram como um flash. O que ela não sabia era que todos naquela pequena cidade sabiam sobre os lobos. Eles existem a mais tempo do que eles poderiam imagino, e a gerações convivem em harmonia.

— Você... sabe sobre ele?

— Todos que moram aqui a muito tempo sabem da existência deles querida!

— Eu... eu vi coisas. — A voz dela saiu trêmula. — Mas não quero saber. Não quero fazer parte disso.

Isla suspirou, quase com pena.

— Então é tarde demais, querida. Quando um lobo escolhe... não há volta. — Seu olhar suavizou, mas a verdade em suas palavras pesava. — E agora... todos sabem.

Marina engoliu seco, o peito apertado. Queria discutir, queria negar, mas a memória da voz dele dizendo “Você é minha companheira” latejou em sua mente como um eco inevitável.

No Círculo de Pedra

Enquanto isso, na floresta, Kieran enfrentava o Conselho.

O Círculo de Pedra era o coração da alcateia. Um espaço ancestral, marcado por rochas erguidas em tempos tão antigos que ninguém sabia ao certo quem as colocara ali. Alguns diziam que eram altares de deuses esquecidos, outros que eram túmulos de ancestrais lobos. Mas todos respeitavam o lugar.

Naquele círculo, sob a luz cinzenta do amanhecer, Kieran estava diante dos líderes.

Seu pai, Darian, o Alfa, observava-o como um general avalia um soldado prestes a falhar. Os outros membros mantinham-se em silêncio, mas seus olhares eram inquisitivos, duros.

— Então confirma? — Darian perguntou, a voz grave ecoando entre as pedras. — Sentiu o imprinting?

Kieran manteve o olhar firme.

— Sim. É ela. A humana.

Murmúrios espalharam-se como ondas entre os presentes. A palavra humana soava quase como uma blasfêmia ali.

Lysandra, de pé ao lado do pai, deu um passo à frente. Seus olhos ardiam com ódio.

— Isso é uma afronta às nossas tradições! — Ela cuspiu as palavras como veneno. — Nós, mulheres da alcateia, crescemos esperando esse dia. E ele se ajoelha por uma... uma humana inútil?

O corpo de Kieran se retesou. Ele avançou um passo, os olhos dourados faiscando.

— Cuidado, Lysandra.

Ela ergueu o queixo, enfrentando-o.

— Vai me bater? Vai ferir alguém da sua própria espécie por ela?

Antes que ele respondesse, Althaia, a anciã, ergueu a voz.

— Já chega! — Seu tom, embora não fosse alto, reverberou no ar, impondo silêncio. Os olhos dela, velhos como o tempo, fitavam os dois com frieza. — O vínculo é sagrado. A natureza escolheu. Mas cabe a ele decidir... se lutará por isso ou não.

Todos voltaram os olhos para Kieran.

Seu pai quebrou o silêncio, a dureza em sua voz cortando o ar.

— O que você pretende fazer?

Kieran não hesitou.

— Protegê-la. A qualquer custo.

As palavras caíram como uma sentença.

Lysandra cerrou os punhos, a raiva contorcendo seu belo rosto. E dentro dela, nascia não apenas ciúme, mas guerra.

À noite, na cidade...

Marina saía da livraria quando o vento mudou. As luzes da rua piscavam fracamente, como se a noite tivesse decidido engolir a cidade mais cedo.

Um arrepio percorreu sua espinha.

Ela apertou o casaco contra o corpo e apressou o passo, o som dos saltos ecoando sobre o paralelepípedo úmido. Quando virou a esquina, uma mulher alta bloqueou seu caminho.

Cabelos loiros em trança perfeita. Olhos claros como gelo. Um sorriso que mais parecia uma lâmina.

Lysandra.

— Então é você. — O tom era escárnio puro. — A humana que roubou o futuro Alfa da alcateia.

Marina parou. Cada instinto em seu corpo gritava perigo, mas ela não recuou.

— Eu não roubei nada. Eu não quero nada.

Lysandra deu um passo à frente, como uma loba cercando a presa.

— Ah, mas ele quer você. — Seu sorriso se alargou. — E isso já é demais.

Num movimento rápido, ela empurrou Marina contra a parede. A força foi tão brutal que o ar escapou dos pulmões da humana. Os olhos da loba brilharam, selvagens.

— Escute bem, ratinha. — O sussurro dela era veneno. — Fique longe dele. Ou o que o você sofreu até agora vai parecer brincadeira perto do que eu posso fazer.

O sangue gelou nas veias de Marina.

— Você...

Lysandra inclinou a cabeça, o olhar cruel.

— Nós ouvimos tudo. Sabemos tudo. Você acha que pode esconder cicatrizes num lugar como esse?

Antes que Marina pudesse reagir, uma sombra caiu sobre elas. Lysandra foi lançada para longe em segundos.

Um rosnado profundo, primal, preencheu o ar.

Kieran.

Ele estava ali, os olhos dourados flamejando. A fúria em seu rosto era selvagem, quase inumana.

— Se encostar nela de novo, Lysandra... — A voz dele era baixa, mas carregada de ameaça letal. — Eu juro que vai perder mais que seu orgulho.

Lysandra recuou um passo, mas não sem antes sorrir, provocativa.

— E se ela não for forte o suficiente para o que você é, Kieran? Vai arriscar tudo por uma mulher que mal consegue te olhar sem tremer?

Kieran não piscou.

— É por isso mesmo que eu arrisco. Porque ela ainda não fugiu.

O silêncio entre eles pesou como aço. Lysandra estreitou os olhos para Marina antes de se afastar, a raiva ainda queimando em cada passo.

— Isso ainda não acabou.

Kieran acompanhou Marina até a pousada. Os dois caminharam lado a lado, mas o silêncio entre eles era denso, cheio de coisas não ditas.

Na porta da entrada, ele parou.

— Me desculpe por isso.

Ela ergueu os olhos. Estavam marejados, mas firmes.

— Eu não sei o que está acontecendo. Não entendo o que sinto perto de você. Parte de mim quer correr. Parte de mim quer... — a voz falhou, quebrando — ...ficar. Mas eu não posso. Eu não consigo confiar. Em ninguém.

O coração de Kieran se apertou. Ele assentiu devagar.

— Então eu espero. O tempo que for. Porque meu lobo já te reconheceu. E eu... estou começando a reconhecer você também.

Ela fechou a porta com delicadeza, como se fosse frágil demais para suportar o peso daquela conversa.

Mas naquela noite, os sonhos dela foram diferentes.

Não havia medo. Havia calor. Um toque quente na pele. Mãos grandes percorrendo seu corpo. Um sussurro ofegante em seu ouvido.

E um nome, repetido com doçura:

“Marina...”

Longe dali, no coração escuro da floresta, Lysandra se ajoelhava diante de uma figura encapuzada. Seus olhos ardiam de ódio.

— Quero que tire ela do caminho.

A figura sorriu, os dentes afiados reluzindo à luz da lua.

— Vai lhe custar caro.

Lysandra não hesitou.

— Pago o preço.

E o exilado sorriu na escuridão.

Thorne havia retornado.

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