Mundo de ficçãoIniciar sessãoPatrícia demorou para conseguir sair do sofá.
O nome ainda ecoava dentro da cabeça como um alarme impossível de desligar.
Enzo Ravary.
Ela repetiu mentalmente, como se a repetição pudesse torná-lo menos real. Não conseguiu. Pelo contrário. Cada vez que pensava nele, a lembrança do café voltava com mais força: o olhar firme, a presença que preenchia o ambiente, a sensação estranha de reconhecimento.
Não era só coincidência. Nunca tinha sido.
O telefone caiu no chão quando as mãos começaram a tremer de verdade. Patrícia respirava curto, sentindo o coração bater tão forte que parecia errado, perigoso. Levantou-se cambaleando e foi até a cozinha, pegando um copo de água. Bebeu devagar, apoiada na pia, como se o chão pudesse sumir a qualquer momento.
— Enzo Ravary… — sussurrou, incrédula.
O homem que estampava revistas de negócios. O herdeiro intocável. O nome que explicava o medo da clínica, o suborno disfarçado de gentileza, a mulher elegante que surgira com dinheiro e ameaças veladas.
Tudo fazia sentido agora. E isso não trazia alívio algum.
Pelo contrário.
Trouxe pavor.
Naquela noite, Patrícia mal dormiu. Cada barulho do prédio a fazia despertar assustada. Cada sombra parecia carregada de intenções. O envelope com o dinheiro ainda estava ali, guardado na gaveta, mas ela decidiu algo importante antes mesmo do amanhecer.
Ela não aceitaria aquilo.
Na manhã seguinte, vestiu-se cedo e saiu de casa decidida. Pegou um ônibus até o banco indicado no cartão que estava dentro do envelope. A gerente estranhou quando Patrícia pediu para encerrar a conta recém-aberta, ainda mais ao ver o valor depositado.
— A senhora tem certeza? — perguntou, cautelosa. — É uma quantia considerável.
— Absoluta — respondeu Patrícia, firme.
Assinou os papéis com a mão trêmula, mas o olhar decidido. Ao sair do banco, sentiu algo parecido com liberdade… e, ao mesmo tempo, uma solidão ainda maior.
Ela havia recusado o silêncio.
E sabia que isso teria consequências.
Naquela tarde, Patrícia decidiu voltar ao trabalho, mesmo com a cabeça longe de qualquer planilha ou reunião. Precisava manter alguma normalidade, ainda que fosse falsa. Precisava fingir que ainda tinha controle sobre a própria vida.
Mas o controle escapava por entre os dedos.
Ao fim do expediente, resolveu caminhar um pouco antes de voltar para casa. O céu começava a se tingir de tons alaranjados, e o centro antigo de Veláris ficava mais bonito naquela hora do dia. Entrou em uma galeria de arte que exibia fotografias contemporâneas. Um convite silencioso à contemplação, à pausa.
Foi quando sentiu.
Aquela mesma presença.
Virou-se devagar, o coração acelerando antes mesmo de confirmar.
Era ele.
Enzo Ravary caminhava pelo salão com a mesma postura segura, vestindo um terno escuro impecável. Ao lado dele, uma mulher loira, elegante, com um sorriso perfeito demais para ser sincero.
Patrícia reconheceu imediatamente.
Era ela.
A mulher do envelope.
O ar pareceu ficar mais pesado. Patrícia recuou um passo, instintivamente, mas já era tarde. Os olhos de Enzo encontraram os dela.
O choque foi imediato.
Dessa vez, ele não desviou.
Havia surpresa no olhar dele. Curiosidade. Algo mais profundo, quase desconcertante. Ele parecia prestes a se aproximar, mas a mulher ao seu lado apertou discretamente seu braço, puxando-o de volta à realidade.
— Amor, venha ver essa foto — disse ela, doce demais.
Amor.
A palavra caiu como uma lâmina.
Patrícia virou-se rapidamente, fingindo interesse em uma das obras. O coração batia descompassado, o estômago revirando. Ela sentia o olhar da mulher queimando suas costas.
Minutos depois, passos se aproximaram.
— Patrícia — disse a voz feminina, baixa e firme.
Ela fechou os olhos por um segundo antes de se virar.
— Nós precisamos conversar.
— Eu não tenho nada para falar com você — respondeu Patrícia, mantendo a postura.
— Tem sim — a mulher sorriu, mas os olhos estavam frios. — Principalmente agora que você sabe quem ele é.
Patrícia engoliu em seco.
— Eu devolvi o dinheiro.
— Eu sei — respondeu a mulher, sem surpresa. — E isso foi um erro.
Ela se aproximou um pouco mais, diminuindo o tom de voz.
— Enzo não pode saber da existência desse bebê. Nunca. Se souber, sua vida vira um inferno. Advogados, mídia, acusações… você não tem ideia do poder que ele carrega. E, acredite, ele não gosta de surpresas.
— Você não fala por ele — Patrícia rebateu, sentindo a coragem crescer junto com o medo.
— Eu falo pelo mundo dele — corrigiu. — E esse mundo não tem espaço para você.
Patrícia respirou fundo, sentindo a mão instintivamente ir até o ventre.
— Esse bebê é meu — disse, firme. — E eu não vou desaparecer.
O sorriso da mulher se desfez por um segundo. Apenas um. Mas foi suficiente.
— Pense melhor — respondeu ela, fria. — Ainda dá tempo de escolher o caminho mais fácil.
Ela se afastou, voltando para o lado de Enzo como se nada tivesse acontecido. Patrícia observou os dois por um instante: o homem poderoso, alheio à verdade… e a mulher que mentia para protegê-lo — ou para se proteger.
Patrícia saiu da galeria com o coração disparado.
Agora não restavam mais dúvidas.
Havia uma guerra silenciosa em curso.
E ela estava no centro dela, carregando no ventre o segredo mais perigoso de todos.
O filho do homem errado.







