8

A voz de Rayane soou suavemente da porta. Minha irmã entrou, os olhos preocupados.

— Você está bem?

Rayane se aproximou, sentando-se ao meu lado na cama.

— Sim, claro. — murmuro, dando de ombros. — Nada diferente dos outros meses.

A ironia na minha voz era palpável, mas Rayane parecia não notar, ou preferiu ignorar.

— Eu sabia que você estava bem e só deveria estar querendo ficar sozinha. — ela diz e se levanta, indo mexer na velha escrivaninha. — Mas o Marcos...

— O que tem ele? — Leticia perguntou, rápido até demais.

— Ah! Ele achou que as tias pegaram pesado e disse que você deveria estar triste. — Rayane faz um movimento de desdém com a mão. — Ele não conhece a fortaleza que você é.

— Falando no Marcos... — comecei, tentando manter a voz neutra enquanto meu coração disparava. — Como vocês se conheceram?

Rayane virou-se para mim, com um sorriso bobo estampado no rosto, daqueles que só aparecem quando ela está completamente derretida por alguém.

— Foi em uma balada, há uns quatro meses. — Ela deu uma risadinha, como se lembrasse de algo engraçado. — Eu estava com umas amigas, meio bêbada, dançando que nem louca, e ele apareceu do nada. Sabe aquele cara que parece que saiu de um filme? Foi exatamente assim. Ele me puxou para dançar, e, sei lá, a gente simplesmente clicou.

Quatro meses. Meu estômago revirou. Isso significava que, enquanto ele estava me chamando de "amore mio" em um beco escuro, ele já estava com minha irmã.

— Quatro meses? — Minha voz saiu mais aguda do que eu gostaria. Pigarreei, tentando disfarçar. — Não acha que está meio... cedo para falar de casamento? O que você sabe dele?

Rayane riu, voltando a se sentar na cama, agora mais perto de mim. Ela pegou uma mecha do meu cabelo e começou a enrolar distraidamente nos dedos.

— Eu sei, parece loucura, né? Todo mundo fala isso. Mas, Let, quando você sabe, você sabe. É como se eu tivesse esperado a vida toda por ele. Ele é tão... perfeito. Atencioso, charmoso, e, meu Deus, aquele sotaque! — Ela suspirou, sonhadora, enquanto eu tentava não vomitar o vinho que ainda revirava no meu estômago. — E ele também está super animado com a ideia de se casar. Disse que quer construir uma vida comigo, sabe? Uma família.

Engoli em seco, sentindo um nó na garganta. Perfeito. Charmoso. Sotaque. Tudo isso eu conhecia muito bem, mas de uma forma que Rayane jamais poderia imaginar.

— É... — consegui dizer, forçando um sorriso. — Ele parece mesmo especial.

Antes que eu pudesse cavar mais fundo, a porta do quarto se abriu de repente, e lá estava Marcos, Mark ou seja lá quem ele fosse. 

— Amor, sua mãe está te chamando lá embaixo. — disse ele, a voz calma, mas com aquele sotaque carioca que ainda fazia meu corpo reagir, mesmo contra minha vontade.

— Ah, deve ser para ajudar com a sobremesa! — Ela olhou para Marcos, apontando o dedo de forma brincalhona. — Fica aqui, tá? Quero te mostrar uma coisa super legal quando voltar. Não sai daí!

Ela deu um beijo rápido na boca dele e saiu correndo, deixando a porta entreaberta. Eu e Marcos estávamos sozinhos, pela primeira vez desde aquele beco. Meu coração batia tão forte que eu tinha certeza de que ele podia ouvir.

— One Direction. — Marcos diz, olhando para a parede de posteres. — Eu fui ao show deles no Rio.

Fiquei paralisada por um segundo, surpresa com a casualidade com que ele puxou assunto.

— Sério? — respondi, minha voz saindo mais seca do que eu pretendia. Cruzei os braços, me encostando na parede oposta à escrivaninha onde ele estava. — Não te imaginava como fã de boybands.

Marcos riu, um som baixo e rouco que trouxe de volta memórias que eu preferia esquecer. Ele deu um passo para o lado, ainda olhando os pôsteres, mas percebi que seus olhos desviaram rapidamente para mim antes de voltarem à parede.

— Com dezesseis anos era muito legal. Mas legal mesmo, é como a vida nos prega peças. — Marcos olha para ela. — Não acha, amore mio?

Ele lembrava. Claro que lembrava. Ele estava jogando comigo, e eu não sabia se queria gritar ou correr. Ou as duas coisas.

— Não me chama assim. — Dei um passo à frente, apontando o dedo para ele. — O que você está fazendo, Marcos? Ou deveria dizer Mark? A Rayane sabe o que você faz para viver?

Marcos nem piscou. O sorriso torto permaneceu firme, como se eu não tivesse acabado de jogar uma bomba no colo dele. Ele se desencostou da escrivaninha, cruzou os braços e me encarou com uma calma que só me deixou mais furiosa.

— Rayane sabe o que precisa saber. — disse ele, a voz firme, o sotaque carioca carregado de uma confiança que beirava a insolência. — Eu sou engenheiro, Letícia. Um cara normal, apaixonado pela noiva. — Ele fez uma pausa, inclinando a cabeça levemente, o olhar fixo no meu. — Você acha que ela deveria saber de mais alguma coisa?

A pergunta pairou no ar como uma provocação velada. Ele não estava nem um pouco abalado, e isso me tirava do sério. Era como se ele tivesse o controle total da situação, enquanto eu me afogava em raiva, culpa e confusão. Meus punhos se fecharam.

— Você está mesmo falando sério? — retruquei. — Você sabe exatamente o que aconteceu entre nós, Marcos. Ou Mark. Ou seja lá quem você é. E agora está aqui, noivo da minha irmã, como se nada tivesse acontecido? Você não acha que ela merece saber que o cara que ela quer se casar é... é...

— É o quê? — Ele arqueou uma sobrancelha, o tom de voz quase divertido, mas com um toque de desafio. — Um cara que faz o que a cliente pede? Você pagou, Letícia. Eu entreguei. Foi um trabalho. Nada mais. — Ele deu um passo na minha direção, e eu recuei instintivamente, sentindo a parede do quarto me encurralando. — Ou você acha que tem algo mais para contar? Algo que valha a pena destruir a felicidade da sua irmã?

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