Beatriz é bilíngue, recém-formada em Letras e filha de uma promotora e de um juiz federal conhecido por combater redes criminosas. Criada entre livros, valores éticos e um senso profundo de justiça, ela jamais imaginou que seria vítima do mesmo tipo de crueldade que seus pais passaram a vida tentando combater. Ingênua, mas sonhadora, aceita um convite tentador de Dani, uma amiga de confiança de sua mãe, para fazer um “estágio internacional” nos Estados Unidos. Mas tudo era mentira.
Leer másAlgumas armadilhas vêm disfarçadas de sorrisos conhecidos.
Beatriz apertou o diploma contra o peito, o sorriso largo iluminando seu rosto. Após anos de dedicação, finalmente havia concluído a faculdade de Letras. Agora, seu sonho de estudar no exterior parecia mais próximo do que nunca. Vou conseguir, mãe. Eu sei que vou. Chegou em casa animada, os saltos ecoando no piso da sala. Encontrou Lia, sua mãe, sentada no sofá com papéis no colo — e ao lado dela, uma presença inesperada. — Tia Beni? — Beatriz sorriu, cumprimentando a mulher com um abraço educado. — Minha linda! Já fiquei sabendo da novidade! Está toda chique, hein? Formada e com planos internacionais. Beatriz riu. — É verdade. Já peguei todos os meus documentos. Agora só falta a gente procurar um local para eu ficar no intercâmbio. Beni ajeitou-se na cadeira, o olhar afiado, calculando cada palavra. — Olha, não sei se sua mãe já comentou, mas eu e o John estamos indo para Los Angeles na próxima semana. O John tem muitos contatos por lá, e eu conheço bastante gente. Já até conversei com algumas pessoas da faculdade. Você poderia ir conosco. Facilitaria tudo. Lia ergueu os olhos, séria. — Sim, Beni mencionou. Estamos vendo algumas possibilidades. — Mas essa é perfeita, Lia. Eu e o John vamos cuidar da Bia como se fosse nossa filha. E ela já vai com tudo engatilhado — estágio, contatos... Fica muito mais fácil. Beatriz sorriu, empolgada. — Mãe, parece uma ótima oportunidade. Lia manteve o semblante neutro, mas por dentro algo lhe pesava no peito. Conhecia a amiga há anos, mas jamais deixara de confiar com cautela. Após mais alguns minutos de conversa, Beni se despediu com um beijo apressado e um brilho estranho no olhar. — Pensem com carinho. Vou aguardar a resposta de vocês. Assim que a porta se fechou, Lia segurou a mão da filha com firmeza. — Filha, preste muita atenção. Não importa quem seja. Confie desconfiando. Leve todos os seus documentos organizados. Guarde-os onde só você saiba. E, se em algum momento você sentir que algo não está certo, não hesite: fuja. E me avise imediatamente. Beatriz apertou a mão da mãe, emocionada. — Pode deixar, mãe. Eu prometo. E foi ali que minha mãe me salvou. Mesmo sem saber. Em outro canto da cidade... Beni deslizou o celular sobre a mesa do hotel, ligando para John. — Consegui. Ela vai conosco. A mãe já está praticamente convencida. Agora você pode fechar com o shake. Ele terá exatamente o que queria. Do outro lado da linha, John sorriu. — Perfeito. Estamos fechados. E assim o destino de Beatriz começava a ser traçado... Sem que ela soubesse. “A confiança cega é o primeiro passo para o abismo. Mas quem confia desconfiando, se protege.” A luz da tarde invadia o quarto de Beatriz, refletindo sobre a pilha de livros que repousava ao lado de sua mala aberta. Um sorriso iluminava seu rosto enquanto dobrava cuidadosamente as roupas que separavam para a viagem. Sobre a cama, descansavam três cadernos novos, um estojo de canetas, um par de cadernos antigos repletos de anotações e, ao lado, um envelope com documentos. Aquela era a realização de um sonho que ela cultiva desde criança: estudar nos Estados Unidos. Aos vinte e um anos, recém-formada em Letras, com fluência em espanhol, francês, italiano e inglês intermediário, Beatriz não era apenas uma jovem sonhadora — era determinada, dedicada, e ciente do valor que a educação tinha em sua vida. A porta se abriu suavemente. — Filha? — chamou Lia, a mãe, entrando no quarto com um olhar misto de orgulho e preocupação. Beatriz virou-se com um sorriso animado. — Mãe! Já organizei quase tudo. Só estou em dúvida se devo levar mais