Os dias que antecederam o domingo, passaram em uma lentidão fora do normal. Como se não bastasse aguentar a cara debochada de Jefferson, mandando e desmandando em mim, ainda tinha que lidar com o fato da minha irmã mais nova ter um noivo e eu nem sou capaz de ter um gato para cuidar.
O almoço de domingo era torturante. Uma vez no mês, mamãe reunia toda a família que tinha em São Paulo, para um almoço completo no jardim da casa.
Eu amo a minha família, mas estar no meio deles, era agonizante.
— Bruninho acabou de ser sócio da firma mais importante de advocacia de São Paulo. — A tia Adriana tinha soberba na voz. A forma que ela girava o vinho na taça, conforme dava aquela notícia, me fez revirar os olhos sutilmente.
— A minha Carla vai se formar em alguns dias. Primeira da turma em Odontologia. A dona do consultório em que ela faz estágio, já prometeu o melhor salário dali.
Eu estava sentada na poltrona da mamãe, me entupindo de vinho e senti o olhar das duas em mim. Deixei de encarar o tutorial de lasanha que assistia e ergui meu olhar, olhando intercaladamente entre elas.
— E você, Letícia?
— O que tem eu? — eu decido me fazer de maluca. Não era uma hora da tarde e eu já queria mandar alguém se sentar no colo do capeta.
— Você trabalha com o que mesmo?
— Não é telemarketing? — Tia Ligia olha para sua irmã, com o semblante questionador.
— É Marketing.
— O que é? — as duas me olham.
— Eu trabalho com marketing. É quando…
— Ah, bobeira. — Adriana diz, revirando os olhos e voltando sua atenção para a irmã. — Bruno me contou uma vez, que é só ficar sentada na frente de um computador, fingindo que digita. Vê se pode? Pagam as pessoas apenas para isso.
— Na verdade…
— Lembra quando ela cismou em ser comissária de bordo? — Sou interrompida mais uma vez. Tia Lígia falava sobre mim, mas não comigo. Era como se eu nem estivesse ali. — Eu falei para o João, que gastar todo aquele dinheiro em curso, seria bobeira. Nunca pisou em um avião!
Inicialmente, eu tentei ignorar a conversa e continuar em meu estado de tranquilidade, mas as palavras que elas estavam trocando começaram a me intrigar. Eu senti uma mistura de emoções enquanto ouvia essa conversa. Por um lado, fiquei chateada por minhas tias estarem falando sobre mim de forma negativa. Mas por outro, eu estava tão acostumada a ser a ovelha negra da família, que aquilo nem me abalava mais.
Eu olhei na direção das duas e engoli em seco, a vontade de gritar um belíssimo VAI TOMAR NO CU! Ao contrário do que desejava, bebi todo o vinho que ainda restava na taça e me levantei, indo para a cozinha.
Sem deixar que mamãe ou qualquer outra pessoa notasse a minha presença, enchi a minha taça novamente e me preparei para voltar ao castigo que era estar na sala.
— CHEGUEEEEI!
Rayane gritou estridentemente, chamando a atenção de todas as pessoas que estavam na cozinha. Como já tinha alguns meses que eu fingia algum mal-estar para não aparecer nos almoços de domingo, eu não via a minha irmã mais nova há tempos.
— Que saudade de você, Let! — ela larga todas as bolsas que carregava e me abraça apertadamente. — Você está mais alta.
Reviro os olhos. Aquele era seu jeito mascarado de dizer que eu havia engordado.
— Impressão sua.
Deixo que ela se afaste, cumprimente nossa mãe e a única tia que eu amava: Tia Nina.
— Estou ansiosa para saber o motivo desse suspense todo.
— Ah… já saberão. LET! — Ela grita mais uma vez, me agarrando pelo pulso. — Você precisa conhecê-lo! Tenho certeza de que se darão muito bem.
Deixo que Rayane me conduza até seu príncipe encantado, ainda bebendo do meu precioso vinho.
— Let, esse é o Marcos Vinicius, mais conhecido como amor da minha vida.
Minha boca ainda estava repleta de vinho, quando eu o encarei. Na minha frente, sendo apresentado como amor da vida da minha irmã mais nova, estava o cara que chupou minha preciosa como se fosse uma manga, em um beco escuro.
O choque foi tão grande, que eu só tive tempo de virar para o lado e cuspir todo o vinho, em cima das minhas duas tias obsoletas.
— Você!?
Alheia ao escândalo que minhas tias faziam, eu me sentia congelada olhando para ele. Mark por outro lado, parecia não reconhecer ou não se importar comigo.
— Você deve ser a melhor irmã do mundo, de quem a Ray não para de falar. — disse ele, estendendo a mão. Sua voz, outrora rouca e cheia de sotaques, agora soava estranhamente formal. Não havia um pingo do Mark do beco ali. Nada do "amore mio", nada do "baby". Apenas Marcos Vinicius, o futuro marido da minha irmã. — Prazer.
As tias Adriana e Lígia começaram a esbravejar sobre o vinho e os vestidos manchados, mas eu não as ouvia. Minha mente girava. Seria possível? Ele não se lembrava de mim? Ou era um jogo? O que ele estava fazendo ali? E Rayane, minha irmã mais nova, tão alheia a tudo, sorrindo e apertando a mão dos dois.
Senti um nó na garganta. A atração persistente por aquele homem, agora era duplamente proibido. Eu não sabia o que era pior: ter gastado três mil reais com um acompanhante que virou meu cunhado, ou o fato de ele parecer não se lembrar da noite mais "satisfatória" que eu tivera em meses.
— Prazer. — consegui balbuciar, sem realmente apertar a mão dele, que permaneceu estendida por um segundo a mais do que o confortável. Meus olhos, no entanto, não se desviavam dos dele, buscando qualquer indício de reconhecimento, de um piscar de olho, de um sorriso cúmplice. Mas não havia nada. Apenas a cordialidade vazia de um completo estranho.
— Vem, que agora quero te apresentar para a mamãe. — Rayane disse, puxando Marcos na direção da cozinha.
Eu me afastei, cambaleando levemente, a taça de vinho vazia ainda em minhas mãos. Precisava de um tempo para processar aquilo. O chefe indesejado, o celular quebrado e agora, meu acompanhante de luxo, transformado em meu futuro cunhado. O domingo definitivamente havia piorado, de uma forma que nem em meus piores pesadelos eu poderia imaginar.