A mesa no jardim estava repleta de travessas coloridas e o aroma de comida caseira, mas para mim, o ambiente era denso com a presença de Marcos Vinicius, ou melhor, Mark, à cabeceira, conversando animadamente com Rayane e meus pais. Ele parecia perfeitamente à vontade, um cavalheiro charmoso e atencioso, totalmente alheio (ou assim parecia) ao caos interno que eu sentia.
Minhas tias, já recompostas do incidente do vinho, retomaram suas conversas sobre os sucessos dos filhos, intercalando com observações sobre o quão "sortuda" Rayane era por ter encontrado um homem tão "bem-apessoado e educado". Eu, no canto da mesa, tentava me camuflar entre um arranjo de flores e a garrafa de vinho, optando por um silêncio estratégico enquanto mastigava minha comida sem sabor.
— Então, Marcos, o que você faz? — meu pai, João, perguntou com um sorriso acolhedor.
Mark, com seu jeito descontraído, mas sempre polido, respondeu.
— Eu trabalho com engenharia, senhor João. — Mark, com seu jeito descontraído, mas sempre polido, respondeu. — Minha empresa atua em diversos projetos de infraestrutura aqui em São Paulo e no Rio.
Ele lançou um olhar rápido para mim, um olhar que eu senti, mas não consegui decifrar. Seria um desafio? Uma piada interna?
— Ah, engenharia! Que maravilha! — exclamou tia Adriana, como se engenharia fosse a única profissão digna de nota. — Meu Bruno também é da área de exatas, muito focado. Letícia, você se lembra do Bruno, não é? Ele acabou de virar sócio na advocacia.
Apenas murmurei um "sim" abafado, concentrada em cortar um pedaço de carne que parecia resistir mais do que o normal.
— E você, Letícia? — Rayane interveio, talvez percebendo meu desconforto. — O que tem feito de novo na agência? Alguma novidade no trabalho?
O olhar de todos se voltou para mim. Senti o rubor subir ao rosto. O trabalho. O cargo que eu não consegui. Jefferson. E Mark, ali, tão perto, que sabia de todo o meu plano, mas não do meu fracasso recente.
— Ah... uhm... O trabalho segue normal. — me engasguei, sentindo os olhos de Mark sobre mim. — Não... não tem muita novidade, não. — Tentei desviar o olhar, mas os olhos azuis dele pareciam me prender.
Foi então que tia Lígia, com um sorriso afetado, soltou:
— É, Letícia, parece que o azar insiste em te acompanhar, não é? Enquanto a Rayane acerta em cheio no amor e no trabalho, você... bem, continua na sua rotina. Mas não se preocupe, querida, a gente sempre torce para que um dia você encontre um caminho. E um namorado.
O comentário de Lígia me atingiu como um soco no estômago. O silêncio que se seguiu foi constrangedor, pesado. Rayane olhou para a tia com reprovação, e eu senti a fúria borbulhar, mas mantive a compostura.
— Eu estou muito feliz com o sucesso da Rayane em tudo o que ela faz, tia. Minha irmã merece toda a felicidade do mundo. — Disse, a voz controlada, quase um sussurro, enquanto forçava um sorriso para Rayane. — Com licença.
Me levantei rapidamente, quase derrubando a cadeira, e marchei para dentro da casa, deixando para trás a mesa, a família e, principalmente, os olhos azuis de Mark que, eu podia jurar, me seguiram até o momento em que a porta se fechou.
O som da porta do banheiro se fechando atrás de mim foi um alívio barulhento. Apoiei as costas contra a madeira fria, respirando fundo, tentando acalmar o turbilhão dentro do meu peito. A imagem do sorriso de Mark se repetia em minha mente, junto com o comentário da tia Lígia. "O azar insiste em te acompanhar." Aquelas palavras, ditas com ares de compaixão forçada, eram um veneno.
Minha visão embaçou e as lágrimas, que eu vinha segurando com todas as minhas forças desde o anúncio de Jefferson, e agora com a presença incômoda de Mark, finalmente escorreram. Eu não conseguia controlar. Não na frente deles. Não com ele ali.
A pia refletia meu rosto vermelho, os olhos inchados, e um desespero que parecia querer me engolir. Lágrimas silenciosas desciam, grossas e quentes. A umidade de meus cílios era a única coisa real naquele momento surreal. Eu estava com raiva. Raiva das tias, de Jefferson, de Serafine, do meu azar, e, principalmente, de mim mesma por ter sido tão ingênua e por ter caído tão baixo. Três mil reais. Um oral no beco. Para no fim, ele ser o noivo da minha irmã. Que roteiro patético a minha vida havia se tornado.
Senti um desejo incontrolável de socar o espelho, de gritar até a voz falhar. Mas tudo o que fiz foi me encolher no chão frio do banheiro, abraçando os joelhos. Por que tudo dava errado para mim? Eu só queria ser reconhecida, ter uma vida amorosa normal, um pouco de paz. Em vez disso, eu era a piada do escritório, a solteirona da família, e agora, a mulher que teve um encontro furtivo com o noivo da própria irmã.
Fechei os olhos com força, desejando que, ao abri-los, eu estivesse de volta ao meu apartamento, com meu japa e meu vibrador, longe de toda aquela farsa e humilhação. Mas o cheiro de lavanda do sabonete e o som abafado das risadas e conversas do lado de fora me puxavam de volta à dura realidade.
Eu não podia ficar ali para sempre, encolhida no chão. Com um esforço, me levantei, respirei fundo e encarei meu reflexo mais uma vez. Meus olhos ainda estavam vermelhos, mas eu não daria a eles o prazer de me ver desmoronar.
Abri a porta do banheiro com cautela, espiando para ver se a barra estava limpa. Ao invés de voltar para o palco de tortura que era aquela mesa no jardim, decidi por uma rota de fuga. Deslizei silenciosamente pelo corredor e comecei a subir as escadas, degrau por degrau, sem fazer barulho.
Ao entrar no quarto que eu dividi com Rayane por metade de nossas vidas, o tempo pareceu voltar alguns anos. O cheiro de guardado, misturado com um leve perfume floral que Rayane sempre usou, me abraçou. A cama beliche encostada na parede, onde eu costumava ler até altas horas, e a escrivaninha bagunçada, com velhos cadernos, porta-retratos empoeirados e a parede repleta de posteres da minha banda morta favorita.
— Letícia?