Mundo de ficçãoIniciar sessãoPatrícia passou os dois dias seguintes em estado de alerta constante.
Cada notificação no celular fazia seu coração disparar. Cada carro que diminuía a velocidade em frente ao prédio parecia suspeito. Dormia mal, acordava assustada, com a mão instintivamente pousada sobre a barriga, como se pudesse proteger o bebê apenas com o toque.
Ela ainda não sentia amor pleno. Sentia responsabilidade. E um instinto novo, primitivo, que não sabia que existia até agora.
Proteger.
Na manhã de quarta-feira, o corpo começou a cobrar o preço do estresse. Enjoos mais fortes, tontura, uma fraqueza repentina que a obrigou a sentar no chão do banheiro por longos minutos. Olhando o próprio reflexo no espelho, Patrícia quase não se reconheceu. O rosto estava mais pálido, os olhos fundos, mas havia algo diferente ali.
Determinação.
— Eu não vou quebrar — murmurou para si mesma.
Mais tarde, decidiu sair para resolver pendências simples: supermercado, farmácia, banco. Precisava fingir normalidade, nem que fosse só para si. Ao entrar em uma cafeteria próxima ao prédio comercial onde trabalhava, sentiu novamente aquela sensação incômoda no ar. Como se o ambiente mudasse de temperatura.
Ela nem precisou olhar para saber.
— Isso está ficando constrangedor — disse a voz masculina atrás dela.
Patrícia fechou os olhos por um segundo antes de se virar.
Enzo Ravary estava ali. Sem terno desta vez. Camisa clara, mangas dobradas, expressão séria, mas curiosamente… humana. Menos intocável. Mais próximo.
— Parece que Veláris encolheu — ela respondeu, tentando manter a calma.
Ele sorriu de leve, mas havia algo diferente em seu olhar. Atenção. Interesse real.
— Posso sentar? — perguntou, apontando para a cadeira à frente dela.
Ela hesitou. Tudo dentro dela gritava perigo. Mas fugir o tempo todo também não era uma solução.
— Pode.
Sentaram-se. O silêncio entre eles não era desconfortável. Era carregado.
— Você saiu da galeria rápido naquele dia — ele comentou.
— Eu não estava me sentindo bem.
— Está melhor agora? — perguntou, genuíno.
Patrícia assentiu, mesmo sem certeza.
— Mais ou menos.
Ele observou suas mãos por um instante. Notou o leve tremor. Notou o cuidado com que ela se sentava, como se protegesse algo invisível.
— Você parece… sobrecarregada — disse ele. — E não é curiosidade vazia. Eu realmente percebi.
Ela riu baixo, sem humor.
— Eu estou.
— Quer falar sobre isso?
Patrícia desviou o olhar para a janela. A rua seguia normalmente, pessoas rindo, conversando, vivendo. Era quase cruel.
— Às vezes — respondeu —, falar só complica mais.
— Nem sempre — Enzo disse. — Às vezes, o silêncio pesa mais do que a verdade.
O coração dela apertou. Se ele soubesse o quanto aquelas palavras eram perigosas…
— Você sempre fala assim? — ela perguntou, tentando mudar o foco. — Como se tudo tivesse solução?
Ele deu um meio sorriso.
— Não. Normalmente eu mando resolverem por mim. — Depois completou, mais sério: — Mas algumas coisas… não obedecem ordens.
O olhar dele ficou preso ao dela por segundos longos demais. Patrícia sentiu o estômago revirar, e dessa vez não era enjoo.
Era atração.
E culpa.
— Eu deveria ir — disse, levantando-se rápido demais.
Enzo também se levantou.
— Eu não quero te pressionar — falou, com a voz baixa. — Mas eu gostaria de te ver de novo. Sem coincidências. Sem sustos.
Ela hesitou. Cada célula do corpo dizia que aquilo era errado. Mas outra parte, silenciosa e teimosa, dizia que fugir para sempre não era possível.
— Talvez — respondeu.
— Talvez é melhor do que não — ele disse, com um sorriso discreto.
Ela saiu antes que mudasse de ideia.
Do outro lado da cidade, Bianca caminhava de um lado para o outro no amplo escritório do apartamento de cobertura. O telefone ainda estava na mão, a ligação recém-encerrada.
— Eles conversaram — dissera o investigador.
O maxilar de Bianca se contraiu.
— Quanto tempo?
— O suficiente para não ser coincidência.
Ela fechou os olhos por um instante, respirando fundo. Patrícia estava se tornando mais do que um problema. Estava se tornando uma ameaça.
— Ela não está obedecendo — murmurou. — Então vamos mudar a estratégia.
Bianca pegou um envelope da gaveta e espalhou fotos sobre a mesa. Registros médicos. Horários. Cópias de prontuários.
— Se ela quer guerra… — disse, fria — …vai aprender o que acontece quando se atravessa o caminho errado.
Enquanto isso, Patrícia chegava em casa com o coração acelerado. Trancou a porta, encostou-se nela e deixou o corpo escorregar até o chão.
Levou a mão à barriga.
— Desculpa — sussurrou. — Eu estou tentando fazer tudo certo.
Mas o medo continuava ali.
Porque Patrícia percebeu algo ainda mais assustador do que Bianca.
Ela estava começando a sentir algo por Enzo Ravary.
E amar o homem errado podia custar tudo.







