Julia ainda sofre pelo noivo que morreu tragicamente há cinco anos. No entanto, sua vida muda ao encontrar Matheus, um homem misterioso, que faz seu coração voltar a bater. No primeiro dia em seu novo trabalho, descobre que Matheus é o CEO da empresa. Com um comportamento frio e distante, diferente do dia que se conheceram, acha que a conexão que sentiu não passou de um delírio. Mas, a medida que o tempo passa, fica impossível ignorar o sentimento que se forma ao redor dos dois. Julia então, começa a considerar que talvez seja a hora de finalmente seguir em frente.
Ler maisOuvia a música vibrar pelas paredes, as penetrando dramaticamente, como se o som e o ambiente fossem um só. Sacudindo o ar e ocultando sussurros secretos dos presentes. As luzes piscavam, e as cores neon implodiram em erupções luminosas, ora quente, ora frias, enfeitando a pele das pessoas que dançavam ao meu redor. Tão contentes, tão alheios. Construindo sozinhos sua própria serenata particular de felicidade, loucura, empolgação e desejo, como se estivessem dispostos a me causar certo grau de inveja.
Eu não queria estar ali.
No entanto, minha melhor amiga – Sofia —, sempre foi muito boa com oratória. Filha de advogados e campeã municipal de redação, claro que falava mais que uma matraca e o suficiente para me meter nisso. Eu, que estava desempregada e deprimida, e passara as últimas semanas enviando e-mails e andando pela cidade em entrevistas medonhas, com pessoas terríveis que nem olhavam na minha cara.
"Vamos lá, Julia! Não é crime nenhum, você precisa respirar."
Foi o que ela disse por último, e percebi pelo seu tom que era mesmo pro meu bem, eu precisava me distrair, ou ficaria maluca muito em breve. Foi então que coloquei um vestido esquecido no fundo do armário, com um decote profundo e muito brilho, e agora estava ali naquele bar, bebendo para distrair minha cabeça um pouco.
Mas, já estava ficando ansiosa, porque sentia olhos pesados em cima de mim. Ajeitei meu decote, desconfortável, querendo me encolher e esconder como um caracol.
Havia um homem do outro lado do bar, me olhando por intervalos, como se tentasse disfarçar. Mas estava falhando miseravelmente.
Tinha cabelos dourados, num corte moderno, fios não muito curtos que marcavam seu queixo. Usava uma camisa branca desabotoada, deixando à mostra parte do seu peitoral liso. A camisa estava amassada e dobrada na altura dos cotovelos, e um pingente prateado brilhava na altura do primeiro botão preso. Sua aura era poderosa e irresistível, quase me fez sentir culpada, nua. Não me sentia assim pela sua beleza, que era óbvia, mas sim pela forma como seus olhos perscrutavam ao redor, curiosos, ansiosos. Me analisava com um cuidado e crueza preocupante, como se conseguisse ver algo meu que ninguém mais via, como se tivéssemos ambos um fio extenso e embolado nos ligando, e só agora viemos a nos conectar.
Não gostava disso, não gostava do fato deste seu maldito fio estar conectado a mim.
Desviei o olhar, sentindo certo grau de taquicardia. Eu não estava pronta, não estava ali para isso, só queria me divertir com minhas amigas e evitar os homens o máximo que pudesse.
— Ju, aquele cara tá te olhando há um tempão — Sofia esbarrou no meu braço discretamente, me contando algo que já havia percebido. — Por que não vai falar com ele?
— Não, Sofia, eu tenho que ir pra casa, não estou aqui pra isso — a repreendi e Sofia fez uma careta, ela odiava esse tipo de discussão comigo.
Me virei para pegar minha bolsa, mas os olhos de minha amiga se arregalaram, e a mulher colocou o cabelo preto atrás da orelha enquanto encarava algo às minhas costas. Senti um arrepio, ao mesmo tempo que a temperatura mudou, e algumas luzes foram ocultas por uma sombra que escureceu minhas mãos estendidas.
— Boa noite, meninas, espero que não se importem com minha indelicadeza — uma voz profunda soou, e girei na banqueta.
Ao erguer os olhos, lá estava ele. Era ainda mais impressionante de perto, como a gravura de um anjo ou de um príncipe perdido dos contos de fada. Seu perfume, apesar de amadeirado, tinha notas suaves que denunciavam seu bom gosto. Meu cérebro queria se afastar, mas não consegui, estava sem fôlego.
— Boa noite — não quis parecer grosseira, então o respondi e, por incrível que pareça, minha voz pareceu firme.
— Eu sou Matheus, posso saber seus nomes? — ele fez sinal para o barman, e o rapaz colocou três copos chiques na nossa frente, com alguma bebida que com certeza nunca provei.
— Prazer, eu sou a Sofia — minha amiga respondeu, e os dois apertaram as mãos, um gesto amistoso e estranhamente distante.