roupas. Não quero levar excesso, nem quero parecer exagerada. Lia sentou-se ao lado da filha, passando os dedos pelos fios macios do cabelo castanho da jovem. — Não leve muita coisa, minha filha. Lá você poderá comprar tudo com mais facilidade. É mais barato, e você tem aquela reserva que fizemos para a viagem. Já depositei o valor na sua conta, está tudo certinho. Use com sabedoria. Beatriz assentiu, os olhos brilhando. — Obrigada, mãe. Sem vocês, nada disso seria possível. Lia sorriu com ternura, mas logo seu semblante ficou sério. Abriu a bolsa e retirou um envelope pardo. De dentro, puxou um passaporte com capa um pouco desgastada. — Mãe? Esse é o meu passaporte antigo... — disse Beatriz, confusa. — Justamente. — Lia encarou a filha com um olhar firme. — Quero que leve este passaporte antigo na sua mala de mão. Se alguém lhe pedir seus documentos para guardar em cofre, você entrega este aqui. Os documentos atualizados você não entrega, de forma alguma. Guarde-os bem escondidos naquele bolso falso da sua mala, onde só você saiba. Beatriz franziu o cenho. — Mas mãe é a tia Dani. Eu a conheço desde criança. Ela sempre foi amiga da senhora. — Eu conheço a Dani há muitos anos, é verdade. Mas conheço também as falhas de caráter dela. Não confio cegamente. Minha filha, você está indo para longe, para um país diferente. Quero que confie desconfiando. Se algo não parecer certo, me avise. E, se necessário, fuja. Não hesite. Beatriz respirou fundo. Havia aprendido desde cedo a confiar no instinto da mãe, uma promotora de justiça que sempre colocara o bem-estar da filha acima de tudo. — Está bem, mãe. Eu prometo. Vou ficar atenta. Lia puxou a filha para um abraço apertado. — Eu te amo, Beatriz. Não se esqueça disso. — Também te amo, mãe. O dia da viagem chegou mais rápido do que Beatriz esperava. No saguão do aeroporto, uma pequena comitiva a aguardava: Lia, seu pai — Dr. Eduardo, um juiz respeitado — e a nova esposa dele, Leny, uma mulher doce e sempre gentil com Beatriz. Ao avistar os pais, Beatriz correu para dar abraços. — Minha menina! — exclamou Leny, emocionada. — Estou tão orgulhosa de você. Dr. Eduardo a segurou pelos ombros, com um olhar sério. — Filha, preste atenção. Eu e sua mãe confiamos em você. Mas lembre-se: se houver qualquer problema, qualquer situação que você ache estranha, entre em contato imediatamente. Não hesite. Leny completou: — Se por acaso sua mãe estiver ocupada ou não puder te atender na hora, você sabe que pode me ligar. Eu passo o recado. Estamos aqui para você. Beatriz sorriu com gratidão. — Obrigada, tia Leny . Eu sei que posso contar com vocês. Nesse momento, Dani se aproximou com um sorriso largo, vestida com roupas elegantes e óculos de sol presos ao decote. — Nossa, quanta preocupação, gente! Relaxem. A Bia está em boas mãos. O John e eu cuidaremos dela como se fosse nossa filha. Dr. Eduardo lançou um olhar gelado. — Pode ser. Mas nossa filha não estará perto de nós. Não saberemos o que acontece a todo momento. Por isso, filha, confie no seu instinto. Você sabe o que fazer. Beatriz assentiu, um nó na garganta. — Eu sei, pai. Mãe. Tia Leny. Eu amo vocês. Lia abraçou a filha uma última vez, apertado. — Não esqueça o que te disse. Fique atenta. E me mande mensagem assim que chegar. — Prometo. Beatriz se afastou, com o coração acelerado. Entre a emoção da partida e o aviso firme da mãe, sentia uma leve inquietação. Mas preferiu acreditar que tudo correria bem. Dani caminhava ao seu lado, conversando animadamente sobre as facilidades da vida em Los Angeles, o quanto ela iria adorar a cidade e como seria maravilhoso estar tão perto de oportunidades incríveis. Beatriz ouvia, sorrindo, mas a voz da mãe ecoava em sua mente. "Confie desconfiando." E aquele seria o conselho que, em breve, salvaria sua vida. O táxi os deixou diante de um hotel de luxo, com fachada de vidro e hall de mármore. Dani desceu com um sorriso triunfante, conduzindo as três jovens até o balcão de recepção. O check-in foi rápido. Logo subiram para um apartamento espaçoso, com dois quartos e sala integrada. — Vocês três vão ficar neste quarto. — anunciou Dani, abrindo