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Capitúlo 3: A Rainha e a Fera

A tempestade começou por volta das três da manhã.

Relâmpagos cortavam o céu como presságios. Do meu quarto, vi as árvores dançarem ao vento como prisioneiros sendo arrastados por correntes invisíveis. Mas o que me tirou o sono não foi o barulho lá fora.

Foi o silêncio dentro.

Elyan.

Desde que entrou naquela casa, ele ainda não tinha gritado, reclamado, nem sequer se irritado. Mas o silêncio dele gritava dentro de mim. Fazia mais barulho que qualquer trovão.

Levantei-me, vesti o robe de seda vinho e desci as escadas descalça. O chão gelado sob os pés não me incomodava. Eu já estava gelada por dentro.

No corredor principal, senti. O cheiro dele. A presença.

O quarto de hóspedes estava com a porta entreaberta. Hesitei. Eu mandara colocar uma trava por dentro. Só ele podia abri-la.

Empurrei devagar. A luz estava apagada, mas a janela estava aberta. A cortina dançava feito alma solta.

E ele estava lá.

Sentado no chão, de costas para a porta. Nu da cintura para cima. A pele úmida de suor ou chuva — não sabia dizer. O cabelo grudado na testa. Os músculos tensos.

Ele sussurrava algo. Sozinho. Quase como uma prece. Ou um código.

— Elyan?

Nada.

Dei mais um passo. O piso rangeu. Ele virou o rosto em minha direção como um animal em alerta. Por um instante, vi ódio nos olhos dele. Dor crua. E medo. Medo real. De si mesmo, talvez.

— É só um pesadelo? — perguntei, mais suave do que queria.

— Não. — respondeu, rouco. — É só... a memória tentando escapar. E o corpo segurando.

Sentei no chão, a uns dois metros de distância. O cheiro da noite molhada entrava pela janela. O silêncio entre nós estava grávido de tudo o que não sabíamos dizer.

— Onde você aprendeu a matar?

Ele riu, baixo. Um riso cansado.

— No mesmo lugar onde aprendi a fingir que não dói.

— E dói?

— Quando você não sente mais dor...

— Você está morto?

— Você virou o próprio veneno.

Fiquei olhando para ele. E ele, para o nada. Parecíamos duas peças de um jogo antigo, encontradas em tabuleiros diferentes.

Eu podia dominá-lo com ordens. Mas não com presença.

— Você devia dormir — disse, levantando-me.

— E você devia parar de tentar me entender.

— Tarde demais.

Antes de sair, ele me chamou.

— Isabella.

Era a primeira vez que ele dizia meu nome. E dito por ele, soou como um segredo.

— Você é mais perigosa que qualquer um que já me prendeu.

Fiquei sem resposta. E isso, para mim, era raro.

Apenas saí. Mas por dentro, algo tremia.

---

Na manhã seguinte, o caos chegou com um envelope.

O mordomo o entregou durante o café. Era pesado. Sem remetente. Apenas meu nome escrito à mão, com tinta preta e traços fortes demais para serem casuais.

Dentro, havia uma foto.

Elyan. Em uniforme militar. Ao fundo, um campo em chamas.

E uma assinatura: Capitão Elyan Vargas.

Vargas?

O nome bateu como uma explosão na minha mente. Vargas era um nome proibido nas famílias da elite de Valdora. Tinha sido envolvido em rebeliões, tráfico de armamento e desaparecimentos “acidentais” de inimigos políticos.

Se ele era um Vargas... então o leilão não era um acidente.

Eu tinha comprado um inimigo.

Ou um isco.

Subi correndo, atravessei o corredor como uma bala.

Arrombei a porta dele.

Estava de pé, à frente do espelho, terminando de vestir uma camisa branca, como se tudo estivesse sob controle. Como se ele soubesse.

— Então... Capitão Vargas?

Ele não se assustou.

— Demorou mais do que imaginei.

Joguei a foto sobre a cama.

— Você armou isso?

— Eu fui entregue, não armei. Se alguém me pôs ali, foi por medo do que sei. Ou do que posso contar.

— E por que não contou ainda?

— Porque você não perguntou direito.

A raiva subiu. Aquele homem me desmontava sem tocar.

Aproximei-me, invadindo seu espaço.

— Quem é você, de verdade?

— A mesma pergunta vale pra você.

Fiquei a centímetros do rosto dele. A tensão era elétrica. Quase insuportável.

Mas eu não cederia.

— Aqui, eu comando.

— E por quanto tempo isso te faz dormir tranquila?

Meus olhos desceram. A respiração dele era ritmada, controlada.

Mas o olhar... não.

Ali, havia tempestade.

— Se está aqui para me destruir, tente.

— Se está aqui por vingança, ataque.

— Mas se está aqui porque não tem mais pra onde ir...

— Então sente-se, Capitão. E aprenda a sobreviver.

Ele inclinou o rosto.

O sussurro veio com cheiro de fogo:

— Eu não sobrevivo, Isabella. Eu renasço.

---

Naquela noite, choveu de novo.

Mas, dessa vez, o trovão estava dentro da casa.

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