A família de Caius partiu logo depois do almoço. Sorrisos. Agradecimentos. Até um abraço da irmãzinha, que me olhou com uma curiosidade inocente, como se eu fosse um brinquedo novo que seu irmão mais velho não deixaria ela tocar. Mas ele ficou. Por ordem do meu pai. Por protocolo. Por essa ideia insana de que dois estranhos podem se preparar para um casamento sem virar um desastre público.
Eu acordo, ele já está tomando café na varanda. O sol da manhã corta o perfil dele como uma faca—queixo forte, nariz aquilino, a sombra dos cílios fazendo parecer que ele está sempre calculando algo. Eu saio, ele está mexendo no celular, lendo relatórios da empresa que mal conhece. Eu respiro fundo… e ele respira também. Isso me irrita. — Não vai voltar pro seu mundo, Varella? — pergunto, numa manhã, sem filtro, enquanto passo por ele rumo à cozinha. Ele nem levanta os olhos do relatório. — Meu mundo agora tem seu sobrenome. A caneca de café dele está sempre meio vazia, como se ele só bebesse o suficiente para manter o ritmo, nunca por prazer. Eu me pergunto se é assim que ele me vê—algo funcional, uma peça no tabuleiro. A verdade é que eu fujo dele. E ele sabe disso. Então eu saio. Todos os dias. Baladas onde o som abafa meus pensamentos, jantares com amigas que falam demais e entendem de menos, drinks com amigos que ainda me olham como se eu fosse a mesma garota inconsequente de cinco anos atrás. Volto tarde. Bêbada, às vezes. E quando subo as escadas da mansão, sei que ele ouviu a porta abrir. Sei que ele sente o perfume—alguma fragrância amadeirada que Julian insistiu em comprar para mim, dizendo que combinava com a minha "personalidade perigosa". Sei que Caius não diz nada. Mas também sei que ele está acordado. Sempre. Numa dessas noites, reencontro Julian. Ele está mais bonito do que lembrava—cabelos desalinhados, aquele sorriso que sabe exatamente como segurar minha cintura e me fazer rir sem pensar. Transamos no carro dele, estacionado em algum beco escuro do centro. Foi rápido, sujo e inútil. Mas necessário. Pra eu provar pra mim mesma que ainda sou dona da minha liberdade. No dia seguinte, Pietro me manda mensagem. “Pensei que fosse minha ainda.” Apago. Mas penso demais nisso. Naquela semana, experimento o vestido de noiva. Branco. Liso. Sem brilho. O espelho me devolve uma mulher que não reconheço. Linda. Intocável. Mas triste. E isso me fere mais do que deveria. — Está perfeito, senhorita — diz a costureira, ajustando a cauda com alfinetes. — Pareço uma fantasia. Ela ri, pensando que é piada. Caius chega atrasado na prova do terno. Fica calado quando me vê. Mas os olhos dele... Me leem como ninguém jamais leu. — Vai fugir no altar? — ele pergunta, com aquela calma que mata devagar. — Não. Eu só corro quando vale a pena. — Então torce pra eu não correr primeiro. A costureira engasga. Caius não sorri. Naquela noite, ele aparece na porta do meu quarto. Está de camiseta branca e calça de linho—o mais despojado que já o vi. — Quer beber? — pergunta, segurando uma garrafa de whisky caríssimo. — Tô de dieta. — Mentira. Você bebe como um marinheiro em licença. Sorrio contra a vontade. Ele entra, senta na minha cama como se pertencesse ali. Eu fico em pé, encostada na mesa de maquiagem, observando. — Por que você não some? — pergunto. — Porque você não pede. — Isso é chantagem emocional? — É lógica. Se você quisesse mesmo que eu fosse embora, já teria ido até seu pai. — Ah, sim, claro. Porque é tão simples assim. Chegar no meu pai e dizer: ‘Sabe aquele acordo que você prometeu cumprir a mamãe? Pois é, quero arruinar tudo porque o noivo que você escolheu me olha como se eu fosse um problema a ser resolvido, e isso me dá nos nervos." - Mordo o lábio, desviando o olhar para a janela. - Ele ia me trancar num convento antes que a frase acabasse. Uma pausa. Caius não reage, então eu continuo, mais ácida: — Você fala como se eu tivesse escolha. Como se não soubéssemos os dois que, nessa família, até o ar que a gente respira tem contrato. — Dou um passo na direção dele, desafiadora. — Mas não se engane, Varella. Ficar aqui não te faz especial. Só te faz mais um peão no tabuleiro dele. Caius finalmente me olha nos olhos, e a calma dele é um soco no meu estômago: — Eu nunca me enganei. Mas você sim. — Ele inclina a cabeça, como se eu fosse uma equação mal resolvida. — Acha mesmo que essas fugas, esses escândalos, vão mudar alguma coisa? Seu pai não liga se você transa com meio Barcelona. Só liga se você fizer isso depois do ‘sim’. Eu tremo de raiva, mas é porque ele está certo. — Então é isso? Você vai ficar parado, obedecendo, até o dia em que algum de nós explodir? Ele sorri, e é a coisa mais cruel que já vi: — Não, princesa. Eu vou ficar aqui até você admitir que explodir é a única parte que ainda te excita nisso tudo. Fico sem ar. Ele vira as costas e some no corredor, deixando o cheiro dele—madeira queimada e ironia—presa no meu peito como uma faca.