003

O rugido do jato particular se desfez ao tocar a pista, como uma fera finalmente domada.

Por dentro, o luxo era quase obsceno. Couro bege, madeira reluzente, taças de cristal. Tudo desenhado para o prazer. Mas sobre um dos sofás, jazia inconsciente uma figura feminina. Svetlana. Pele gelada. Pulso fraco. Beleza em ruínas.

Uma boneca de porcelana presa numa gaiola de ouro.

— Abre a porta —ordenou o mais corpulento, com voz rouca e olhar vazio. Levantou-a como se não pesasse nada. Nem sequer se incomodou com o toque da pele dela contra a sua.

Um dos homens abriu a porta da van preta. Svetlana foi colocada com um falso cuidado no banco traseiro. Como se importasse.

A porta se fechou com um “clac” que selou seu destino.

Os outros subiram. Um ao volante, outro ao lado. Dois a flanqueá-la. O motor ronronou suavemente, como um predador satisfeito. O veículo devorava a estrada, deslizando como uma sombra entre sombras.

Ninguém falava.

Até que o tédio venceu a tensão.

— Tô morrendo de fome —bocejou o copiloto. — Podemos parar um segundo?

O motorista o fulminou com o olhar.

— Por que não comeu no jato?

— Aquilo? Nem a russa quis. Jogou no chão.

Tentou rir. Ninguém acompanhou. O silêncio o esmagou.

Finalmente, o motorista desviou para uma loja iluminada por uma placa em italiano.

— Cinco minutos. Não mais.

Dois dos homens desceram. O outro bufou.

— Rápido. Já estamos atrasados. Temos que entregar o pacote.

Mas o “pacote” já não dormia.

Svetlana despertou num silêncio absoluto. Não abriu os olhos de imediato. Sentiu cheiro de couro. Ouviu motores. Ouvia italiano.

Estava em movimento. Sequestrada. Viva. Ainda.

Abriu os olhos. Dois homens. Uma porta ao lado.

Contou até três.

E se lançou.

O clique da maçaneta soou como um disparo.

— Merda! —gritou um dos homens. — Eu disse pra ativar o travamento!

Tarde demais.

Svetlana rolou no asfalto, sentindo o frio morder suas pernas nuas. Correu.

Correu como se sua alma estivesse para explodir.

— Peguem ela!

O copiloto correu atrás. Desajeitado. Pesado. Mais atrás, os outros dois homens saíam da loja e se juntavam à perseguição.

Svetlana não olhou para trás.

Apenas corria.

A paisagem era um abismo de asfalto e floresta. Placas em italiano. Já não estava na Rússia. Estava sozinha. Sem Deus. Sem pátria.

E sem salvação.

Então ela viu. Um bar pequeno. Iluminado. Como um farol na escuridão.

Empurrou a porta com o corpo inteiro.

Aiuto! —gritou, ofegante. — Help! Please! Men… chasing me…!

Três homens a encararam. Um se levantou. Grande. Rústico. Cara de poucos amigos.

— Que diabos…?

Please! —suplicou ela. — Hide me!

Um apontou para um móvel, sem dizer palavra. Svetlana se atirou até ele. Se enfiou atrás. Respirava como uma presa ferida.

A porta se escancarou.

Três homens entraram. Armados. O vento entrou com eles, trazendo o cheiro da tempestade.

— Entreguem a garota —disse um, sem rodeios. — Não queremos problemas.

O homem do bar estreitou os olhos.

— Que garota?

— Não brinca. Vimos ela entrar.

Um dos clientes abaixou o olhar para a mão do recém-chegado. Reconheceu o anel. Engoliu seco.

— ‘Ndrangheta —sussurrou ao ouvido do companheiro.

Silêncio. Tenso. Letal.

O terceiro assentiu com a cabeça. E a entregou.

— Ali.

A arrastaram como a um animal. Svetlana chutou, arranhou, gritou. Ninguém interveio.

Apenas olhares desviados. Silêncio cúmplice.

O homem que tentou salvá-la cerrou os punhos. As veias no pescoço saltavam como cicatrizes.

