CRISTINA SANTIAGO
Se existe inferno em vida, eu posso garantir que é morar com sogra. Não bastava Heitor ter me traído com a minha própria irmã, não bastava aquele show de horrores na festa de aniversário, ainda tive que aguentar a cena final da peça trágica que era a minha vida e ser expulsa de casa porque ninguém acreditou nas minhas justificativas que o traidor da história era o Heitor. Eu estava juntando minhas roupas quando a bruxa velha (sim, a mãe do Heitor, minha ex-sogra, mas no meu coração ela é a Bruxa Má do Oeste), apareceu na porta do quarto com os braços cruzados. — Pegue suas coisas e saia já daqui, Cristina. — Ela me olhou irritada e lhe devolvi o olhar de ódio. Se tem algo que me irrita é alguém me mandar fazer algo que já estou fazendo. Mas não tinha forças pra brigar. Só queria juntar o que ainda restava de mim (e olha que não era muito). Enfiei vestidos, calças e sapatos na mala de qualquer jeito. Depois entrei no banheiro para pegar meu produtos de higiene e coloquei em outra mala. Passei por ela e desci as escadas com uma mala e subi para buscar a outra. Mas claro que a Bruxa má do Oeste não ia facilitar. — Abre essa mala. — Disse apontando a mala que eu tinha arrumado na frente dela. — O quê? — Abre. Quero ver o que está levando. Revirei os olhos. Até parecia que eu ia sair carregando o sofá da sala na bolsa. Mas obedeci. Abri a mala, suspirei, e fiquei de braços cruzados. Ela enfiou as mãos lá dentro e, como num passe de mágica (ou melhor, de armação barata), tirou do meio das minhas roupas um estojo de veludo. Dentro, as joias dela. As joias! Pelo amor de Deus! — Eu sabia! — gritou, triunfante. — Ladra! Além de infiel, é uma ladra! Quase caí sentada. — Eu não coloquei isso aí! — falei, desesperada. Mas ela nem me ouviu. O grito ecoou pela casa, como alarme de incêndio. Até as vizinhas devem ter escutado. — Cristina é ladra! Estava tentando roubar as joias da família! E pronto. Fui expulsa com a roupa do corpo e sem direito a nada. Nem minhas calcinhas eu consegui salvar. Sem ter pra onde ir, corri pra casa da Rosália, minha melhor amiga. Aquela mulher é meu anjo da guarda, só pode. Me recebeu de braços abertos, sem fazer perguntas, sem julgar. Só me abraçou. Desabei. Chorei feito criança. Desabafei tudo: a traição, a humilhação, o celular destruído, o homem estranho me acusando, minha própria família me condenando, a velha me jogando na rua. Rosália ouviu tudo e depois falou: — Olha, amiga, pensa pelo lado bom: pelo menos agora você está livre desse traste. Você pode recomeçar. Eu olhei pra ela com o rímel escorrendo e pensei: “Livre? Livre de quê? Da minha dignidade, com certeza.” Mas ela insistiu em me animar como se fosse a tarefa mais importante da sua vida. — É dia 31 de dezembro. Último dia do ano. Você não vai ficar trancada em casa chorando. Vai comigo numa festa. — Festa? — funguei. — Eu estou um trapo humano, amiga. — Então vai como trapo mesmo. — Disse se levantando e me erguendo junto. — Todo mundo precisa de um novo começo. E com a minha ajuda você vai iniciar o ano em grande estilo e deixar para trás tudo que não te leva para frente. Dei uma risadinha da sua frase de animação e deixei Rosália me arrastar. Rosália me arrastou para dentro do quarto dela, fechou a porta com força e apontou para a cadeira em frente a penteadeira. — Aqui, senta — ordenou, puxando compressas e sua nécessaire. — Ninguém quer ir para uma festa parecendo que levou uma surra. Eu tentei protestar, afinal, eu nem queria ir para a festa. Mas ela não deu espaço. — Fica calada e deixa eu fazer — disse, concentrando sua atenção no meu machucado. — Primeiro, limparemos isso aqui — falou, passando um pano frio no canto da minha boca com cuidado. Me olhei no espelho e senti o nervosismo se acalmar um pouco só de vê-la agir. Rosália era uma gênia da maquiagem. — Pronto — falou, puxando meu cabelo para um rabo baixo. — Ninguém vai reparar à primeira vista, a menos que esteja muito focado na sua boca e nesse caso... vá para a cama com o observador. Dei uma risadinha. Ir para a cama com alguém que nem conheço? Nunca. Ela me olhou com os olhos cheios de raiva e ternura juntos. — O desgraçado do Heitor ousou profanar um rosto sagrado como esse. Você tem todo o direito de querer esfolar a cara feia dele. Dê o troco no mesmo instante em que tiver chance. Eu tô contigo e posso alegar legítima defesa mesmo se não estiver lá. Sua expressão está séria, o que me faz rir ainda mais. — Você mentiria em um testemunho por mim? — É claro! — Respondeu sem pestanejar. — Agora, vamos curtir! E foi assim que, poucas horas depois, eu estava dentro de um bar lotado, com música alta, luzes piscando e gente rindo como se o mundo fosse perfeito. Eu não me sentia perfeita. Eu me sentia um caco. Mas respirei fundo e pensei: “Cristina, entra no clima. Talvez o universo tenha guardado uma surpresa boa pra você.” Ilusão minha. Porque foi ali, no meio da multidão, que vi a segunda pessoa que jamais queria ver de novo. Beatriz. Aquela cobra só perdia para o babaca do Heitor. Minha irmã, estava com um vestido amarelo brilhante, rindo alto. Até aí, tudo bem. Na verdade não estava nada bem que ela estivesse feliz enquanto eu estava na lama, mas o problema foi notar com quem ela estava conversando. Era ele. O homem que tinha destruído meu celular e me acusado diante de todos. Meu sangue ferveu. Fiquei observando de longe, escondida atrás de um grupo. E vi tudo. Beatriz tirou um maço de dinheiro da bolsa e entregou a ele. E ainda sorriu, satisfeita. Tentei me aproximar o suficiente para ouvir do que falavam sem ser notada. — Você foi perfeito. Ninguém duvidou de você. — Eu a ouvi dizer, alto o suficiente para chegar até mim. Senti a garganta secar. Então era isso. Todo aquele show, foi armado por ela. Quer dizer que ela já previa que eu ia revelar a verdade diante de todos? Minha irmã não só roubou meu marido, como também comprou um homem pra acabar com a minha reputação. A raiva tomou conta e caminhei até ela, decidida. — Beatriz! — chamei. Ela se virou com calma e sorriu. — Ora, se não é a minha boa irmãzinha... — Você armou tudo! — gritei. — Você pagou esse homem pra me difamar! Ela riu. Riu na minha cara. — E daí? Vai fazer o quê? Quem vai acreditar em você? Aquele deboche queimou dentro de mim. Sem pensar, peguei o copo da mesa que eles ocupavam e joguei a bebida nela. O líquido espirrou e manchou o vestido brilhoso da senhora perfeitinha. Beatriz gritou, furiosa. — Sua desgraçada! — virou-se para o homem ao lado. — Acaba com ela! Vou te pagar o dobro! Meu coração parou quando o homem levantou e avançou na minha direção. Sua mão se ergueu e eu estava prestes a levar o golpe quando, do nada, surgiu alguém. Uma figura masculina alta, forte, que entrou na frente e me puxou para trás do seu corpo. A mão dele segurou o braço do agressor antes que me atingisse. — Não no meu turno, amigão.