Não se Engane
Não se Engane
Por: C.H
Dia Ruim

Sabe aquele típico dia em que você acorda se arrependendo de ter mostrado ao mundo sua existência?

Em resumo: um dia de merda.

Pois bem, hoje é um desses dias. Mas não apenas ruim — é do tipo que tem potencial para arruinar o mês inteiro.

E não, isso não é hipérbole para enfatizar o quão bosta o dia está sendo.

E olha que são apenas nove da manhã. Ou seja, ainda restam 99% de chances desse desastre evoluir para um apocalipse pessoal completo.

Não bastou acordar atrasada, perder o ônibus e ficar encantado por água suja graças a um motorista que parece ter feito sua missão de vida passar em poças paradas desde o início do século.

Não. Como se tudo isso não bastasse, agora estou segurando minha prova de microeconomia com a pior nota da minha existência acadêmica.

E essa nem é a pior parte.

A pior parte foi quando o professor gato me chamou para conversar depois da aula. A princípio, achei que talvez fosse apenas um comentário técnico, talvez uma crítica construtiva. Mas não. Ele olhou nos meus olhos — aqueles olhos que entendem mais do que deveriam — e disse, com toda a frieza de quem tem prática em destruir esperanças alheias:

— Se você não melhorar essa nota na próxima avaliação, infelizmente vai perder a bolsa de iniciação científica.

Uma bolsa.

Não me agarro a ela pela quantia humilhante que pagam, claro. Mas porque aquela pesquisa tinha tudo.

Sem exagero, essa era minha chance de conseguir a oportunidade que tanto esperava de fazer parte de uma grande pesquisa internacional.

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Estou sentado no chão com Letícia e Heloísa, olhando para a quadra de futebol, onde meia dúzia de caras j**a bola. Um deles, aliás, é o mais novo comprado por Letícia. A garota sabe como se divertir — acho que ela troca de homem como troca de roupa. Queria ter ao menos um por cento desse talento.

— Que tal sairmos para beber, só pra aliviar? — ela pergunta, como se não estivéssemos em plena segunda-feira.

— Pelo amor de Deus, Letícia. Você não tá vendo que a Clarice tá no fundo do poço?

— Argh, obrigada por mim defensor — digo ironicamente. Sei que, se deixar, ela praticamente me massacra enquanto tece elogios a mim ao mesmo tempo.

— Podemos te ajudar a estudar. A Letícia sabe essa matéria praticamente de cor — diz Heloísa, tentando ser prática.

— Ainda acho que uma bebidinha resolveria muito mais esse problema. Vocês estão tensos demais. Mas tudo bem, não vejo problema em ajudar — Letícia revira os olhos, teatral.

— Obrigada, meninas, mas a gente sabe que somos péssimas estudando juntas. Sempre acabamos caindo na tentativa das fofocas e dos filmes.

Rimos. Porque é a mais pura verdade. Em três anos de amizade, nunca consegui estudar de verdade como um trio. Mas quando o assunto é trabalho acadêmico, somos imbatíveis. Tudo flui sem discussão.

Letícia é especialista em finanças, Heloísa é genial com programação e eu? Bom… eu sou um esforço do grupo. Pelo menos, tente manter a mídia.

— Ei — digo, olhando para a quadra de novo — acho que seu peguete acabou de tirar a camisa e está vindo pra cá.

Letícia se endireita num pulo, ajeitando o cabelo com uma naturalidade completamente ensaiada.

— Sério? Como estou? Natural?

— Naturalmente desesperada — comento, rindo.

Heloísa só balança a cabeça, escondendo o riso atrás do celular.

Ele se aproxima com aquele andar de quem sabe que está sendo observado. Corpo suado, sorriso de quem conhece o próprio charme. Letícia acena com os dedos, casual, como se não tivesse passado os últimos minutos comentando o tanquinho dele em detalhes.

— Oi, meninas — ele cumprimenta, os olhos grudados em Letícia. — Tá rolando alguma coisa ou só curtindo a vista?

— Só esperando o final da aula para decidir se vamos estudar ou fugir da responsabilidade — Letícia responde, com aquele olhar que costuma deixar os caras um pouco tontos.

— Fico com a segunda opção — ele ri. — Bom, se decidirem sair, me avise. Quem sabe que eu não estou junto?

— Quem sabe — Letícia responde, como quem diz “provavelmente sim”.

Assim que ele se afastou, dando uma última olhada por cima do ombro, Letícia soltou o ar como se tivesse segurado a respiração o tempo todo.

— Meu Deus, ele é uma distração ambulante — ela murmura, abandonando o rosto.

— Uma distração que você mesma desenvolveu — digo, provocando.

— E com orgulho! Aliás, estou oficialmente fora da sessão de estudos de hoje. Preciso... avaliar outras áreas do conhecimento.

— Tipo anatomia aplicada? — Heloísa solta, e nós três explodimos em risadas.

