capítulo 4

Enquanto Ele Não Volta

[NARRADO POR BIANCA]

O sol ainda não havia nascido completamente quando eu acordei com aquele aperto sufocante no peito. Não era medo. Não era ansiedade. Era uma dor surda, silenciosa, que me avisava — como um sussurro do destino — que alguma coisa estava errada.

Era cedo demais, mas eu não conseguia ficar na cama. O silêncio da casa parecia diferente. Era espesso. Quase sólido. Um vazio gritante que me fazia andar em passos lentos, como se eu estivesse atravessando um sonho ruim.

Atravessei o corredor e abri a porta do quarto de Enzo devagar. Lá estava ele, dormindo do mesmo jeitinho de sempre, com o polegar perto da boca, as bochechas coradas e o peito subindo e descendo em paz. Me aproximei, passei a mão em seu cabelo, e beijei sua testa. Sorri. Mas foi um sorriso instável, frágil, o tipo de sorriso que dura menos que um segundo.

Voltei pro meu quarto e peguei o celular no criado-mudo. A tela iluminou o quarto escuro.

Nenhuma mensagem nova.

A última era de Gustavo, enviada logo antes do embarque:

"Já com saudade. Te amo. Dá um beijo no Enzo por mim."

Eu havia respondido:

"Também te amamos. Vai com Deus. Já já você tá de volta."

Mas agora… agora havia só silêncio. Nenhum “pousei”, nenhum emoji bobo, nenhuma chamada perdida. Nada.

Algo dentro de mim gritou.

Foi então que o telefone fixo tocou.

O som partiu o ar como um raio. Um toque. Dois. Três. Meu corpo foi sozinho até o aparelho.

— “Alô?”

— “É a senhora Bianca, esposa do senhor Gustavo Andrade?”

Meu coração disparou. O mundo pareceu ficar mudo.

— “Sim… sou eu. Por quê?”

— “Somos da companhia aérea. Precisamos informar que houve um acidente com o voo 374, com destino a São Paulo. Ainda estamos levantando informações, mas...”

Não ouvi mais nada depois disso.

O chão desapareceu. As pernas falharam. O telefone escorregou da minha mão, pendurando-se pelo fio como um enforcado. Sentei no chão com as mãos no rosto, o choro explodindo como se viesse das entranhas. Era uma dor que não cabia mais no corpo.

Caio apareceu na sala em segundos, descalço, ofegante, com o cabelo bagunçado e o rosto ainda marcado de sono.

— “Bianca! O que foi? O que aconteceu?!”

Tentei falar. Tentei encontrar palavras. Mas só consegui repetir, entre soluços:

— “O avião... Caio... o avião caiu... o Gustavo...”

Senti os braços dele me segurarem. Ele se ajoelhou diante de mim, firme por fora, mas com os olhos molhados por dentro. Tentava dizer coisas que me consolassem, mas não existiam palavras certas. Não naquele momento.

— “Eles vão encontrá-lo. Vai ver. Ele vai estar bem.” — ele disse, quase como uma oração. Como se, ao repetir aquilo, tornasse real.

Mas eu mal ouvia.

Minha mente estava presa em memórias soltas: o beijo no portão de embarque, o último olhar antes da porta do aeroporto fechar, a promessa dele sussurrada no meu ouvido...

"Volto em breve."

Caí de joelhos.

As mãos no peito. A boca seca. O coração em guerra.

E comecei a rezar.

Baixinho, sem voz, como quem pede por um milagre que já nasceu atrasado.

Caio me segurava pelos ombros, mas ele também estava desabando por dentro. Vi isso. Vi no modo como sua mandíbula se contraía, no modo como ele desviava os olhos para esconder as lágrimas que teimavam em surgir.

— “Vou ligar pro hospital. Ou pra companhia… alguém precisa saber mais.” — disse ele, levantando de um salto, mesmo sem saber o que fazer.

Assenti, muda. Enzo começou a chorar. Um chorinho curto, baixinho. Como se também sentisse. Como se também soubesse.

Quis ir até ele, mas o corpo não me obedecia. Estava paralisada. Como se meu sistema nervoso tivesse desligado. Caio foi. Pegou Enzo com um cuidado que me fez chorar ainda mais. Voltou pra sala com ele aninhado no colo, dormindo de novo, como se o mundo lá fora não estivesse desmoronando.

— “Ele precisa de você.” — disse ele, estendendo Enzo até mim.

Recebi meu filho nos braços e, no instante em que o abracei, senti uma faísca de vida. Ele encostou o rostinho no meu pescoço, com aquele calorzinho de quem só sabe amar, e isso me partiu ainda mais.

— “Ele tem que voltar, Caio… ele prometeu...” — sussurrei, com a voz falhando.

— “Ele vai. Eu sei que vai.”

Mas ele não sabia. Ninguém sabia. Nem Deus me respondia.

E então...

O telefone tocou de novo.

Olhei pra ele. O som cortou o ar como faca. A tensão ficou tão densa que eu podia ouvir meu próprio coração batendo nos ouvidos.

Caio caminhou até o aparelho, com as mãos tremendo. Atendeu.

— “Alô?”

Pausou.

— “Sim, sou eu.”

Vi os olhos dele se arregalarem.

— “Ele está vivo?”

Minha alma congelou.

Do outro lado da linha, uma voz respondeu. Eu não ouvi as palavras. Só vi o corpo de Caio reagir. A respiração dele travar. O rosto mudar.

— “Entendo. Obrigado por avisar.”

Ele desligou o telefone com a mão fria.

Virou-se pra mim devagar. E naquele instante... algo dentro dele quebrou.

— “Era o hospital.”

Minha respiração parou.

— “Bianca... eu sinto muito. O Gustavo... ele não resistiu.”

A sala inteira girou. O ar sumiu. A dor invadiu com tanta força que nem o choro conseguiu sair. Eu apenas... desabei.

Me joguei no chão, agarrada ao meu filho, gritando sem som. Gritando só por dentro. E Caio... Caio me envolveu com os braços. Me acolheu. Me segurou como se quisesse me impedir de despedaçar de vez.

— “Eu tô aqui. Eu vou cuidar de vocês dois. Sempre.”

Mas eu nem ouvi.

Eu só chorava.

Chorava tudo.

Meu marido. Meu amor. O pai do meu filho. A vida que tínhamos.

E ali, de joelhos, com meu mundo destruído, eu acreditei na dor que me deram.

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