Outro beijo

— Aí caramba. Clarice. Você está andando muito com Letícia. Heloísa fala indignada depois de escutar como foi meu dia de estudo com Augusto.

—UE? Eu sou um Papai Noel. E você não é uma careta Helo. Até parece que não sabemos o que você andou fazendo ontem à noite.

Estamos às três tocadas no sofá da sala de Helo, fizemos um tempo que não ficamos juntos em um sábado a noite. Sempre alguém tinha um compromisso incancelável, em resumo Letícia e Heloísa saem com os contatinhos e eu trabalhei igual um camelo em algum freelancer de última hora.

Lucas foi dormir uma hora atrás, depois de insistir para a mãe que já era quase um homem e podia dormir tarde. Mas não tem conversa com a dona Elisa, então para o bem dele ele só obedeceu.

— Você ainda tem uma paixonite pelo Augusto? — Letícia pergunta, já sabendo a resposta, a filha da mãe só gosta de me torturar

— Não diria paixonite. Estou na seca e por isso essa tensão sexual.

Ela arqueou a sobrancelha em protesto e para meu alivio não comentou nada a respeito.

— Então vamos resolver isso. Balada?

Olho para o relógio de pulso que marca quinze para meia noite.

— Agora? - Claro, podemos pegar algumas roupas da Helo.

— Só para lembrar que vocês usam dois números maiores que o meu e se relaxem as minhas roupas vocês vão ter que pagar.

Queria dizer que não estava interessado, que estava cansada. Mas fez tempo que não saímos juntas e se Helo aceitou, quem sou eu para dizer não.

Nós vamos para uma balada, mas acabamos em uma festa na casa do Paulo, a ficante de Letícia que acredita que não ficará por muito mais tempo. Os dois estão tão grudados que não estranhariam que amanhã eles assumissem um namoro.

—Vocês dois dão prazer. Heloísa resmunga quando finalmente eles se afastaram do beijo.

— Preciso de insulina para amenizar esse tanto de açúcar que meus olhos absorveram. Brinco

— Parem de serem invejosas. Lê grita

Rimos.

Essa é uma parte da faculdade que eu vou levar para o resto da vida, minhas melhores amigas.

Deixamos Letícia com o grude dela e pegamos uma bebida. A casa é um pouco cheia. Tenho quase certeza de que, assim como eu, o Paulo não conhece nem um terço das pessoas que estão aqui.

Enquanto decidimos entre uma cerveja morna e um drink duvidoso com gosto de tutti-frutti, duas caras se aproximam. Altos. Lindos. Um deles tem aquele ar de homem bom de cama, barba por fazer e cabelo desgrenhado de propósito. O outro tem olhos escuros que contrastam perfeitamente com a pele clara e uma expressão levemente debochada, mas hiponitizante.

Heloísa, que até então estava segurando o copo vazio como se não soubesse o que fazer com ele, dá um sorriso discreto e coloca o cabelo atrás da orelha. Movimento clássico de “estou interessado, mas fingindo que não”.

Nem parece que saiu ontem à noite, por mais que ela jure de pés jumtos que não fez nada além de conversar.

— Oi — diz o da barba, olhando pra mim, ou melhor, para o decote do vestido vermelho que estou usando — Vocês parecem entediadas.

— Só analisando o nível de álcool da festa — respondo, sorrindo.

Helo já está engajado numa conversa com o outro. Eles se afastaram devagar, deixando eu e o cara lindo com nossos copos e uma troca de olhares que promete.

— Como eu não te conheci antes? — ele pergunta, se inclinando um pouco pra falar no meu ouvido por causa do som alto.

— Não sou muito de sair.

— Faz sentido. Eu nunca esqueci um rosto como o seu.

Dou risada

Esse papinho para cima de mim cara? Penso

O papo flui bem. Ele é charmoso, tem um jeito leve, e pela primeira vez em muito tempo, não estou pensando em nada além deste momento.

Meus olhos passeiam pelo salão.

E congelaram.

Do outro lado da sala, quase encostado na parede, está Augusto.Sem os óculos. Vestido casualmente — jeans escuro, camiseta preta, tênis branco. O cabelo está perfeitamente bagunçado, como se ele tivesse acabado de sair do banho e secado com as mãos.

Raramente encontro Augusto em alguma festa, o que para mim é um alivio completo, levando em consideração nossos encontros conturbados. Dessa vez até esperei em vê-lo pelo simples fato, dele ser amigo, super amigo de Paulo.

Mesmo assim, fui pega de surpresa.

Ele está me encarando. Não sorria. Não é curioso. Só… eu olhando.

E aquilo é como um balde de água fria jogado no meio da faísca que começou a acender entre Felipe e eu, ou talvez seja Fernando. Não me lembro.

Desvio o olhar, finjo que não vi. Mas meu coração como um belo traidor que é, já está batendo mais rápido, pego o copo com a bebida duvidosa e viro de uma vez.

