📓 Narrado por Miguel
O silêncio ainda doía nos ossos.
Ela parada ali, o roupão de novo amarrado, a respiração curta, o peito subindo e descendo como se cada palavra tivesse arrancado um pedaço do que restava.
Eu não aguentei mais só olhar.
Dei um passo.
Depois outro.
Até ficar perto o bastante pra sentir o cheiro do sabonete misturado ao sal do choro.
— Clara… — falei, e minha voz falhou no meio. — Eu não te olhei com pena.
Ela levantou o rosto devagar, como quem não acredita.
O olhar dela bateu no meu, cheio de desconfiança e cansaço.
— Não? — perguntou, baixa. — Então o que foi, Miguel?
Engoli seco.
De perto, dava pra ver as cicatrizes quase sumidas na curva do pescoço, a pele fina, viva, como se tivesse refeito cada pedacinho sozinha.
— Foi medo. — confessei. — Medo de mim mesmo.
Medo de sentir por você o que eu nunca senti por ninguém.
Medo de não ser o homem que você merece.
Ela piscou, e as lágrimas voltaram.
Mas dessa vez não caíram.
Seguro