Não compreendi, já que normalmente era ela quem sempre chamava mais a atenção, desde a escola. Ele com toda certeza perceberia logo o quanto ela estava disposta a sair dali com ele, e o quanto eu era sem graça e não tinha o menor interesse.
— Julia — respondi, e ele apertou minha mão.
Seu toque fez meu braço arder como se tivesse pegado fogo, e tudo estremeceu dentro de mim, enquanto por fora tentava me manter impassível.
— Muito prazer, meninas — tomou um gole de sua bebida, se sentando na banqueta ao meu lado. Apoiava um pé no chão e o outro no apoio do banco, estava voltado em minha direção. — Mas por que, apesar de linda, você parece tão entediada em uma noite divertida dessas? Posso saber, Julia?
Pega desprevenida, acabei rindo, e me senti idiota porque não queria que o rapaz sentisse que o estava dando algum tipo de abertura. Não ria assim faz tempo, mas sua simpatia me cativou, e até me senti grata por isso.
Realmente, não andava muito fácil me divertir.
— Bem, é que fui arrastada para um lugar em que não queria estar — dei de ombros, provando finalmente a bebida.
Neste momento, o celular de Sofia apitou, e fiquei alarmada.
— Foi mal, gente, vou precisar ir — minha amiga informou, ficando de pé na mesma hora.
— O que aconteceu? Eu vou com você! — Me prontifiquei, mas ela não respondeu, se abaixando para me dar um abraço.
— Nada grave, se diverte aí com o bonitão, para de se culpar — sussurrou no meu ouvido. — Muito prazer Matheus, tenha uma boa noite!
— Foi um prazer, espero que a gente se veja de novo.
Os dois acenaram um para o outro, e meu coração acelerou ao ver as costas de minha amiga se afastando na multidão.
— Estou feliz que tenha vindo, Julia, espero que possa te ajudar a ficar menos entediada, pelo menos esta noite — Matheus se inclinou mais em minha direção, passando o braço ao meu redor, e me senti uma idiota quando percebi que era só pra pegar o copo intocado do outro lado.
Tinha um alerta piscando, me dizendo para ir na direção oposta. Mas meus pés estavam incapacitados, não conseguia correr, estavam presos no chão. Matheus era magnético, e eu estava odiando cada vez mais aquelas borboletas no estômago.
— Então, Matheus — decidi tentar conversar, tentando fazer parecer que tudo isso não significava nada de mais. — O que um cara como você faz aqui sozinho?
Ele sorriu, e seu sorriso me chacoalhou ainda mais, vibrei junto com o som do gelo quando Matheus girou os cubos dentro do copo.
— Caras como eu também se esgotam às vezes.
— Caras como você? — Curiosa, a taça em minhas mãos, sem conseguir disfarçar o interesse desta vez.
— Um cara que passa muito tempo tomando decisões, e que não queria pensar em nada essa noite. Além disso, precisava muito de alguém pra conversar, e melhor ainda sendo uma mulher linda como você.
Seu tom era um tanto melancólico, por mais que tivesse tentado parecer divertido no final. Senti o peso oculto em suas palavras, uma discreta insatisfação. Mas, por mais que ele estivesse passando por qualquer coisa, eu não estava disposta a descobrir, só queria me distrair e passar o tempo, nem devia estar conversando com um homem.
Tentei focar em me lembrar disso.
Os anos passaram quase sem que eu percebesse. Aurora cresceu rápido, com aquela energia de menina que não para quieta, o sorriso fácil e os olhos curiosos que refletem o mundo com uma inocência que me encanta todos os dias.Hoje, ela está sentada no chão da sala, espalhando lápis de cor, folhas e seus desenhos por todo o tapete macio. Entre rabiscos de flores, árvores e bonequinhos de palito, vejo que já começou a desenhar pessoas — duas delas de mãos dadas, com sorrisos largos.Matheus está no sofá, me observando enquanto tomo um café. O jeito como ele me olha tem aquele brilho tranquilo, aquela paz que a gente só encontra quando enfrenta as tempestades juntos e sai mais forte do outro lado.— Mamãe, vem ver! — Aurora chama, estendendo um papel todo colorido, os traços ainda infantis, mas cheios de sentimento.Eu me ajoelho perto dela, pego o desenho e observo atentamente. “Olha só, amor, que lindo!” — digo, emocionada — “Quem são essas duas pessoas aqui?”— Vocês! E eu! — responde el