a porta. — Arrumem suas coisas e descansem um pouco. John e eu vamos sair para resolver umas coisas importantes. Assim que Dani e John deixaram o apartamento, Beatriz sentiu que era hora de agir. Fechou a porta do quarto, voltou-se para Camila e Isabel e as chamou para perto. — Meninas, preciso falar sério com vocês. — disse em tom baixo. As duas sentaram-se na cama, intrigadas. — O que foi, Bia? — perguntou Camila. — Vocês conhecem bem a tia Dani? Isabel sorriu, inocente. — Ela foi na agência onde a gente trabalhava como babá. Disse que conhecia casais amigos que precisavam de babás aqui. Ela e o marido conseguiram as passagens de cortesia. Foi tudo muito simples. Beatriz respirou fundo. — Vocês pagaram alguma coisa para vir? — Não. — respondeu Camila. — Ela disse que tudo seria custeado por eles, que a gente só precisava trazer os documentos. Beatriz sentiu o gelo na espinha. "Exatamente como acontece em casos de tráfico." Olhou firme para as duas. — Ouçam com atenção. Se pedirem os documentos de vocês para guardar, não entreguem. Guardem com vocês ou façam uma cópia. Se algo parecer estranho, procurem o consulado brasileiro aqui em Los Angeles. Não fiquem à mercê de ninguém. As duas se olharam, desconfortáveis. — Você acha que tem algo errado? — perguntou Isabel. — Não tenho certeza. Mas estou desconfiada. Façam isso por segurança. Prometam. Camila hesitou. — Tá bom... mas você está muito preocupada, Bia. Beatriz forçou um sorriso. — Melhor prevenir do que remediar. Se notarem qualquer coisa, fiquem atentas. Agora... vocês vão descer para encontrar a Dani? — Ela mandou mensagem pedindo para irmos até o restaurante. — disse Camile. — Então vão. Eu vou tomar um banho e ficar um pouco. Não estou me sentindo muito bem para descer agora. As duas concordaram e, com alguma hesitação, saíram do quarto. Beatriz esperou até ouvir a porta do apartamento se fechar. Então, o coração batendo forte, levantou-se com determinação. "Agora ou nunca." Começou a vasculhar rapidamente a sala. Abriu gavetas, mexeu em bolsas. Quando encontrou uma pasta preta, suas mãos tremeram. Dentro, uma pilha de documentos: Passaportes falsos, contratos em inglês e árabe, listas de nomes, endereços suspeitos. "Meu Deus... É tráfico humano mesmo!" Sem hesitar, retirou a pasta e a colocou dentro da sua mala de mão, junto aos seus verdadeiros documentos. "Preciso sair daqui agora." Beatriz correu até a porta. Olhou pelo olho mágico: o corredor estava vazio. Poucos minutos depois, a camareira surgiu, empurrando o carrinho pelo corredor. Beatriz permaneceu imóvel, mal respirando.Dereck ajeitou o travesseiro atrás de Beatriz, que estava sentada na cama com os gêmeos aninhados nos braços, um de cada lado. Ele a olhou com ternura e disse:— Amor… agora que você está em casa, acho que é uma boa hora para ligar para a sua mãe.Beatriz o encarou, surpresa. — Por quê agora?— Porque… — ele sorriu, recordando — no dia que os gêmeos nasceram, ela me ligou dizendo que não conseguia falar com você. Eu tive que explicar que você estava no hospital e que o médico tinha pedido repouso absoluto. Ela quis vir imediatamente, mas eu disse que não… que você queria que eles viessem só quando os bebês estivessem firmes, com imunidade.Beatriz assentiu, lembrando-se da decisão. — É… foi o melhor.— E ela concordou — continuou Dereck. — Disse que você estava certa. Mas agora… acho que seria especial fazer uma chamada de vídeo. Mostrar que você está bem, apresentar os gêmeos para ela, para o seu pai, para a sua madrasta, para a sua irmã
O fim da tarde trouxe consigo um silêncio aconchegante. O sol entrava pelas janelas amplas, pintando o quarto de tons dourados, enquanto Beatriz ajeitava com cuidado um dos gêmeos no berço. A enfermeira havia saído por alguns minutos para preparar o banho, e ela aproveitava aquele instante para sentir o cheirinho suave da pele deles e se perder no compasso tranquilo das respirações.Era difícil acreditar que, poucas semanas antes, estava no hospital, lutando para que eles chegassem ao mundo saudáveis. Agora, ali estava ela, no seu quarto — o quarto que Dereck preparara com cada detalhe pensado para ela e para os filhos. Um quarto que não existia no antigo apartamento, mas sim na mansão que ele comprou em Dallas, e que agora era oficialmente o lar deles.Lá embaixo, o portão eletrônico se abriu e as vozes se aproximaram. Clary, com seu jeito animado, foi a primeira a entrar na casa, trazendo junto a pequena Lili e a Linda.— Onde está a Bia? — Beatriz ouviu
