capítulo 116

📓 Narrado por Miguel

O silêncio ainda doía nos ossos.

Ela parada ali, o roupão de novo amarrado, a respiração curta, o peito subindo e descendo como se cada palavra tivesse arrancado um pedaço do que restava.

Eu não aguentei mais só olhar.

Dei um passo.

Depois outro.

Até ficar perto o bastante pra sentir o cheiro do sabonete misturado ao sal do choro.

— Clara… — falei, e minha voz falhou no meio. — Eu não te olhei com pena.

Ela levantou o rosto devagar, como quem não acredita.

O olhar dela bateu no meu, cheio de desconfiança e cansaço.

— Não? — perguntou, baixa. — Então o que foi, Miguel?

Engoli seco.

De perto, dava pra ver as cicatrizes quase sumidas na curva do pescoço, a pele fina, viva, como se tivesse refeito cada pedacinho sozinha.

— Foi medo. — confessei. — Medo de mim mesmo.

Medo de sentir por você o que eu nunca senti por ninguém.

Medo de não ser o homem que você merece.

Ela piscou, e as lágrimas voltaram.

Mas dessa vez não caíram.

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