A água da piscina reflete as luzes da mansão como um espelho preguiçoso. Azul profundo, calmo na superfície. Exatamente o oposto de mim. Estou mergulhada até os ombros, o corpo flutuando em silêncio. O maiô preto gruda na pele como segunda camada de guerra. A noite está quente, mas o pensamento dele — Caius Varella — é mais incômodo do que o cloro nos olhos.
— De todas as pessoas da casa, você era a última que eu achava que viria pra piscina. — a voz dele chega como uma corrente morna pela minha nuca.
Viro devagar. Caius está ali. Na beira. Calção escuro, camiseta na mão, corpo molhado de luar. Seu corpo—meu Deus, seu corpo—não foi feito para roupas, mas para a luz da lua escorrer por ele, delineando cada músculo como se o luar tivesse ciúmes da própria sombra. O peito largo, respira devagar. Os ombros, largos o suficiente para carregar todos os segredos que ele nunca conta, mas estreitos o bastante para caberem entre meus dedos se eu ousasse. E o abdômen—não aqueles trincados de revista, mas algo mais perigoso: a sugestão de força sob a pele, como se mesmo em repouso ele estivesse prestes a se mover.
Mas é o olhar que me desmonta. O mesmo que me tirou o ar no jantar, só que agora sem a gravata, sem o sorriso polido, sem nada entre ele e o que eu realmente sou. Um olhar que não pergunta, mas já sabe. E eu, aqui, tremendo como uma página prestes a ser virada.
— E você era a última pessoa que eu queria ver aqui. — rebato, com ironia preguiçosa, ignorando tudo que a imagem dele na minha frente me fez sentir.
Ele entra na água devagar, sem pressa. Como se a piscina fosse uma extensão dele. Ou de mim. Vai saber.
— E mesmo assim, olha só… aqui estamos. — ele sorri.
— Coincidência ou perseguição?
— Chama do que quiser, Castiel.
Nadamos um pouco.
Sem falar.
Sem se tocar.
Mas o silêncio entre a gente não é vazio.
É cheio demais.
De tudo que não deveria existir.
Paramos frente a frente.
Água na cintura.
Corpos quentes demais pro tom da conversa.
— Vai fingir até quando? — ele pergunta.
— Fingir o quê?
— Que você não sente.
— Que eu não sinto o quê, Caius?
— Vontade.
Fico em silêncio.
Ele dá um passo. A água mexe. Meu coração também.
— Isso aqui — ele sussurra — não é sobre casamento, Selene. Não é sobre promessas quebradas ou contratos. É sobre o que acontece quando você para de fugir.
— E o que acontece?
— A verdade aparece.
— E se a verdade for que eu sou incontrolável?
Ele dá um meio sorriso.
Aquele maldito meio sorriso.
— Então talvez... eu seja o único que não quer te controlar.
A água parece mais quente. Minha pele também.
Quase encosto nele.
Quase.
— Mas quer me tocar. — sussurro.
Ele se inclina, perto demais.
Os lábios a milímetros.
O olhar mergulhado no meu.
— Tocar? Selene... eu quero te conhecer inteira. E depois, talvez… te deixar se destruir com isso.
Eu me afasto. Um passo. Um suspiro.
— Boa noite, Caius.
— É o que você deseja... ou o que você tá tentando evitar?
Viro de costas.
Subo as escadas da piscina com a dignidade de quem finge não estar em combustão.
Mas eu sei.
Ele sabe.
Essa noite não teve beijo.
Mas teve tudo.
E amanhã… talvez tenha mais.
***
Acordo antes do sol decidir nascer de vez. O quarto de hóspedes da mansão é amplo, arejado, impecável. Mas eu tô sufocada. Porque a verdade é uma só: Caius me olhou diferente. E eu deixei. Me olhou como se pudesse decifrar meus códigos. Como se, em vez de me prender, quisesse me atravessar. E isso… é muito mais perigoso.
Desço pra cozinha em silêncio, de camisola de seda e um robe fino. O mármore gela os pés descalços. Dona Nair — aquela joia antiga que vive cuidando de mim desde que eu tenho idade pra mandar no mundo — já está preparando o café.
— Não dormiu bem, menina? — ela pergunta, colocando o bule na mesa.
— Dormi demais. E sonhei errado. — respondo, servindo o café como quem se serve veneno.
Antes que eu possa fugir do mundo mais uma vez… ele aparece.
Caius.
Com a camisa branca meio aberta no colarinho, o cabelo bagunçado, e a maldita cara de quem teve uma boa noite de sono. Ou fingiu melhor que eu.
— Bom dia. — ele diz, como se a gente não tivesse quase se tocado com os olhos horas atrás.
— É o que dizem. — respondo, bebendo sem olhar pra ele.
Dona Nair serve pão e frutas, faz comentários leves. Ele senta do meu lado. Perto demais.
— Dormiu bem? — pergunta, como quem j**a verde pra colher incêndio.
— Você sempre acorda fazendo entrevista?
Ele sorri. Esse maldito sorriso de quem não se ofende.
— Só quero garantir que você não se afogue com os próprios pensamentos.
Reviro os olhos. Mas por dentro… reviro mais ainda.
— Eu penso, mas sei nadar, Varella.
— Eu também. Mas às vezes o perigo não é a água. É o que vem do fundo.
Ficamos em silêncio. A colher mexendo o café parece alta demais. Até que ele se levanta.
— Me avisa se quiser companhia pro café da manhã amanhã. Eu posso tentar não fazer perguntas.
— Eu posso tentar não responder.
Ele sai. E eu fico ali, olhando pra xícara, como se ela soubesse o que fazer com tudo isso. Só que nem ela sabe. E eu muito menos.