Ou obedecendo a algo maior.
Eu estava no escritório, lendo novamente a carta anônima que acompanhava a foto de Elyan. As palavras eram cortadas como aço:
“Ele não pertence a você.
E você nunca controlou nada. Observe. Está tudo começando.”Assinatura? Nenhuma.
Símbolos? Só um selo de cera com a marca de uma serpente mordendo o próprio rabo.Já tinha visto aquilo antes.
Era o selo de Aphelion.
Um grupo secreto, supostamente extinto, formado por ex-militares, mercenários e políticos invisíveis. Um grupo que eu conhecia… porque eu mesma fui um deles.
Eu já fui uma Aphelion.
---Fazia sete anos. Eu era apenas “Círculo Três”, treinada para infiltrar, seduzir e aniquilar.
Missões silenciosas. Nada deixava rastros. Até a noite do massacre no porto de Ceirov. Mandaram-me matar um homem. Eu matei todos, menos ele.Elyan Vargas.
Agora fazia sentido.
Ele sobreviveu. Eu sobrevivi. E agora estávamos na mesma casa. Com contas não resolvidas e desejos que nos arrastavam como uma corda no pescoço. ---Bati com força a gaveta e levantei-me.
Caminhei pelos corredores escuros da mansão até o jardim. Precisava de ar.
A chuva já tinha parado. Mas o chão ainda cheirava a terra molhada e confissão.Foi ali que o vi.
Elyan.
No topo do muro, como uma sombra viva. Observando o horizonte.— Espera por quem? — perguntei, com frieza.
Ele não se virou.
— Quem disse que estou esperando?
— A posição do corpo. Os ombros contraídos. Os olhos fixos. Isso não é contemplação. É vigilância.
Ele sorriu, ainda sem olhar para mim.
— Aprendeu isso onde? Na universidade de belas artes?
Aproximei-me devagar.
— Não. No Aphelion.
Silêncio. Finalmente, ele me olhou.
E pela primeira vez, vi medo.— Então é verdade... — murmurou. — Você era uma deles.
— Eu fui. Você também, não foi?
Ele saltou do muro com agilidade felina. Agora estávamos frente a frente, no jardim escuro, cercados por estátuas e sombras.
— Eu fui alvo deles. — disse ele. — Você era a arma.
— E agora somos apenas sobras de uma guerra silenciosa.
— Você veio para me terminar?
— Não. Eu vim para sobreviver ao que está por vir.
Ele respirou fundo, olhos nos meus.
— Estão nos caçando?
— Não. Ainda não.
Mas estão nos observando. ---Horas depois, algo estalou no fundo da casa.
Um som seco. Metal contra metal. Corri até o hall. O sistema de segurança estava piscando em vermelho.Invasão.
Gritei o nome de Elyan, mas ele já estava lá.
Com uma arma em punho. E um silêncio assassino no olhar.— Duas entradas laterais — disse ele. — Pegaram os sensores, mas deixaram rastros no vidro.
— Profissionais?
— Amadores com pressa. E armas demais.
Corremos para o quarto do pânico. De lá, eu podia ver as câmeras internas.
Três homens. Máscaras. Movimentos coordenados. Alvo? Não era a casa. Era ele.
— Vieram por ti — falei.
— Ou por você.
— Ou pelos dois.
O momento seguinte foi puro instinto.
Elyan saiu primeiro. Rápido como um raio. Atacou pelas costas o primeiro intruso, derrubando-o com um golpe seco no pescoço.
O segundo tentou atirar, mas ele desviou, rolou e disparou. O tiro não matou, mas imobilizou.Eu segui pelo outro lado, arma em punho.
Quando o terceiro homem me viu, congelou.— Círculo Três...?
— Errou de casa, agente.
Bang.
O som do tiro foi pequeno. Mas o impacto, enorme.
Na minha cabeça, algo quebrou.Eu matei de novo.
Mas não como antes. Agora, havia emoção. E isso era perigoso. ---Após limparmos a cena, Elyan e eu voltamos ao jardim.
O céu ainda estava fechado. Mas ali, entre os dois, a tempestade era interna.— Você hesitou — disse ele, limpando as mãos.
— Não hesitei. Eu senti.
— E sentiu o quê?
— Que não quero mais viver como antes.
Ele se aproximou.
Devagar. Como quem respeita uma dor que conhece.— Isabella... eu não vim te destruir.
Eu vim te despertar.— Para quê?
— Para quem você era.
E para quem ainda pode ser. ---Ficamos ali. Um ao lado do outro. Sem palavras. Sem armas.
A guerra não tinha começado ali.
Mas agora... ela tinha nome.