Mundo ficciónIniciar sesiónPassei as últimas quatro horas de aula montando um diálogo convincente para falar com Augusto.
Agora que estou parado bem na frente dele, parecendo uma completa maníaca, só me consigo perguntar: o que exatamente eu preciso dizer mesmo?
Ele ergue os olhos por cima dos óculos. A boca se fecha numa linha fina, as bochechas são levemente coradas, e os olhos brilham de um jeito... peculiar.
— Precisa de ajuda? — ele pergunta com aquela voz rouca que, por algum motivo desconhecido e completamente injusto, sempre faz meu estômago revirar. Já faz três anos que conheço esse homem. E ainda não me acostumei com esse maldito efeito.
— Sim — respondo, mordendo a ponta de uma vermelha, já levemente descascada.
Ele fala alguma coisa. Acho. Mas só percebo quando solto um grunhido frustrado.
— Ah, claro! O que você disse mesmo?
— Eu perguntei o que você precisa de ajuda, Clarice.
Meu nome na boca dele...
Ok, para com isso, Clarice. Concentre-se. Não é porque você está num celibato forçado — ou talvez autoimposto? — que seu corpo tem o direito de reagir como se fosse à puberdade de novo.
— Você tem algum tempo livre para me ajudar em Microeconomia? — questionamentos de uma vez. E, como ele demora pra responder, completo rápido demais: — Eu pago, claro!
— É claro — ele murmura.
— "É claro" tipo você tem tempo... ou tipo você aceita ser pago? — perguntas, confusas e começando a suar por dentro da alma.
Ele me olha. Sério. Intenso. Como se pudesse ver até o meu último pensamento caótico. Me sinto nua — emocionalmente, socialmente, academicamente.
Minhas bochechas queimam. Se eu ainda não estou parecendo um pimentão, em breve estarei.
Pelos céus. Que merda.
— Olha, desculpa. Você deve estar ocupado. Super entendo, de verdade, e tal—
— Você pode parar de falar por um segundo... e respirar?
Eu obedeço. Quase por reflexo.
Ele respira fundo, então diz, com calma:
— Eu consigo te ajudar, sim. Não precisa me pagar. Mas só estou livre nos fins de semana. Se não for problema...
E por um segundo, juro, ele sorriu. De leve. Só com o canto da boca. Mas o suficiente pra me deixar ainda mais idiota.
— Fins de semana funciona. Super funcionamento. Melhor dia. Melhor horário. Qualquer coisa. Sábado às cinco da manhã? Eu estou lá. Com café. E resumo. E talvez biscoitos.
Ele ri.
Santo Deus, ele riu.
— Sábado à tarde tá bom. Com café. E talvez biscoitos.
— Fechado.
Dou um passo pra trás antes que eu mesma comece a falar sobre ofertas em troca de ajuda acadêmica. Me viro, forço os pés a não tropeçarem e volto para onde Letícia e Heloísa estão me observando como duas mães corujas e fofoqueiras.
Letícia levanta as sobrancelhas.
— Então...?
— aparentemente, não traumatizei o suficiente com o café. Ele topou.
— E você quase teve um colapso nervoso. Heloisa complementa.
— Foi horrível — digo, sorrindo.
E pela primeira vez em dias, sinto que talvez, só talvez, as coisas estejam começando a entrar nos trilhos. Mesmo que esses trilhos envolvam um gato nerd, vergonha alheia e um pouco de café.







