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O que está acontecendo?

Estudamos. E, surpreendentemente, consegui entender boa parte do que ele explicou. Augusto tem paciência, fala com clareza e, de algum jeito mágico, consegue fazer a microeconomia parecer menos um pesadelo e mais um desafio possível.

Mas agora... agora meu cérebro está começando a falhar.

Não por causa da matéria. Mas porque eu estou desesperadamente apertando para ir ao banheiro.

Sério. Se eu tentar entender mais uma fórmula com esse nível de desconforto, corro risco de ter um painel total no sistema nervoso.

Mexo confortável no sofá, tentando parecer casual.

— Augusto... — começo, tentando manter a dignidade. — Onde fica o banheiro?

Ele aponta com o dedo, ainda focado no notebook.

— Segunda porta à esquerda no corredor.

— Ótimo, obrigada — digo, me levantando depressa demais.

Mas meus pés decidem não colaborar. Enrosco no tapete. Mas o equilíbrio. Tento me segurar no braço do sofá — erro feio. E, de repente, estou caindo. Literalmente caindo. E aterrissando... direto de cara entre as pernas de Augusto.

Silêncio.

Santo. Deus.

Congelamos os dois.

Ele solta um suspiro longo, carregado de resignação.

— Pelos céus... você é mais atrapalhado que um panda.

— Acho que esse não é o comparativo que se deve fazer quando tem uma mulher entre suas pernas — respondo sem pensar.

Assim que as palavras saem, eu me arrependo instantaneamente.

Me afasto rápido, as bochechas pegando fogo, tentando me recompor.

— Retire o que eu disse! Pandas ao menos são bichinhos fofos. Ele fala com aquele meio sorriso nos lábios.

Cruzando os braços, arqueando uma sobrancelha.

— Uau. Então agora, além de me chamar de desastrada, está dizendo que não sou fofo? — digo levando a mão ao peito, em falsa indignação.

Ele respira fundo umas três vezes. E seus olhos encontram os meus, firmes, intensos e com aquele brilho malicioso que deixa qualquer pensamento coerente fora de alcance.

— Você não ia ao banheiro, Clarice?

É verdade, era isso, banheiro.

– Eu. Ainda vou. Indo agora.

Levanto com a cara de quem já perdeu qualquer resquício de dignidade por toda vida.

Me afasto, tropeçando levemente de novo — mas sem cair — e desapareço pelo corredor, sentindo o olhar dele nas minhas costas.

Por favor universo, para me colocar em situações constrangedoras com esse homem. Eu não aguento mais.

Entre no banheiro e feche a porta com cuidado, como se qualquer movimento brusco pudesse piorar ainda mais o histórico desastroso do dia. Apoio as mãos na pia e encaro meu reflexo no espelho.

Meus cabelos castanhos estão levemente bagunçados pela correria, os olhos puxados com o delineado ainda intacto, denunciando o esforço de parecer no controle. A pele está quente — e não é só do tom quente natural, mas do calor que surgiu depois daquela queda ridícula e da forma como ele me olhou. Como se pudesse me despir só com os olhos.

O que foi aquilo? Foi só impressão minha ou os olhos dele literalmente disseram "vamos ver até onde você consegue fugir de mim, Clarice"?

Respiração fundo.

Eu preciso dar um jeito nessa bagunça hormonal.

Três anos resistindo a esse homem e apenas agora minha compostura resolve tirar férias?

Jogo água no rosto. Fria. Como se pudesse congelar esses sentimentos tubulosos

Eu não estou no controle. Repito várias vezes.

Até parece.

Meu celular vibrou no bolso de trás. Tiro com dificuldade, e a tela acesa: “Mamãe”. — Agora não... — sussurra, mas atendendo mesmo assim. Porque a voz da consciência às vezes usa salto alto, batom vermelho e vai continuar ligando se você não atender. 

— Clarice, minha filha, tudo bem? Só liguei pra lembrar da sua consulta amanhã. Não vá esquecer como da última vez, hein?

— Tá tudo certo, mãe. Obrigado. Eu estou estudando agora, será que posso te retornar mais tarde?

— Com aquele moço bonito? Ó Augusto?

— Mãe!