Enquanto Dereck descansava no apartamento, o celular de Erick tocou. Era Lia.— Erick, eu estou tentando falar com a Beatriz, com a Diaz, mas ela não atende. — disse, preocupada.Ele respirou fundo antes de responder, mantendo o tom calmo.— Ah… é porque ela desligou o celular. A psicóloga pediu que ela ficasse fora do ar, que precisava relaxar. E o médico… nós viemos para Dallas porque ele achou melhor que, nas últimas semanas de gestação, ela ficasse no hospital em repouso, sendo monitorada.— Mas você não avisou nada… — Lia soou levemente magoada.— Não, porque não era nada grave. — respondeu ele, firme mas sereno. — E hoje… os gêmeos nasceram.— O quê? — ela quase perdeu o fôlego. — E você não falou nada?— Não… porque eles estão na UTI. — explicou. — E a Beatriz pediu que vocês soubessem do nascimento só quando eles estivessem com três meses. Ela não quer deixar ninguém preocupado. Vocês já passaram por muita coisa. Além
O tempo foi passando. Quatro semanas inteiras se passaram, e, contra todas as expectativas, Beatriz conseguiu o impossível: permanecer em repouso absoluto, suportando as dores, o tédio e a ansiedade, apenas pelo bem dos filhos.Na manhã marcada, a equipe médica preparou a cesariana. A sala estava calma, mas carregada de emoção.Quando os dois choros ecoaram quase juntos, o coração de Dereck se apertou e ele não conteve as lágrimas. Os pequenos eram miúdos, mas fortes, com um tom rosado e cabelos claros.— São loirinhos como a Lily. — disse ele, a voz embargada, sem tirar os olhos dos filhos. — Realmente, mãe, a senhora tinha razão, eles são a cópia dele.A doutora sorriu por trás da máscara e comentou:— Então quer dizer que a Lily é a sua cópia, papai.Dereck riu baixinho, enxugando os olhos.— Beatriz,— a médica virou-se para ela, com um olhar caloroso. — Você só carregou no ventre, porque eles puxaram todos para o pai
— Mãe, não se esqueça de um detalhe importante. — Derek reforçou, enquanto ela anotava mentalmente os pedidos. — Um dos quartos será dos trigêmeos, e quero que ele fique próximo ao quarto principal. O quarto da Lily será ao lado do quarto dos bebês, e o da Linda, ao lado do quarto da Lily.Lily, que ouvia tudo atenta, franziu a testa.— Mas… por que a Linda não pode ficar comigo no meu quarto? A gente podia dividir.Derek olhou para Linda, curioso.— E aí, você quer dividir o quarto com a Lily?A menina abriu um sorriso tímido.— Quero.— Então está decidido. — ele assentiu. — Você vai dividir o quarto com a Lily… e com a Isabel.— Tá bom. — Linda respondeu, parecendo satisfeita.Derek se virou para Mari.— Você pode ficar num quarto sozinha.— Obrigada. — ela disse, com um tom grato. — E, se precisar de ajuda no hospital, eu posso ficar com a Beatriz nos dias em que eu não tiver terapia.— Eu ac
— Quero todo mundo se arrumando agora — avisou Derek assim que entrou no rancho, a expressão decidida. — Isabel, arrume as suas coisas e as da Lila. Mari, ajuda a Linda a arrumar as coisas dela e também as da mamãe. Nós vamos todos para Dallas.A mãe dele ergueu as sobrancelhas. — Aconteceu alguma coisa com a Beatriz?— Ela está bem, mas em repouso absoluto — respondeu Derek, a voz mais grave. — Está tomando medicação para amadurecer os pulmões e os órgãos das crianças. Os médicos vão tentar segurar até a 34ª semana, e, se conseguirem mais, melhor ainda. Quanto mais tempo ela segurar, menos tempo eles ficam na UTI. Mas, se não der, vão ter que ficar bastante tempo internados.Ele passou o olhar pelo grupo, firme:— Eu só vim buscar vocês. Arrumem as coisas pessoais, os itens de higiene, o enxoval dos bebês. Dentro de duas horas estamos saindo.— Mas no apartamento não vai ficar todo mundo amontoado? — perguntou Mari.— Claro que
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