Não disse nada.

Mas seus olhos queimavam.

Porque às vezes o medo cala.

Mas a raiva não esquece.


★★★★★


O quarto cheirava a uísque caro, couro antigo… e raiva contida.

Dante se deixou cair na poltrona como se todo o peso do inferno tivesse despencado sobre seus ombros. Esfregou as têmporas. Líder. Uma palavra que lhe caía como uma coroa de espinhos. Um trono herdado à força de sangue. E agora, manchado com o dele.

Uma batida seca na porta o tirou da tormenta mental. Breve, mas suficiente para deixá-lo tenso.

— Sou eu, filho.

A voz da mãe não trazia consolo. Trazia guerra.

Dante se levantou de imediato. Abriu a porta. E lá estava ela.

Mirella Bellandi.

Imponente. Fria. Vestida de luto como uma rainha destronada… que ainda planejava retomar o trono.

— O que foi, mãe? — perguntou, fingindo firmeza.

Ela entrou sem pedir licença. Como sempre.

— Precisamos conversar.

Dante fechou a porta em silêncio. Quando Mirella falava assim, alguém sairia ferido.

— É sobre Enzo —disparou ela, sem rodeios.

— O que tem ele? Está bem?

— Ele está. Você não. Pelo menos, não enquanto esse menino continuar respirando sob este teto.

Dante franziu a testa, o coração apertado.

— Do que está falando?

— Que seu pai errou ao trazê-lo pra cá. E você, ao mantê-lo. Esse menino é uma bomba prestes a explodir.

— Ele tem nove anos! — rugiu, incrédulo.

— E é filho da Olivia. Ou já esqueceu quem é essa mulher? Gianluca está morto por culpa dela. Se não fizer algo… você pode ser o próximo.

Dante a olhou como se não a reconhecesse.

— Tem provas? Ou só está cuspindo veneno porque não aguenta que papai amou outra?

— Tenho instinto. O mesmo que já salvou minha vida mais de uma vez —disse, impassível. — Se não pode matá-lo, ao menos afaste-o. Antes que seja tarde.

— É uma criança, caralho… meu irmão!

— Não é seu irmão. É uma ameaça. Ainda não. Mas será.

Dante desviou o olhar. As mãos tremiam. Não de medo. De fúria. De nojo. De impotência.

— Não vou fazer isso —disse por fim, com voz grave. — Não quero mais falar sobre isso.

Mas ela ainda não tinha terminado.

— Então vamos ao que importa: você precisa de um herdeiro.

Ele riu. Seco. Sem alegria.

— Vai decidir também com quem eu devo transar?

— Quero garantir que o nome Bellandi não morra com você.

Dante inclinou a cabeça. Sorriu com ironia.

— Tem o Enzo. Ele também é um Bellandi… ou já esqueceu?

O rosto de Mirella se transformou. Empalideceu. E então, incendiou.

— Prefiro que arranquem minha alma a ver aquele bastardo liderar este clã! — bradou, cada palavra uma lâmina. — Nunca mais insinue que esse menino tem algum direito.

Dante ficou em silêncio. A frase fora apenas uma provocação… mas acabara de acertar o único ponto fraco de sua mãe.

Ela avançou até ele. Os olhos eram gelo. A voz, puro veneno.

— Pense, Dante. Antes que não reste nada a proteger. Nem nome. Nem trono. Nem vida.

E saiu. De costas, sem olhar para trás. Como fazem os carrascos quando a sentença já foi dada.

Dante ficou sozinho. O copo de uísque tremia em sua mão.

E o eco de suas próprias decisões começava a mordê-lo pelos calcanhares.

★★★★★

O rugido de um motor cortou o ar gelado da noite. A van preta, blindada e luxuosa, parou diante da entrada principal da villa Bellandi. Imponente, isolada do mundo, a propriedade erguia-se como uma fortaleza em meio a terras selvagens. Um reino de segredos. De traições.

Dois homens desceram primeiro, armados até os dentes. Seus passos ressoavam com a firmeza de quem está pronto para matar. Atrás deles, Svetlana. Era arrastada entre outros dois, os pulsos atados com força, as pernas nuas tremendo de frio. O corpo mal coberto. A dignidade, despedaçada. A mente, em ruínas.