— Ué, você mesmo que disse que ele é bonito. E inteligente. E tem voz de comercial de perfume... — ela ri, toda inocente, enquanto eu quase me afogo no próprio constrangimento.

Faço uma anotação mental de nunca mais abrir minha boca sobre homens perto da minha mãe.

— Tá, depois a gente se fala. Beijo! — desligo antes que ela comece a listar nomes de netos.

Respiro fundo e tento conter o rubor que agora parece tatuado no meu rosto. Abro a porta devagar e volto para a sala.

Augusto ainda está lá, sentado, com aquele sorriso invejado nos lábios.

— Tudo certo no banheiro? Ou tropeçou na pia também?

— Engraçado você — digo, me aproximando com passos cuidadosos, como se o tapete fosse um campo minado.

— Só estou prevenindo. Parece que todas as vezes que conversamos acabamos em uma situação um pouco estranha. Vai que vira pré-requisito.

— Então você está dizendo que sou reincidente? — Brinco

— Tô dizendo que... — ele fecha o caderno devagar, os olhos fixos nos meus — você tem um talento especial pra desestabilizar tudo que toca.

O que é entre nós muda.

Mais pesado.

Mais quente.

Mais perigoso.

Minhas mãos suam, e qualquer teoria econômica evapora da minha cabeça. Só consigo pensar na forma como ele me observa... e no que tem por baixo daquela maldita camisa cinza que gruda no corpo dele como uma segunda pele.

Ele pigarreia, tenta puxar o controle de volta pela respiração.

— Ainda tem mais um capítulo — diz, tentando subir neutro, mas a voz saiu mais baixa, rouca, como se impedisse um pensamento entre os dentes. — Se conseguir manter a concentração. 

— Eu nasci técnicas — minto com o maior descaramento do mundo.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade — ele retruca, sentando-se mais perto. As coxas dele encostam nas minhas.

Ele não abre o notebook.

Não diz mais nada.

Só estou encarando.

Os olhos descem, param na minha boca. E por dentro começo torcer para que ele esteja pensando o mesmo que eu.

Se ele se mover um centímetro, só um…

Meu celular toca de novo, me arrancando do transe hormonal em que meu corpo estava mergulhado. Atendo sem olhar quem é.

— Oi, meu amor.

É Lucas, irmão caçula da Heloísa. Tem só dez anos, mas vive jurando que quando crescer vai casar comigo. Só ligou porque a irmã tá trancada no banheiro há mais de trinta minutos cantando, e pediu que ele me convidasse para comer pizza com eles.

— Claro, em breve até por aí.

Assim que desligo, noto a mudança em Augusto. Ele se afastou tão rápido quanto havia se aproximado. A expressão leve sumiu. Agora ele parece... tenso. Os olhos semicerrados, a mandíbula travada.

— Pensando bem, Clarice... — diz, a voz mais fria. — Acho melhor continuarmos no outro dia. Você deve estar cansada.

A frase sai cortante, sem a gentileza de antes.

Fico parado por um segundo, digerindo o tom seco, a postura fechada.

Não sei o que exatamente o incomodou. Mas não quero ficar para saber.

— Claro... até porque manter a concentração hoje já virou missão impossível mesmo — digo, com um sorriso leve, mas não deixo transparecer nada além disso.

Ele apenas concorda. E volta a ser o Augusto distante de antes.

O silêncio entre nós é desconfortável agora. Não tem mais tensão elétrica. Só um incômodo estranho.

Começo a juntar minhas coisas com movimentos calmos, tentando não parecer afetado, mesmo que tudo dentro de mim esteja batendo palmas e gritando

Ele me acompanha até a porta, os passos dele ecoando baixos atrás de mim.

Abre a porta com aquela mesma calma, sem dizer nada.

Eu hesitei por um segundo. 

— Até mais, então? — perguntas, a voz baixa, com mais detalhes do que eu pretendi.

Ele me olha por um momento longo demais, como se estivesse escolhendo as palavras com extremo cuidado.

— Até, Clarice — responda, enfim. Só isso. Sem sorriso. Sem charme. Sem intenção.

Pelo menos, se o dia acaba em pizza, é porque foi bom, né?

Acho que é isso o ditado. E por mim está ótimo.

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