Heloísa fica estática, focada em um ponto, com aquela expressão de quem está tendo uma ideia mirabolante. Sigo seu olhar, tentando descobrir o que ela está observando. Não sei ao certo se ela está olhando para a cadeira… ou para quem está sentado nela.

Augusto Simão.

— Ele não está bem fora do seu padrão de especialização? — questionando, franzindo o cenho.

Augusto é o tipo de nerd acanhado, tímido, mas, ao contrário do estereótipo, é lindo. Tem olhos verdes intensos, cabelo levemente ondulado, e usa óculos com lentes que, por algum motivo inexplicável, o deixa ainda mais sexy e enigmático. Não se faz mais nerd como antigamente.

— E de fato não faz. Ele é bonito demais pros meus padrões — Heloísa resmunga, baixinho.

O que você nunca vai entender, porque ela é absurdamente linda, com o cabelo loiro platinado, olhos claros e um ar de hacker misterioso que poderia facilmente estrelar um filme de espionagem futurista.

— Mas eu estava pensando que ele poderia te ajudar — completou ela, como quem acabou de resolver uma busca impossível.

— Essa é uma ótima ideia! — Letícia se intromete, com entusiasmo demais.

— Achei que vocês fossem minhas amigas — respondendo, encarando as duas com a melhor expressão de indignação fingida que consigo fazer.

— Somos — Letícia sorri —, por isso mesmo estamos te empurrando para uma solução mais eficiente. E, convenhamos, com a vista mais agradável.

— Isso é um plano ou uma armadilha? — questionamentos, desconfiados.

— Depende do quanto você ainda quer continuar no programa da sua pesquisa em... como é mesmo? — Heloísa franze a testa, tentando lembrar.

— Modelagem Econômica da Cadeia Produtiva em Engenharia de Tecidos Regenerativos — respondendo, suspirando.

— Exatamente isso. Um nome bonito pra dizer que você vai elogiar antes de terminar.

— Não é como se você fosse dormir com ele — Letícia comenta, dando de ombros. — Apesar de isso também não ser uma má ideia. Já faz o quê? Há seis meses que você não sai com ninguém?

Ela está sendo otimista. Já faz um ano. Ou até mais. Na verdade, não me lembro. Tenho focado tanto na faculdade e no trabalho que arrumei nas horas livres que não estou estudando, que nem faço ideia do que é estar com alguém.

— Letícia, será que você consegue pensar em outra coisa? — Heloísa revira os olhos, e as duas começam uma discussão fútil que envolve hormônios, prioridades e, por algum motivo, comida japonesa.

— Hum, hum… até que não seria uma má ideia — comentário, tranquilo.

As duas param e me encaram.

— Peça ajuda para estudar. E não dormir com ele — explícito, levantando as mãos.

Letícia bufa, mas sorri. Heloísa me dá um soquinho no ombro.

— Isso é o mais próximo de um “sim” que vamos conseguir dela. Anotado.

— Vou mandar uma mensagem pra ele — Letícia diz, já pegando o celular.

— Você tem o número dele? — questionamentos, chocada.

– Claro. Nunca se sabe quando vamos precisar — ​​responda com aquele sorriso misterioso que me dá arrepios de preocupação.

— Acho que a Clarice deveria falar com ele pessoalmente — Heloísa sugere.

De fato, seria melhor… se não fosse pelo pequeno detalhe da última vez em que conversamos.

Flashback imediato.

Café Quente. Minhas mãos desastradas. Um tropeço idiota. A caneca balançando em câmera lenta.

E então: café direto nas calças dele.

E, como se não bastasse, minha evidência brilhante: tentar limpar com um pano seco, gaguejando um “desculpa, meu Deus, ai, me deixa ajudar” enquanto ele congelava no lugar, parecendo mais assustado com a minha tentativa de auxílio do que com a queimadura.

Ele ficou pelos corredores. Eu queria embora cavar um buraco e me enterrar viva dentro.

— Vocês esqueceram que eu literalmente joguei café quente nas partes baixas do garoto? — lembro, descobrindo o rosto nas mãos.

Letícia gargalha.

— Melhor forma de marcar o território que eu já vi.

— Não ajuda — resmungo, ainda sentindo vergonha alheia de mim mesma.

— Olha, ele nem parece traumatizado. Tá ali vivo, lendo e respirando. Já é um avanço — Heloísa comenta, espiando discretamente.

— Se fosse comigo, eu nunca mais teria pisado na faculdade — Letícia ri de novo. -- Mas já é um sinal de que você está aqui e ele também.

— Um sinal de que eu devo fugir sempre que ele aparece? — brinco.

Elas me olham sugestivamente, isso basta para que eu não queira saber os pensamentos delas.

Olho de novo para Augusto despreocupado lendo Brandon Sanderson, é claro que eu não consigo enxergar o nome do livro e do autor daqui, mas sei qual pelo simples fato de ter visto em cima da mesa dela uma hora atrás.

E droga, o cara é bonito, inteligente e tem os mesmos gostos literários que o meu.

Suspiro.

Bom, hoje eu vou conseguir um professor particular ou realmente um buraco para mim entrar vivamente.

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