—Algum problema? — pergunta o cara, notando minha mudança de expressão.

— Hum? Não, não. Só me distrai um pouco. — faço um gesto com as mãos exageradas 

Mentira.

Eu vi um problema.

Um problema de 1,85m, olhos verdes e uma memória tátil do meu nome aqui com aquela voz rouca que, honestamente, eu devia proibir de existir.

E o pior?

Ele ainda está me encarando.

Por impulso eu beijo Felipe, sim era esse o nome, tenho certeza. O beijo é bom, mas não é o suficiente.

Quer dizer… é bom. Ele beija bem. Tem uma boa pegada, a mão esta firme na minha cintura, e ele puxa meus lábios inferiores de um jeito que faria qualquer uma perder o fôlego.

Qualquer uma menos eu, porque estou pensando na porra da boca do Augusto na minha.

Isso é frustrante.

Eu continuei o beijo só o tempo necessário para manter o orgulho intacto — e talvez um pouco para calar a voz na minha cabeça gritando “isso é infantil, Clarice” —, e então me afasto devagar, sorrindo como se nada estivesse fora do lugar.

— Uau — Felipe diz, surpreso e satisfeito. — Isso foi inesperado.

Ele ri, mas eu não consigo nem mais olhar diretamente pra ele. Eu me traio e volto minha atenção, como num magnético maldito, para o mesmo ponto aonde Augusto ainda continua.

Agora está virando o copo de cerveja e me julgando como qualquer um faria nessa situação.

Parabéns, Clarice. Você é uma gênia de emoções reprimidas e decisões impulsivas.

Ele apoia o copo vazio numa mesinha lateral e começa a andar na minha direção.

Ah, não.

Ah, sim.

—Clarice? — Felipe chama, mas minha atenção já foi sequestrada. Sinto, literalmente sinto, Augusto se aproximando, como se o ar na minha volta tivesse sido sugado até a última lufada por um conhecimento.

Ele para o meu lado, tão perto que o calor do corpo dele parece atravessar o tecido da minha roupa. O cheiro é familiar — alguma mistura de sabonete, hortelã e café forte. Uma combinação que não faz sentido nenhum e, mesmo assim, me dá vontade de encostar o rosto em seu peito e só inspirar pelo resto da minha vida.

 —Felipe, né? — Augusto diz com a voz baixa e educada demais, estendendo a mão.

Felipe a aperta, confuso. 

— Isso. Ah cara, quanto tempo cara.

Eu olho para os dois sem entender nada

— Esse cara me salvou de uma DP.— Felipe diz sorrindo, pelo visto não sou a única que ele ajuda nas horas vagas.

—Será que posso falar com Clarice Rapidinho?

Ele tem que parar de falar meu nome. Isso faz meu estômago girar e meu cérebro gritar com todas as letras: merda.

— Estamos no mesmo grupo de estudos — explícito rápido, como se isso esclarecesse qualquer coisa. Como se a tensão entre nós não fosse quase palpável. Como se eu não tivesse acabado de beijar outra cara tentando fugir dessa exata sensação.

— Estudo… certo — Felipe diz, não exatamente concluído, mas recuando educadamente. — Eu vou pegar outra bebida. Te encontro depois?

— Claro — minto.

Ele se afastou, e é só então que olho para Augusto.

Erro. Tremendo erro.

Os olhos dele estão cravados nos meus como se pudessem decifrar todas as sinapses confusas que estão fritando na minha mente naquele momento. Ele não diz nada por alguns segundos, o que só piora as coisas.

— Foi bom o beijo? — ele pergunta, direto, sem rodeios e com raiva?

Sinto meu rosto queimado.

— Isso é da sua conta?

— Só estou curioso. Já que você parecia tão… envolvido.

— Eu estava — rebato, erguendo o queixo. — Até você aparecer com essa cara de quem vai me dar nota baixa se eu gaguejar na apresentação.

Augusto solta um sorriso breve, quase imperceptível.

— Você é uma pessima mentirosa Clarice. Eu percebi que você não estava tão confortável quanto insistir em dizer que sim.Só achei que queria uma ajudinha.Ele recua um passo, mas não vai embora. Só me observa de novo e de novo.— Clarice… — ele diz, e meu nome na boca dele já é quase uma maldição.

— O quê?

— Cuidado. — Ele aponta discretamente com o queixo na direção de Felipe.— Talvez não seja quem você realmente quer.

— E você é especialista nisso agora? — questionamentos, tentando parecer firme.

Falhando miseravelmente.

Ele se inclina, seu hálito quente passoua pelo meu rosto.

— Não. Só falo por experiência própria. —Sussurra

E então ele se vira e vai embora. Sem mais nada. Me deixando ali, no meio de uma festa, com meus pensamentos idiotas e nada descendente.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP