Parte 8...
Rafael
Fazia quase um mês que Camila havia parado com as sessões de fisioterapia. O pé já estava bem, ela não precisava mais ir ao hospital, o que teoricamente, significava que nós não tínhamos mais desculpas.
Mas acabamos descobrindo outras formas de inventar encontros. Algumas delas, completamente inesperadas.
Como no cinema.
Foi ela quem sugeriu. Um filme francês que eu duvido que ela tenha assistido um minuto inteiro.
Assim que as luzes se apagaram, a mão dela encontrou a minha. Depois, subiu para o meu braço. Ela apoiou a cabeça no meu ombro. O perfume dela me distraía mais que qualquer legenda.
No meio da projeção, ela deslizou a perna sobre a minha. E antes que eu pudesse pensar se era prudente ou não, ela já estava virada de lado, sussurrando no meu ouvido:
— Você sabia que tem gente que fantasia com cinema vazio?
— Você é uma dessas?
Ela sorriu, e eu juro que aquele sorriso me fez esquecer do resto do mundo.
— Talvez.
E então, se aproximou devagar, beijando meu pescoço com uma ousadia disfarçada de carinho.
Ficamos assim por um tempo, até que sua mão se aventurou para dentro da minha camisa. Eu não a impedi. Pelo contrário. O escuro do cinema parecia cúmplice.
Ela montou discretamente no meu colo, o casaco tampando tudo. Aí sim eu entendi porque ela tinha escolhido aquele lugar para sentar.
A respiração dela no meu ouvido, os movimentos lentos, discretos, e o perigo de alguém nos ver. Era como se o desejo dela abrisse janelas dentro de mim que eu nem sabia que existiam.
Eu sempre fui ousado, mas Camila me superava e muito.
Ela não chegou a ir até o fim ali, claro. Mas deixou claro que podia, se quisesse. E isso me deixou em alerta o resto da noite.
No dia seguinte, ela me fez prometer que eu a levaria num lava-rápido. Riu da minha expressão, como se isso fosse absolutamente normal.
— Lava-rápido? - perguntei, franzindo o cenho.
— É. Um dos automáticos. Eu adoro. Parece que o carro tá num universo paralelo. Dá pra esquecer do mundo lá dentro.
O universo paralelo que ela imaginava tinha claramente outros planos.
Assim que entramos na esteira, ela tirou o cinto e deslizou a mão até minha perna. Eu ainda tentava prestar atenção nos rolos de espuma quando ela subiu no meu colo de novo, rindo.
— Você gosta de lavar o carro, doutor?
— Estou começando a achar interessante...
O barulho da água batendo nos vidros, os rolos girando, os jatos ensaboando o carro. Ela usava uma saia naquele dia, o que facilitou as coisas.
Seus movimentos eram lentos, provocantes, o quadril dela dançando em mim como se estivesse no palco de um teatro. As mãos nos nossos corpos, as bocas coladas, e o som abafado dos nossos gemidos misturados ao barulho de sabão e água.
Acho que nunca mais verei lava-rápidos da mesma forma.
**********
No apartamento dela, era diferente. Havia silêncio. Havia tempo. E um gato.
Nietzsche era o nome da criatura. Um siamês desconfiado que me observava de longe, como se julgasse cada movimento meu.
— Ele gosta de você - ela disse, rindo, enquanto preparava um café. — Se não gostasse, já teria te atacado.
— Então estou oficialmente aprovado?
— Parcialmente. Ele leva um tempo para avaliar a pessoa.
— Ah! E você?
— Eu sou péssima – riu e me beijou.
Tínhamos acabado de sair do banho. Ela usava uma camiseta minha e uma calcinha que não escondia absolutamente nada. Eu estava sentado no sofá, observando cada curva dela com uma calma que só vinha depois do caos.
Ela veio até mim com as duas canecas de café, entregou uma e depois se sentou no meu colo, de lado.
— Sabe o que é estranho? - ela perguntou.
— Várias coisas, mas pode escolher uma.
— Eu não fazia ideia de que você podia ser... Assim... – abanou a mão.
— Assim como?
Ela mordeu o lábio.
— Gentil. Engraçado. Sujo na medida certa. Médico e pornográfico ao mesmo tempo. - riu. — É confuso, Rafael. Achei que fosse só um belo espécime.
— Eu sou um homem complexo.
— Ou um mistério bem disfarçado de clichê gostoso.
Ri com ela. E a beijei.
Aquele beijo foi calmo. Mas não demorou para perder o controle. Ela me empurrou para trás, montando em mim com um olhar que misturava desejo e ternura.
Os movimentos dela tinham ritmo. Ela sabia o que fazia. Sabia onde apertar. Como gemer. Como sussurrar meu nome no ouvido certo da forma errada.
Eu a virei no sofá, as pernas dela enroscadas na minha cintura, os braços em volta do meu pescoço. Ela mordeu meu ombro quando gozou. E eu tive que me conter para não gritar o nome dela.
**********
Passaram-se algumas semanas assim. Era fácil estar com ela. Fácil demais.
Até que as coisas mudaram.
Ela ficou estranha. Silenciosa.
Começou a recusar meus convites. Inventava desculpas bobas. E um dia, quando fui até o apartamento dela de surpresa, Nietzsche me recebeu com aquele ar de “já vai dar merda”. E deu.
Ela saiu do banho com uma toalha enrolada no corpo e um olhar que não me pertencia mais.
— Rafael? O que você está fazendo aqui?
— Senti sua falta.
— Achei que você tivesse entendido... Que eu iria estar muito ocupada com o trabalho.
— Eu pensei que você estivesse ocupada, sim. Mas... Tem alguma coisa errada?
Ela hesitou. E foi aí que vi. Estiquei a cabeça e vi no banheiro. A caixa de testes de gravidez, jogada no lixo. O silêncio caiu entre nós como uma bomba.
— Camila... Você está grávida?
Ela congelou. Depois, o rosto dela se fechou.
— Eu sabia. - a voz dela era baixa. Ferida. — Era isso. Você só veio confirmar.
— Confirmar o quê?
— Que eu sou um problema. Que você precisa cair fora antes que fique preso.
— Não. Espera, Camila. Eu só...
Meu celular vibrou. Era o hospital. Emergência. Eu precisei atender.
— Droga, me dá um segundo...
— Não precisa. - avoz dela era gélida. — Vai embora, Rafael.
— Camila, escuta...
— Vai embora.
E eu fui.
Com a caixa de teste no lixo. Com o silêncio dela. E com a sensação de que algo muito maior do que nós dois estava prestes a acontecer.