O que diabos estava acontecendo? Sua respiração era irregular, o medo e a incompreensão embaralhavam seus pensamentos. Aquilo não podia ser real, pensou. A ideia de que aquele doente, aquele psicopata, finalmente a havia capturado rondava sua mente, mas algo não se encaixava. Aqueles homens não eram da Bratva. Ela podia sentir. Então, quem diabos eram?

— Anda —ordenou um deles, com uma voz tão cortante quanto aço.

Svetlana hesitou. Mas um empurrão brutal a obrigou a se mover. A névoa do medo se adensava ao seu redor. Cada passo era um eco de condenação. Mas também contava. Contava os rostos. As saídas. Os corredores.

Uma imensa porta de madeira se abriu com um leve clique. Um corredor sombrio a envolveu, com paredes frias como túmulos. Conduziram-na até um cômodo onde o silêncio se tornava ainda mais pesado.

Passos ecoaram. Da penumbra surgiu uma mulher. Cinquenta anos, talvez mais. Elegante. Fria como mármore. Seus olhos foram feitos para julgar.

— É ela? —perguntou, sem emoção.

Os homens assentiram.

— Onde estou? O que querem de mim? — perguntou Svetlana em russo, com a voz dilacerada.

A mulher não respondeu. Apenas fez um gesto, e a empurraram para dentro.

O cômodo cheirava a pedra úmida, a cativeiro antigo. Svetlana permaneceu em pé. Trêmula. Mas digna.

— Não me toquem! Me soltem! — gritou.

A mulher levantou a mão para lhe dar um tapa, mas uma voz masculina a deteve.

— Com cuidado, Giulia. Não estrague o presente do nosso chefe.

Do sofá se levantou um homem alto, de ombros largos, com o olhar de quem já deu ordens demais para que alguém se atreva a questioná-las. Sua voz grave impunha respeito. E medo.

— Você está em Aspromonte, menina —disse em inglês, enquanto a rodeava como a uma presa.

Seu olhar era uma lâmina. Seus olhos, frios. Cada passo que dava carregava uma ameaça muda.

— Olhe pra mim —ordenou.

Svetlana ergueu os olhos. E viu algo nele. Algo que não era humano. Era outra coisa. Algo mais escuro.

— A partir de agora, você é propriedade de Dante Bellandi. Vai fazer o que ele mandar. Quando ele quiser. Como ele quiser.

Uma risada sufocada tentou escapar de seu peito, mas virou fúria. Outro mafioso obcecado por ela? O que havia em sua maldita vida que atraía psicopatas como moscas para o sangue?

— Eu… não entendo… Por que eu?

— Você não precisa entender. Só obedecer —respondeu ele. — Todas as manhãs, deveria agradecer ao nosso signore por ainda poder respirar.

Svetlana sentiu o chão tremer sob seus pés.

— Hoje começa sua nova vida —disse o homem, com um sorriso sinistro. — À mercê do Don.

— Don do quê?

— Do clã Bellandi. De Reggio Calabria.

Svetlana empalideceu.

— A ‘Ndrangheta? — sussurrou, mais para si do que para os outros.

O homem sorriu.

— Aqui, quem não é leal… é eliminado. Esmagado. Torturado. E depois, esquecido.

— Vocês não podem fazer isso comigo! — gritou, lutando.

— Calma, piccola. Isso pode ser o paraíso… ou o inferno. Você escolhe.

— Me deixem em paz! Eu não sou um objeto! — cuspiu entre soluços.

O homem se inclinou até ela, o hálito quente como uma ameaça.

— Tirem a roupa dela. Deem banho. Alimentem. E preparem-na. Amanhã, verá seu novo dono.

Os guardas a agarraram com força. Ela se debateu. Lutou. Gritou.

Mas não foi suficiente.

Enquanto a arrastavam, a fúria começou a despertar em seu peito. Fogo sob a pele.

Talvez ainda não pudesse fugir.

Mas se render? Jamais.

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