A manhã fria na mansão Bellucci era um convite ao silêncio, mas para Amara, o silêncio pesava como uma sentença.
Ela se levantou da cama, vestida ainda com a camisa branca que parecia pequena demais para conter a inquietação que crescia dentro dela. O olhar pesado caiu sobre Dante, encostado na parede, observando cada movimento como um predador. — Vai continuar me olhando como um lobo faminto, ou pretende dizer alguma coisa? — ela disparou, sem se virar. Dante cruzou os braços, seu olhar cinza atravessando a distância entre eles. — É fascinante te observar. Um orgulho tão grande que mal cabe nesse quarto — a voz baixa, sarcástica — Não sei o que vai te matar primeiro: os inimigos lá fora… ou esse ego inflado. Amara virou-se devagar, braços cruzados, um sorriso frio esculpido no rosto. — Achei que o Lobo de Palermo só sabia rosnar, mas vejo que também tenta filosofar — provocou, se aproximando — Pena que não impressiona. Ele inclinou o rosto, seus olhos percorrendo-a lentamente. — Você não parece tão imune assim — sussurrou, carregado de veneno e algo mais que ela não quis nomear. Ela riu, desafiadora. — Sobrevivi a homens piores que você, Moretti. Dante deu um passo à frente, tão próximo que podiam sentir o calor da respiração um do outro. — Sobreviveu… mas não casou com nenhum deles. Parabéns. Agora tem um marido que, oficialmente, pode te proteger… ou te destruir. Escolha inteligente. Amara ergueu o queixo. — Você não me assusta. Cresci cercada de homens como você. Frios, armados… e todos caíram. Você não é exceção. Dante sorriu, olhos escurecidos. — E você acha que está acima da queda? Ela se aproximou ainda mais. — Eu não caio. Eu derrubo. O ar parecia pesado, eletrificado. Ele se inclinou e sussurrou no ouvido dela: — Adoro mulheres teimosas. São as que mais gritam quando perdem o controle. Amara sentiu um arrepio, mas o sorriso continuou. — Cuidado, Moretti. Quem grita primeiro… geralmente não sou eu. Eles se afastaram, conscientes de que aquela guerra entre eles mal começava. Nesse instante, Matteo, o capanga, entrou apressado, com notícias que congelaram a tensão no ar. — Senhor Moretti, senhorita Bellucci… encontraram um corpo na estrada ao norte. Marca dos Bellucci no peito. Dante imediatamente assumiu o comando, voz firme: — Prepare o carro. Vamos agora. Amara segurou o braço dele com determinação. — Vou junto. Ele a olhou, desafiador, mas assentiu. — Se vista. Vai precisar parecer forte… mesmo que não se sinta. Enquanto ela se preparava, o peso do juramento e da ameaça pairavam no ar. A guerra havia começado de verdade. O carro preto deslizou silencioso pela estrada estreita e rodeada por oliveiras, sob a luz pálida da manhã. Amara observava as árvores passando, o pensamento acelerado, o corpo ainda tenso da viagem. Dante estava ao volante, os olhos atentos, o rosto fechado como uma fortaleza. — Ninguém mexe nessa estrada sem que o Conselho saiba — ele disse, quebrando o silêncio. — Alguém quis que encontrassem o corpo. Um recado claro. Amara apertou os dedos contra o couro do assento. — E se for meu irmão? Ele lançou um olhar rápido para ela. — Então é um aviso para você — respondeu com frieza. — Ou para quem ainda pensa em se opor ao Conselho. A poucos metros, a movimentação da equipe de segurança já era visível: homens armados, lanternas buscando no mato, o corpo estendido, coberto por um lençol sujo. Amara e Dante desceram do carro. O ar da manhã parecia mais pesado ali, o cheiro de terra úmida misturado ao ferro do sangue recente. Um dos capangas afastou o lençol, revelando a marca cruel gravada no peito do homem: um símbolo antigo, o emblema dos Bellucci, como um selo de propriedade. Amara engoliu em seco. A face do homem era irreconhecível, mas a ferida aberta não deixava dúvidas: era um aviso brutal e personalizado. Dante agachou-se ao lado do corpo, os olhos examinando cada detalhe. — A mensagem está clara — disse, olhando para Amara. — Não é só um recado. É um desafio. Ela sentiu o olhar de Dante sobre si, mais penetrante que as balas que poderiam disparar. — Precisamos descobrir quem fez isso — afirmou com firmeza. — Antes que o próximo recado seja para mim. O sol começava a subir, iluminando um cenário onde cada passo poderia ser o último. E no submundo da máfia, sangue sempre pede mais sangue. A viagem de volta à mansão Bellucci foi silenciosa. Nem mesmo o ronco do motor parecia romper o peso que pairava no ar. Amara encarava o horizonte pelo vidro escuro, os pensamentos girando em turbilhão. O corpo encontrado, a marca da família, o aviso claro: estavam cercados. Dante manteve o olhar fixo na estrada, a mandíbula tensa, os dedos apertando o volante como se cada nó o ajudasse a controlar a fúria contida. Quando finalmente estacionaram no pátio da mansão, a noite já começava a se espalhar pelo céu, envolvendo tudo numa sombra inquietante. Ao entrar, foram recebidos pelos olhares atentos dos capangas e pelos cochichos dos conselheiros. Amara sentiu todos os olhos sobre si. Alguns julgadores, outros calculistas, todos cientes de que ela agora era o centro de um jogo muito maior que ela. No corredor, Dante parou, virando-se para encará-la. — Isso é só o começo — disse, a voz firme. — Se quiser sobreviver aqui, precisa entender uma coisa: fraqueza é sinônimo de morte. Amara cruzou os braços, enfrentando o olhar dele. — Eu não sou fraca. E não vou me curvar para ninguém. Dante sorriu, um sorriso que não alcançava os olhos. — Então esteja preparada para lutar com unhas e dentes. Porque aqui, mais do que amor, só existe poder. O silêncio entre eles era cortante. Ela queria acreditar que poderia controlar aquele jogo. Ele sabia que, no final, ambos precisariam do outro — quer admitissem ou não. A mansão, com seus corredores imensos e segredos enterrados, parecia mais uma prisão a cada passo. E naquele jogo de traições e juramentos, a linha entre aliado e inimigo era mais tênue do que Amara jamais imaginara.