O calor morno da manhã se espalhava devagar pela vila, como se o próprio tempo ali obedecesse a um compasso mais preguiçoso e sensual. O céu era de um azul impossível, tão profundo que parecia dissolver-se sobre o mar adormecido, enquanto, na praça principal, as barracas de lona colorida começavam a abrir-se, uma a uma, como flores tropicais se desabrochando ao primeiro beijo da luz.
Min Jae-Hyun caminhava devagar, os passos silenciosos sobre o calçamento de pedras irregulares, as mãos metidas nos bolsos da calça de linho clara, o olhar atento a cada detalhe do que, para ele, era um universo novo e fascinante.
O aroma de frutas maduras — manga, goiaba, carambola — misturava-se ao cheiro amadeirado das esculturas expostas nas bancas: peças de cedro, de jacarandá, moldadas por mãos que guardavam, em seus calos, gerações inteiras de sabedoria artesanal. O som ritmado de um pandeiro se aproximava, vindo de algum músico escondido sob a sombra larga de uma amendoeira. Tudo ali era vida pulsante, um convite a se despir das pressas, das estruturas rígidas de onde viera.
Ele parou, diante de uma banca onde um senhor idoso trançava habilmente fibras de palha, criando cestos, bolsas, esteiras. Ficou um tempo observando, o corpo ligeiramente inclinado, como quem reverencia a delicadeza do gesto. O homem, sem levantar os olhos, sorriu, percebendo o interesse silencioso do estrangeiro.
— Bonito, né? — disse, o português arrastado pela gíria praiana.
Jae-Hyun retribuiu o sorriso com um aceno respeitoso. Seu sotaque carregado de Seul soou quase tímido quando arriscou:
— Muito… bonito. Feito à mão?
O homem soltou uma risada rouca.
— Tudo à mão, meu amigo. Aqui a gente faz com o coração.
Jae-Hyun assentiu, tocando com delicadeza uma das bolsas de palha, a textura áspera contrastando com a maciez da pele de seus dedos longos e cuidadosos — os mesmos que, dentro de poucos dias, iriam manusear com igual precisão as lâminas afiadas e os ingredientes sensíveis no pequeno restaurante que montava ali, à beira da praia.
Seguiu caminhando, sem pressa, os olhos famintos absorvendo cada nuance do cenário: fitas coloridas do Senhor do Bonfim tremulando nas bordas de uma barraca, brincos de penas vibrantes, vestidos fluidos com estampas tropicais que pareciam desenhar o próprio calor da tarde. A música agora se misturava à fala arrastada dos vendedores, ao riso solto das mulheres que rodavam saias e ofereciam cocadas ainda mornas sobre folhas de bananeira.
Parou novamente, desta vez atraído por uma banca de quadros. O artista, um homem de torso nu e pele escura, finalizava uma pintura onde o mar azul se encontrava com uma morena de traços fortes e olhos fechados, como se se entregasse ao sol. Jae-Hyun ficou ali, em silêncio, sentindo-se tocado por aquela expressão de abandono, como se o corpo da mulher na tela tivesse, de fato, calor e desejo próprios.
— Quer levar? — perguntou o artista, o pincel ainda pingando tinta.
Jae sorriu, negando com gentileza.
— Só olhar…
E continuou olhando, como quem tenta decifrar um idioma novo, não apenas com a mente, mas com a pele.
Quando desviou o olhar, deu-se conta de um cheiro que invadia a brisa quente: um perfume doce, adocicado, que se misturava ao sal do ar e ao calor da madeira exposta ao sol. Seguiu o aroma como quem é puxado invisivelmente, até encontrar uma mulher de cabelos negros e pele dourada, preparando garrafinhas de cachaça artesanal em infusões coloridas: hibisco, maracujá, pimenta.
Ela sorriu para ele, os dentes brancos destacando-se contra o batom carmim.
— Quer provar?
Ele hesitou um segundo, depois aceitou o pequeno copo que ela lhe ofereceu. O líquido queimou suavemente sua garganta, deixando um rastro quente que parecia se alastrar até o centro do peito.
— Forte… — comentou, num português ainda inseguro, mas suficiente para arrancar dela uma risada generosa.
— Assim como a nossa gente… — respondeu, piscando, antes de virar-se para atender outro cliente.
Jae continuou andando, os sentidos saturados por uma vibração que não conhecia. Ali, tudo era excesso: as cores, os cheiros, os sons, os corpos, o calor. E, ao mesmo tempo, tudo fluía com uma leveza que ele invejava, uma espontaneidade natural, como o balanço do mar ou o voo preguiçoso de uma gaivota.
Parou novamente diante de um pequeno palco improvisado, onde um grupo ensaiava passos de samba. As pernas ágeis das mulheres, os quadris soltos, os sorrisos abertos — tudo aquilo o hipnotizava. Ficou ali parado, por longos minutos, até que uma delas, jovem, cabelos cacheados e flores presas atrás da orelha, puxou-o pela mão com uma alegria irresistível.
— Vem! Só um passinho!
Ele riu, sem conseguir recusar, e deixou-se levar para o centro da roda, tentando, sem muito sucesso, imitar os movimentos rápidos e sinuosos dos quadris da moça, que o guiava, rindo, enquanto os outros batiam palmas e incentivavam.
— Solta! Solta! — gritavam, entre gargalhadas.
E ele tentou soltar. E, naquele momento, percebeu: não era apenas o corpo que precisava ser solto, mas algo mais profundo — um tipo de controle que ele vinha carregando como uma couraça, forjado pelos anos na cidade, no rigor da disciplina, na frieza da eficiência.
Deixou-se rir com eles, suar com eles, girar com eles.
Quando finalmente escapou da roda, o coração batia acelerado, não apenas pela dança, mas por algo mais difícil de nomear — um encantamento que, lentamente, ia se infiltrando sob sua pele.
Caminhou então até a beira da praça, onde algumas redes estavam estendidas à sombra, e sentou-se, permitindo-se observar de longe, como quem grava mentalmente cada textura, cada som. Passou a mão pelos cabelos negros, sentindo a pele úmida do suor e do sol, e fechou os olhos por um instante, deixando-se invadir pela vibração daquele lugar.
Quando abriu os olhos novamente, viu, a alguns metros, uma figura que não reconheceu de imediato, mas que o fez manter o olhar fixo: uma mulher, de vestido claro, caminhando distraída entre as barracas, os pés descalços, a pele dourada pelo sol.
Ele não sabia ainda, mas aquela mulher era Bruna. E aquele era o início de algo que ele sequer ousaria imaginar.
Por ora, apenas a seguiu com os olhos, enquanto o cheiro doce de frutas e cachaça se misturava ao sal que ainda carregava nos lábios.
E, pela primeira vez desde que chegara àquela vila, soube que, mais do que um restaurante, talvez estivesse ali para abrir um espaço dentro de si.