Confusões e Felinos

Parte 7...

Rafael

A semana passou mais silenciosa do que eu esperava.

Camila não apareceu mais no hospital. Nenhuma nova sessão de fisioterapia. Nenhuma mensagem. Nenhum café às pressas na lanchonete do térreo. A ausência dela foi mais barulhenta do que qualquer discussão que poderíamos ter tido.

Tentei me convencer de que era natural. A reabilitação dela já estava quase no fim mesmo. Talvez aquele tempo juntos tenha sido só isso. Um tempo. Circunstancial. Conveniente.

Mas, ainda assim… Senti falta.

Falta do jeito como ela me olhava, fingindo que não me olhava. Do sarcasmo disfarçado de defesa. Do jeito como gemia baixinho, com os lábios contra o meu ombro, tentando não fazer barulho. Como se estivesse tentando se proteger até na hora do prazer.

Fiquei remoendo tudo isso enquanto empurrava um carrinho de compras por um supermercado de bairro, o único lugar aberto depois do meu plantão dobrado.

Olheiras, jaleco meio jogado sobre a roupa casual, cabelo bagunçado… Eu parecia mais um figurante de filme pós-apocalíptico do que um médico.

Foi quando ouvi a voz.

— Eu disse sem lactose, moço. Essa tem!

Era ela. Discutindo com o atendente dos laticínios. E linda, com a cara emburrada de quem está sem paciência. Camila.

Parei o carrinho no corredor e fiquei ali, observando por alguns segundos como um idiota. Ela não me viu de imediato, mas quando virou com o iogurte errado na mão, nossos olhos se cruzaram.

O silêncio entre nós pareceu preencher o corredor inteiro.

Ela deu um meio sorriso. Daqueles que não chegam nos olhos.

— Doutor Rafael - disse, em tom formal. Quase frio.

— Camila - respondi, forçando um sorriso de volta. — Achei que tinha se mudado de cidade. Você nunca mais entrou em contato.

— Achei que você soubesse que minha reabilitação acabou. E você poderia ter feito isso.

O recado estava dado.

Tentei quebrar o clima.

— Então agora está brigando com o moço do iogurte? Isso é o novo hobby?

Ela arqueou a sobrancelha, debochada.

— Só tentando manter o nível de tensão que você me acostumou.

Toquei o queixo, fingindo refletir.

— Eu devia me sentir ofendido?

Ela virou o carrinho dela para ir embora. E aí escapou. Um comentário baixo, mas audível:

— Você nem se deu ao trabalho de perguntar se eu estava bem…

Aquilo me acertou mais do que devia.

— E você também não procurou saber se o que a gente teve ali… - parei, escolhendo as palavras com cuidado — Tinha terminado mesmo. Ou por acaso isso não importa? Já passou o fogo?

Camila parou, mas não se virou. Ficamos alguns segundos assim, presos num silêncio denso, até que ela disse:

— Você quer discutir isso aqui? Entre iogurtes e alfaces?

— Não. Mas também não quero ir embora com essa coisa entalada no meio da garganta. Já que a gente se encontrou de novo...

Ela respirou fundo. E então fez algo inesperado.

— Meu apartamento é aqui perto. Se quiser discutir isso com uma cerveja na mão, talvez o clima fique menos hostil.

Assenti, sem pensar duas vezes.

**********

O apartamento dela era aconchegante, com cheiro de lavanda e um leve toque de caos organizado. Livros espalhados, uma manta jogada no sofá, uma xícara esquecida na mesa.

Tudo muito ela.

E o gato.

— Esse é o Nietzsche - ela disse, ao ver minha surpresa. — O responsável pelos arranhões.

O gato me encarava do topo do armário, como um juiz.

— Filosófico - comentei. — Ele vai com a minha cara?

— Provavelmente não. Ele detesta figuras estranhas.

— Ótimo. Já começamos bem. – dei uma risadinha — Não sabia que era estranho.

Ela riu. E eu gostei de ouvir aquilo de novo.

Camila pegou duas cervejas na geladeira e jogou uma pra mim. Sentou-se no sofá, com as pernas cruzadas, a blusa meio solta no ombro, o cabelo preso num coque malfeito.

Bonita de um jeito desconcertante.

— Sabe, Rafael... Eu achei que aquilo tudo entre a gente era coisa do momento. Você, o médico. Eu, a paciente. Era meio proibido, meio impulsivo. Achei que, quando acabasse, você seguiria a vida.

— E você não?

— Eu também. Mas aí você sumiu. Achei que era isso. Que tinha sido só um caso no hospital. Conveniente, como você mesmo diria.

Dei um gole na cerveja. Olhei para ela com mais calma.

— Eu não sumi. Fiquei esperando que você aparecesse.

Ela me olhou, surpresa. O gato pulou do armário para o chão, assustando os dois.

— Não sou bom em despedidas, Camila. Mas também não sou bom em deixar as coisas pela metade.

Ela deslizou os dedos pela garrafa, pensativa. Depois, falou mais baixo:

— Eu não queria que aquilo terminasse.

Levantei do sofá devagar, caminhando até onde ela estava. Me abaixei à frente dela, pegando a garrafa da mão dela e colocando sobre a mesa. Nossos rostos estavam perto o suficiente pra sentir a respiração quente do outro.

— Então por que não recomeça?

O beijo veio como um estalo. Não houve mais conversa, nem hesitação. Só a urgência crua de quem passou dias pensando no outro em silêncio.

Camila me puxou com força, as pernas se entrelaçando na minha cintura enquanto eu a levantava do sofá.

— Pra que lado?

— Vira à esquerda – segurou meu rosto entre as mãos — Segunda porta – me beijou.

Levei-a até o quarto dela, tropeçando em um livro do gato no caminho. A risada escapou no meio do beijo. E logo depois, o gemido.

As mãos dela passeavam pelas minhas costas, arranhando de leve. A minha boca explorava o pescoço, a clavícula, o decote que implorava para ser violado.

Tirei a blusa dela com um puxão lento, os olhos presos aos dela, buscando permissão.

Ela respondeu erguendo os braços e puxando minha camiseta por cima da cabeça.

A temperatura subiu. Os corpos se encaixaram sem pressa, mas com aquela tensão acumulada de quem esperou mais do que deveria.

Ela me puxava pelos cabelos, me beijava com fome. E quando deslizei a mão por dentro da calcinha, encontrou umidade e rendição.

— Rafael... - sussurrou, a voz falhando.

A deusa debochada agora estava vulnerável. E ainda assim, no controle.

A leveza do momento contrastava com a intensidade do desejo. Ela riu de novo quando o gato miou atrás da porta. Mas não parou.

Me montou com ousadia, os movimentos firmes, os olhos cravados nos meus. Um ritmo que era dela. Uma dança particular.

Quando tudo terminou, ficamos em silêncio, respirando juntos.

Ela encostou o queixo no meu peito, os dedos desenhando círculos distraídos na minha pele.

— Não era só no hospital, Rafael.

— Eu sei.

Nietzsche pulou na cama, como se fosse dono do lugar. Camila riu.

— Se ele gostou de você, talvez você tenha uma chance.

— Uma chance já me parece o suficiente.

— Viu como você é estranho?

— Não sou eu quem tem um gato com nome de político.

— Era um filósofo, seu tonto – me deu um tapa.

— Eu sei, estava brincando com você – ri e a puxei para outro beijo.

E dessa vez, não havia silêncio entre nós. Começamos tudo de novo.

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