Aurora segurava firme meu dedo com os dedinhos gordinhos enquanto Matheus tentava ajeitar o laço minúsculo no cabelo dela. Ela já tinha quase seis meses, e cada vez que me olhava com aqueles olhos curiosos, parecia impossível lembrar da vida antes dela.Mas naquele dia, não era só ela que me dava frio na barriga.Eu observava meu reflexo no espelho pela terceira vez. O vestido azul claro me caía bem, e o batom discreto realçava os olhos — mas meu coração ainda batia como se eu fosse fugir de um palco. Era o lançamento do meu livro.Meu livro. Era real. Eu tinha recebido as primeiras cópias há alguns dias, e chorei segurando a capa pela primeira vez. A sensação de ver o meu nome ali, como autora, era algo que ainda parecia maior do que eu podia explicar. Agora, as pessoas iriam me ver. Me ouvir. Ler as minhas palavras.E isso era lindo… e assustador.— Você está maravilhosa — Matheus disse, chegando por trás de mim e me abraçando, com Aurora no colo. — Mas se quiser fugir agora, promet
O sol da manhã entrava pelas cortinas brancas do nosso quarto, filtrando a luz em tons dourados sobre a pele de Matheus e Aurora, dormindo lado a lado na cama. Ele tinha o braço estendido, protetor, como se mesmo adormecido não pudesse evitar o instinto de cuidar.Fiquei ali por alguns minutos, apenas observando. Tão simples, tão bonito. Pela primeira vez em meses, eu conseguia respirar fundo sem sentir culpa ou medo grudado no peito. Tudo estava... calmo.Quando ele acordou, virou-se devagar e sorriu com os olhos ainda meio fechados.— Ela acordou alguma vez durante a madrugada? — perguntou com a voz rouca.— Uma vez só. Mas você nem se mexeu, estava exausto.Ele riu, arrastando a mão pelos cabelos bagunçados.— Eu sonhei que a gente estava em uma livraria... e havia um livro seu lá. Na vitrine.— Quem sabe não é um sonho premonitório? — brinquei.Ele me olhou com aquele brilho de quem estava guardando um segredo bom, e se levantou, pegando o celular.— Na verdade… talvez seja.— Com
Os primeiros dias em casa com Aurora foram uma mistura de doçura e exaustão.O silêncio que outrora preenchia cada canto da casa agora dava lugar a chorinhos súbitos, respirações pequenas e um caos suave que vinha em ondas. Eu não sabia que era possível amar alguém tanto e, ao mesmo tempo, se sentir tão esgotada.Aurora dormia em intervalos curtos. Às vezes, por trinta minutos. Às vezes, por duas horas — um luxo. Eu ainda me recuperava das dores do parto, com os seios doloridos e um cansaço profundo nos ossos. Mas não reclamava. Porque quando ela olhava pra mim — mesmo que sem ver — era como se tudo fizesse sentido.Na primeira noite em casa, Aurora chorou por quase duas horas. Eu já estava em prantos quando Matheus veio até mim no quarto, com o cabelo todo bagunçado, vestindo uma camiseta com manchas de leite, um olhar exausto… e um sorriso.— Eu pego ela um pouco. Vai tomar um banho, Ju. Só dez minutinhos. Você precisa.— Mas ela só se acalma comigo…— A gente vai se acertar. Eu pro
A dor vinha em ondas.Não era só física — era ancestral. Como se meu corpo inteiro soubesse, mesmo antes de mim, que algo estava prestes a nascer e morrer ao mesmo tempo. Algo estava prestes a se transformar.A bolsa tinha estourado poucas horas antes, no mesmo instante em que eu mostrei a Matheus as últimas páginas do meu livro. Ele ainda segurava o manuscrito quando eu gritei, surpresa e trêmula, com a água escorrendo por entre as pernas.— Amor… — foi tudo o que consegui dizer. E ele já estava lá, como sempre. Rápido, presente, desesperado e doce.Agora, deitada na maca, com os lençóis grudando na pele suada e as contrações rasgando meu ventre em intervalos cada vez menores, eu só conseguia pensar: vai acabar logo? Vai doer mais? E se eu não conseguir?Mas toda vez que eu pensava em desistir, sentia os dedos de Matheus entrelaçados aos meus. Firmes. Quentes. Uma âncora.— Respira comigo, amor. Um de cada vez. Isso. Eu tô aqui. Só foca em mim.Tentei me concentrar na voz dele, no ca
Os meses passaram como folhas ao vento. Às vezes rápidos demais, às vezes arrastados, pesados como o peso do próprio corpo que agora me lembrava, a cada movimento, que havia outra vida crescendo ali.Eu estava na escrivaninha, revisando um trecho do que esperava que fosse o penúltimo capítulo do meu livro. As costas doíam, e eu usava uma daquelas almofadas ortopédicas que Matheus comprou escondido, fingindo que era um “presente estiloso”. Ele achava que eu não percebia o quanto se preocupava — mas eu sabia. E era isso que me mantinha firme. A forma como ele me apoiava em tudo. Em absolutamente tudo.— “Ela caminhou até a borda do lago, onde costumava jogar as cartas antigas...” — li em voz alta, rabiscando algo na margem da página. — Hum... não sei se gosto disso.— Do quê? — Matheus apareceu na porta com duas xícaras. Chá pra mim, café pra ele. Aquelas pequenas rotinas que nos sustentavam.— Dela voltar ao lago. Fico em dúvida se ela já não superou esse lugar.Ele colocou a xícara ao
Último capítulo