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No Azul dos seus olhos
No Azul dos seus olhos
Por: Ana Bela
Capítulo 1 — O café da manhã que não terminou

Helena ajeitou a xícara de café na mesa da copa da empresa. Não era exatamente cedo — o expediente já havia começado há quase uma hora —, mas aquela pausa improvisada era sua tentativa de recuperar o fôlego antes de encarar a pilha de relatórios.

O barulho dos saltos apressados no corredor, as vozes que se sobrepunham nas salas vizinhas e a luz branca do escritório só reforçavam a sensação de desgaste que a acompanhava. Helena estava ali, mas parte dela parecia viver em outra dimensão — talvez no quarto do filho, onde deixara aquele pequeno corpo adormecido, antes de sair às pressas.

— Posso? — a voz masculina surgiu suave, quase musical.

Ela levantou o olhar. Adriano estava à porta, segurando sua própria xícara. Os olhos dele, claros como água de rio, refletiam uma mistura de calma e algo mais… um quê de mistério que a desconcertava.

— Claro — respondeu Helena, disfarçando o incômodo de ter sido surpreendida.

Ele se sentou diante dela. Era um homem que transmitia segurança sem arrogância. Gentil, às vezes até ingênuo, como quando se atrapalhava com a colher de açúcar. Mas, em certos momentos, parecia medir cada palavra, como se soubesse muito bem o efeito que causava.

— Está difícil hoje? — perguntou, quase como quem adivinha.

Helena hesitou. Adriano tinha esse jeito que a desarmava. Ele não era invasivo, mas parecia enxergar além do que ela mostrava.

— Nada que já não esteja acostumada — disse, tentando encerrar o assunto.

Ele apenas sorriu. Não insistiu, mas o silêncio que se seguiu foi mais revelador do que qualquer insistência.

A porta da copa abriu de repente. Clara, a estagiária do setor, entrou apressada, com uma pilha de papéis nas mãos.

— Adriano, o diretor pediu que você revise esses contratos antes da reunião das onze. — E então, olhando para Helena: — Ah, e a senhora também, Helena. Ele quer que os dois estejam juntos.

Clara saiu tão rápido quanto entrou, deixando no ar uma tensão inesperada. Helena e Adriano se entreolharam. Aquilo significava horas de trabalho lado a lado, em uma sala fechada, mergulhados em documentos… e no que não se podia dizer.

Adriano tomou o último gole de café e disse, com um brilho enigmático no olhar:

— Então, parece que o nosso dia só está começando.

Helena desviou o rosto, mas sentiu o coração acelerar.

A reunião de portas fechadas

A sala de reuniões estava fria demais para uma manhã de setembro. Helena puxou a manga do blazer, tentando disfarçar o arrepio que subia pelo braço. Na mesa, os contratos se empilhavam como um muro entre ela e Adriano.

O diretor Artur Vasques entrou pontualmente, como sempre. Alto, olhar penetrante e voz firme, era o tipo de homem que impunha silêncio apenas por estar presente. Colocou a pasta de couro sobre a mesa, abriu-a com calma e os encarou.

— Quero que vocês analisem cada detalhe. Não podemos correr riscos. — Sua voz tinha a frieza de quem não admite falhas.

Helena assentiu de imediato, enquanto Adriano manteve o olhar firme no diretor, sem pressa, como se soubesse que a calma também era uma forma de poder.

Por quase uma hora, mergulharam nos papéis. Helena lia, grifava, organizava. Adriano, por outro lado, lia devagar, fazia anotações curtas e só falava quando tinha certeza. Quando falava, porém, chamava a atenção até do diretor.

— Essa cláusula precisa ser revista. — Apontou uma linha com o dedo, a voz serena, mas cortante. — Se passar assim, teremos problemas sérios no futuro.

Artur ergueu as sobrancelhas. Não era comum alguém questionar com tanta segurança. Helena observou em silêncio. Adriano parecia ingênuo em certos momentos, mas, ali, mostrava outra face: estratégica, calculada, quase irresistível.

Enquanto o diretor revisava os apontamentos, Helena deixou escapar um suspiro. Adriano virou-se para ela, num gesto quase imperceptível, e murmurou:

— Respira. Eu sei que parece muito, mas você sempre dá conta.

