Já tinha mais de um ano que eu não voltava à casa dos meus pais. Desde aquele almoço pré-casamento falso, quando minha mãe deixou claro, que eu era a filha que sobrava.
Estou parada na frente da porta azul descascada, a mesma de sempre. A mão levantada, mas sem coragem de bater.
Porque eu sei que, assim que entrar, meu pai não vai estar sentado na poltrona de couro marrom, com o jornal aberto na página de esportes e o copo de café esfriando na mesinha. Ele não vai levantar a cabeça, sorrir aquele sorriso cansado e dizer “chegou, minha filha?”
Ele não vai estar.
E isso dói antes mesmo de eu girar a maçaneta.
Eu respiro fundo, aperto a pasta contra o peito e bato.
Rayane está ali, mais magra, o cabelo preso num coque bagunçado, olheiras fundas. Quando me vê, os olhos marejam na hora.
— Você veio. — sussurra, como se não acreditasse.
— Vim. — respondo, sem sorrir. — Isso precisa acabar.
Ela dá um passo de lado, abrindo passagem.
— Entra.
O cheiro é o mesmo: café passado, sabão