CRISTINA SANTIAGO
Três anos. Três anos de casamento com Heitor. Eu achava que estava vivendo uma novela romântica, mas, pelo visto, eu era apenas a figurante da minha própria tragédia. Na véspera da festa de aniversário de casamento, fiquei esperando ele em casa. Fiz o jantar, passei batom, até coloquei aquele vestido que ele dizia que “era sensual demais pra usar fora do quarto”. Eu estava me sentindo uma esposa exemplar.Onze horas.
Meia-noite. Uma da manhã. Nada de Heitor. Eu já estava quase ensaiando meu discurso de esposa abandonada para fazê-lo se sentir culpado por ficar tanto tempo na empresa quando meu celular apitou. Era uma mensagem da Beatriz, minha irmã. Só de ver o nome dela, já sentia o estômago revirar. Beatriz nunca me mandava nada de bom. Abri a foto. Quase deixei o celular cair, tamanha foi a minha surpresa. Era Heitor. Meu marido. Na cama. Com a Beatriz. A minha irmã. Os dois de lençol até a cintura, rindo, como se tivessem ganhado na loteria. Mesmo repetindo as palavras pausadamente, ainda parecia inconcebível para a minha mente assimilar. Meu primeiro pensamento foi: “Ok, Cristina, respira. Talvez seja montagem. Talvez seja só uma pegadinha da sua irmã maluca.” Infelizmente esse pensamento foi destruído no segundo seguinte pela mensagem de Beatriz. Beatriz: "Seu marido se diverte bem mais comigo, irmãzinha. Estou te mandando essa foto para que veja com seus próprios olhos o quanto sou melhor que você." Eu não sou alvo de uma pegadinha, eu sou a maior trouxa da história. Senti o sangue subir. Quis jogar o celular na parede, mas em vez disso, salvei a foto. Eu ia usar isso. Se era pra ser corna, ao menos seria uma corna vingativa. Amanhã, durante a festa de comemoração do casamento, eu vou expor os dois. Todo mundo vai ver. Eu já me imagino no palco, com o microfone na mão, sendo a protagonista da revelação do século. Ia ser digno de novela das nove. Passei a noite em claro ensaiando meu discurso. “Queridos convidados, obrigada por virem celebrar o amor... Ah, mas olha só, amor de quem? Porque meu marido parece bem ocupado em celebrar seu amor com a minha irmã!” Eu praticamente via a plateia chocada, gente desmaiando, minha mãe berrando, minha tia jogando o copo de champanhe no chão. Eu seria a heroína traída, mas vingativa. Já sabia até qual seria a música de fundo. Me aguarde Heitor Reis, eu juro que vou te afundar diante de todos e ninguém, nunca mais, vai querer fazer negócios com um traidor da pior espécie como você, de bônus ainda vou estragar a carreira de influenciadora patricinha da Beatriz. Me aguardem, vocês conhecerão pela primeira vez a versão: "Cristina má". [...] No dia seguinte, acordei com cara de panda insone, mas graças a Deus a maquiagem existe para isso. Passei uma base que prometia “cobertura total” e pensei: “Querida, se essa base cobrisse até a burrice de ter casado com Heitor, você mereceria o prêmio Nobel da química.” Cheguei à festa como se nada tivesse acontecido. Um belo sorriso no rosto, vestido preto elegante e uma taça de champanhe na mão. As pessoas vinham me abraçar e felicitar pelos “três anos de felicidade conjugal”. Heitor, o marido traidor, estava radiante. Apertando mãos, cumprimentando os empresários, como se fosse o homem mais honrado da sala. Olhava para mim e sorria. Ah, se ele soubesse o discurso que eu tinha preparado para desgraçar a carreira dele... provavelmente estaria me prendendo no quarto agora. Quando me chamaram no palco, senti meu coração acelerar. Era agora. Todas as pessoas ali estavam prestando atenção em mim. Respirei fundo, peguei o celular com as provas e subi ao palco pegando o microfone. — Boa noite, gente... obrigada por estarem aqui para celebrar... Parei por um instante