Pov: Saulo Prado
— Saulo. — O meu assistente César, entra em minha na sala, seu olhar nervoso quase palpável. Levanto os olhos, já conhecendo o tom da sua voz.
— Fala — Minha resposta saiu mais seca do que gostaria. César hesita, como se o peso da mensagem o sufocasse.
— O seu pai... — Ele parece tentar suavizar, mas a hesitação no ar me diz tudo.
— Diga que não estou. — Volto ao meu trabalho, sem tirar os olhos dos papéis.
— Eu já disse isso antes, mas ele insiste, disse que é urgente... algo sério. Não vai tomar seu tempo. — Ele ainda hesita.
A palavra "sério" atravessa o ar e me faz parar por um momento. Estaria Fernando Prado doente? Uma dúvida surge, mas eu já conheço o jogo de meu pai. Por anos, ele foi somente uma sombra, e quando liga, quer urgência.
— Ok, pode passar a ligação. — Respiro fundo, tentando me preparar para o que está por vir.
Quando o telefone toca, meu coração acelera. Tento manter a voz firme, mas a apreensão toma conta.
— Alô! — Digo, meu tom grave, mas já com um toque de preocupação. Era estranho ele me ligar, ainda mais pedindo para ocupar a cadeira de um dos escritórios mais importantes da Capital.
No ramo da Advocacia em Fortaleza, é praticamente impossível falar sobre direito trabalhista e não citar o sobrenome Prado, fosse advogado ou o escritório, e naquela manhã, a oferta que meu pai fez, era quase irrecusável.
Cheguei à Prado enquanto a chuva caía. Meu pai me olhou atônito, incrédulo ao me ver ali. Mostrou-me cada canto da empresa e, por fim, a sala da atual advogada, representante da família ali, no Prédio Prado. Por mais que a proposta viesse dele, para mim, era estranho ter algo desta família.
Suspeitei que não houvesse alguém interessado ou que a empresa estivesse em declínio, mas, ao me sentar na cadeira acolchoada e macia, meus interesses se aguçaram naquele dilema.
— Então, filho? Gostou da sala? — Fernando Prado perguntou curioso.
Mantive-me atento à leitura dos relatórios e atualizações sobre a situação da Prado Advocacia.
— Mais tarde lhe direi se fico ou não.
Disse sem lhe dar atenção.
Notei que seus lábios se comprimiam, como tantas vezes fiz enquanto o esperava na infância. Apesar do abandono, sempre querem algo de nós.
Isso era inevitável pensar.
A manhã passou sem que eu percebesse. O silêncio ajudava. Mergulhei nos papéis, nos casos, analisando o que parecia ser o mais importante no momento.
O que Débora queria dizer com tudo aquilo tão exposto, tão acessível? Acessar materiais sem orientação me deixou um pouco perdido.
[...]
Pov: Angelina Garcia
Uma manhã tórrida se formava diante dos meus olhos enquanto ajeitava os óculos de aros vermelhos, ignorando as gotas de chuva que me encharcavam. Dias cinzentos sempre me remetiam a tristes lembranças.
O dia em que minha avó faleceu foi assim, mas não foi diferente quando chegou a notícia da morte do meu pai naquela tarde de verão.
A estação era quente, mas naquele dia estava frio e chuvoso. Por mais que os anos tivessem passado e eu tivesse me tornado esposa e mãe, nada havia mudado.
Sempre eram em dias cinzentos que as crianças adoeciam, e também foi num dia desses que eu cheguei tarde do trabalho não encontrando Raul em casa, chamei a vizinha perguntando, mas os gritos e gemidos falaram mais alto.
— Vamos... Porcaria, por que não funciona?! — reclamei, frustrada, tentando ligar o motor do carro. Eu precisava encontrar uma maneira de fazê-lo funcionar, mas sozinha, naquela estrada deserta, não passava nenhum carro. Ao menos a chuva era boa, quando contra a pele, amenizava o calor, que subia pelo meu corpo.
Eu não queria me arrepender de ter levado minha filha à faculdade, mas o sentimento que me dominava naquele momento era inevitável. Júlia sempre foi uma boa filha, e tudo o que eu fazia por ela não deveria parecer um fardo. Desde a separação, éramos apenas nós duas, cuidando uma da outra. Por que seria diferente agora?