Helena congelou. Ninguém dizia aquilo para ela. No trabalho, era comum ouvir cobranças, não incentivos. Nos últimos anos, até em casa, as palavras de apoio rarearam.

— Eu não costumo dar conta, não sempre — respondeu, mais para si mesma do que para ele.

Adriano não retrucou. Apenas a fitou com aqueles olhos claros que a deixavam desconfortável e segura ao mesmo tempo.

Foi então que Artur fechou a pasta com força, interrompendo o instante silencioso.

— Bom trabalho. Mas quero que os dois fiquem responsáveis por esse contrato até a assinatura. Isso significa que estarão juntos nesse projeto até o fim.

As palavras ficaram suspensas no ar. Helena sentiu o coração bater mais rápido. Trabalhar ao lado de Adriano, dia após dia, em reuniões e longas revisões… aquilo poderia ser um desafio maior do que qualquer cláusula de contrato.

Quando saíram da sala, Adriano caminhou ao lado dela.

— Parece que teremos muito tempo juntos — disse, com aquele meio sorriso que podia ser simples gentileza… ou algo além.

Helena desviou o olhar para o corredor cheio de passos e vozes, tentando ignorar o turbilhão que se agitava por dentro.

A advogada

Naquele fim de tarde, o escritório parecia mais silencioso que de costume. Muitos já haviam saído, mas Helena permanecia na mesa, cercada por anotações. Estava revisando pela terceira vez um parágrafo do contrato, quando ouviu passos firmes ecoando pelo corredor.

A porta se abriu sem aviso.

— Espero não estar atrapalhando. — A voz feminina era grave, segura.

Helena levantou os olhos e se deparou com uma mulher de presença marcante. Lígia Martins, a advogada da empresa, entrou trazendo consigo uma pasta fina e um sorriso que não era exatamente simpático, mas sedutor.

Alta, cabelos negros presos em um coque impecável, olhos delineados. Vestia-se com elegância sem esforço — o tipo de mulher que parecia dominar qualquer espaço.

— Oi, Lígia — Adriano respondeu, erguendo-se da poltrona ao lado. O tom dele era caloroso, familiar, como quem reencontra uma velha conhecida.

Helena sentiu um aperto no estômago. Não sabia explicar se era desconfiança ou apenas um instinto de comparação.

— Vim trazer as alterações solicitadas pelo jurídico externo. — Lígia colocou a pasta sobre a mesa, mas os olhos demoraram mais em Adriano do que nos documentos. — Faz tempo que não nos encontramos fora das reuniões.

— É verdade. — Ele sorriu de volta, discreto, mas suficiente para que Helena percebesse algo não dito.

A advogada então voltou-se para Helena, com polidez ensaiada:

— Você deve ser Helena, não é? Já ouvi falar do seu trabalho.

Helena assentiu, um pouco surpresa. — Sim, prazer.

— Prazer. — Lígia estendeu a mão. Seu aperto era firme, calculado. — Sei que vai ser um desafio, mas pelo que dizem, você é incansável.

A palavra soou como elogio, mas Helena percebeu a ponta de condescendência escondida.

Enquanto trocavam formalidades, Adriano permanecia em silêncio, observando. Mas quando Lígia recolheu alguns papéis e se aproximou dele, inclinando-se demais para mostrar uma anotação, Helena sentiu algo arder dentro de si. Não era ciúme declarado — ainda não poderia ser —, mas uma inquietação profunda.

Quando Lígia saiu, deixando perfume no ar, o silêncio permaneceu.

Helena tentou retomar a leitura, mas não conseguiu evitar a pergunta:

— Você já conhecia a doutora Lígia de antes?

Adriano a fitou por um instante longo demais. Depois respondeu com naturalidade:

— Sim. Trabalhamos juntos em um projeto antigo. Ela é muito competente.

O jeito como disse “competente” poderia ser apenas profissional, mas no coração de Helena, ecoou de outra forma.

Ela baixou os olhos, voltando para os papéis. Mas, pela primeira vez, o texto parecia ilegível.

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