e olhei para o público. O nó na garganta queria me impedir de falar, mas eu já tinha ensaiado. — Celebrar o quê, exatamente? Três anos de um casamento que, na verdade, sempre foi uma prisão? Três anos, suportando ser diminuída pelo Heitor, criticada e feita de escrava pela família dele e tendo que medir cada palavra para não ser chamada de maluca histérica. Alguns cochicharam. Outros levantaram sobrancelhas. Heitor franziu o cenho, tentando sorrir ainda, mas eu sabia que tinha tocado na ferida. — Pois é, senhores — continuei. — O que eu vivi não foi um casamento. Foi abuso. E hoje eu quero mostrar a todos vocês a verdadeira face do homem que se diz um marido honrado... Estava pronta para o golpe final, quando de repente… As portas se abriram batendo na parede violentamente e um homem entrou correndo. Subiu no palco, arrancou meu celular da mão e o arremessou no chão, destruindo completamente o aparelho. MEU CELULAR. MEU TROFÉU. MINHA ÚNICA PROVA.. E como se não bastasse, ele arrancou o microfone da minha mão e gritou: — Essa mulher é uma vagabunda! — cuspiu as palavras mais absurdas que já ouvi. — Mesmo casada, ela me enganou. Escondeu que tinha um marido e teve um caso comigo! Silêncio mortal. O salão inteiro parou. Até a orquestra pareceu errar a nota. Eu fiquei com cara de estátua. O quê? Eu, tendo um caso com esse sujeito? Eu nunca o vi na minha vida! — Eu nem conheço você! — rebati, tentando recuperar o controle da situação. Mas ninguém acreditava. Eu podia ver nos olhares de julgamento lançados em minha direção. Beatriz, como uma atriz premiada da mentira, levantou-se dramaticamente, com a mão no peito. — Eu sempre soube! — disse ela, com a voz embargada como se estivesse sofrendo. — Cristina nunca foi confiável. Agora todos veem que eu estava certa. A cobra nem piscou. Maldita! A sala inteira virou os olhos pra mim como se eu fosse a versão feminina do demônio. — Gente, pelo amor de Deus, isso é mentira! — insisti, me sentindo engolida por aqueles olhares de ódio e desdém. — Eu nunca vi esse homem na vida! Meu próprio pai balançava a cabeça, decepcionado. Minha mãe suspirou alto, murmurando: — Que vergonha, Cristina. Que vergonha... Ai Deus, meus próprios pais me enterraram viva sem direito a defesa. E o povo, ah, o povo adora um espetáculo. Cochichos começaram a pipocar de mesa em mesa: “Sabia que tinha coisa estranha naquela cara de santa.” “Coitado do Heitor, sustentando mulher assim.” “É sempre a esposa, nunca o marido.” Sempre a esposa? Que merda isso queria dizer? Se eu tivesse um microfone só pra mim, diria: “Queridos convidados, vocês estão todos loucos! Eu sou a vítima aqui!” Mas a vida não me dá palco, só me dá rasteira. Heitor, aquele canalha de terno engomado, trouxe os seguranças para levarem o homem que invadiu a festa, pegou o microfone da mão dele e olhou para mim. Por um segundo, eu tive esperança de que ele fosse me defender, que dissesse que aquilo era uma armadilha. Em vez disso, ele deu um passo à minha frente, ergueu a mão e tornou tudo mais humilhante, desferindo um tapa no meu rosto. O impacto me deixou atordoada. Senti a bochecha vibrar, a pele arder como se uma linha de fogo tivesse passado por ali. Toquei o canto da boca e minha mão voltou manchada. O gosto metálico invadiu minha boca e um filete vermelho escorreu no canto dos meus lábios. O salão prendeu a respiração e alguns desviaram o olhar. Meus pais ficaram petrificados, mas não moveram um dedo em minha defesa. A dor e a vergonha se misturaram num nó que me prendeu a garganta. Heitor me olhou como se visse uma coisa que lhe dava nojo. — A partir de hoje... — disse, encarando a plateia, e não a mim — eu não serei mais marido de uma mulher infiel. Eu quero o divórcio.