Sem outra opção, aceitei a carona de um carro que passou. Deixei o velho mané à beira da estrada e, mais tarde, chamaria o guincho.
A senhora de cabelos grisalhos que dirigia a Kombi laranja me contou sobre sua rotina. Talvez oferecer carona fosse uma maneira de conversar com alguém sobre sua vida. Enquanto sorria cordialmente para ela, minha mente, no entanto, estava longe dali. Pensava nos julgamentos que me aguardavam ao chegar atrasada na Prado Advocacia. "Aproveitando-se da ausência da chefe para burlar os horários, Lina?"
" Está cansada Lina? Chegando tarde, talvez seja hora de aposentar."
Sempre houve bons e maus no ambiente de trabalho. Mesmo enquanto sorria para a senhora, minha mente pedia que ela dirigisse mais rápido. A sensação de não sair da área verde da cidade me angustiava.
Duas horas depois, estava diante do prédio negro e reluzente sob a claridade acinzentada do dia. Eram dez e meia da manhã. Suspirei profundamente. Débora nunca me chamaria a atenção por isso, mas os olhares julgadores começaram assim que entrei no elevador.
— Lina, o que aconteceu com a sua roupa? — perguntou a recepcionista do prédio, ela indicava onde fica o que em cada andar.
Sorri fraco e só então me olhei no reflexo. A blusa social branca, agora colada ao corpo encharcado, revelava meu sutiã de bojo rosa. Senti minhas bochechas queimarem diante dos olhos atentos do diretor financeiro, Alessandro Martinez, e sua assistente, ao entrar no elevador, e desde então não paravam de fazer perguntas.
— Chuva... meu carro quebrou — murmurei.
Fazia tempo que não reparava em como meus seios pareciam sexy com sutiãs assim, dão uma erguida neles. Escolhi essa peça na pressa, sem me atentar ao tom rosa bebê, mas como eu ia saber que ficaria exposto?
— Você deveria comprar um novo, Lina. Trabalha na empresa há tanto tempo... — comentou a assistente, insuportavelmente intrometida.
Revirei os olhos e ignorei. Era um verdadeiro saco parecendo um zumbi aquele homem e sua nova assistente falante.
— Sim, é verdade... — murmurei, desviando os olhos para os botões iluminados do elevador. A viagem parecia eterna.
Previ que Alessandro partilhava da mesma opinião que sua assistente. Então pigarreou antes de dizer: — É mesmo.
— Sim, é verdade. Tenho muita sorte, afinal, parece que trabalho bem. O senhor Prado e sua filha parecem muito satisfeitos com meu trabalho nesses anos. Imaginem se ficassem trocando de secretária o tempo todo... Você já está na qual mesmo? Oitava ou nona este ano?
Meus olhos desceram lentamente para o crachá abaixo dos seios fartos da jovem loira à minha frente.
— Ketlyn Oliveira? — li em voz alta, encarando o sorriso que morria em seus lábios pintados de vermelho. — Não era Rachel mês passado?
Ela respondeu, tentando manter a postura:
— A oitava e, se Deus quiser, a última.
O elevador parecia uma tortura. Depois de alguns minutos na companhia do insólito e sua inquieta assistente, agradeci mentalmente quando finalmente saíram.
Sozinha, suspirei e deixei minha bolsa de lado, aproveitando a solidão do lugar. Comecei a abrir os botões da blusa lentamente.
Mal cheguei ao terceiro botão quando o elevador apitou e as portas se abriram. Peguei minha bolsa apressada, segui pelo saguão, ouvindo o barulho do meu salto encharcados.
Passei a mão pelos cabelos molhados. Um resfriado estava a caminho, percebi pelo nariz esquentando. Deixei a bolsa sobre minha mesa, continuei abrindo a blusa, arrancando os saltos encharcados. Passei a mão pela saia lápis verde-musgo abrindo o zíper atrás, a deixei deslizar pelo meu quadril.
Sem prestar atenção aos detalhes, entrei na sala de Débora como se fosse minha própria casa. Já estava tão habituada ao espaço. Mas, ao arrancar a blusa molhada e atravessar a porta, um grito escapou da minha garganta.
— Ahhh!