A luz do fim da tarde invadia o quarto através das persianas de madeira, desenhando listras douradas sobre o lençol branco amarrotado, ainda úmido do corpo de Bruna que, há pouco, repousava ali em uma tentativa falha de cochilo. A brisa que soprava do mar balançava preguiçosamente as cortinas leves, espalhando no ar o perfume salgado misturado ao aroma doce do óleo de coco que ela passara na pele após o banho.
Bruna estava sentada na pequena varanda da pousada rústica, as pernas nuas apoiadas no encosto da cadeira, a pele ainda ardendo suavemente sob o bronze do sol. O celular vibrava sobre a mesinha de madeira, insistente, até que ela esticou a mão, sem pressa, os dedos longos, as unhas curtas, naturais.
Na tela, um nome familiar: Gabi.
Sorrindo sozinha, Bruna aceitou a chamada de vídeo.
O rosto bronzeado e sempre animado da amiga surgiu na tela, os cabelos cacheados presos num coque alto e um par de brincos coloridos balançando com o movimento de sua fala.
— Bru! Finalmente você me atende! — exclamou Gabriela, abrindo um sorriso que parecia alargar-se ainda mais sob o sol que entrava pela janela de onde ela falava.
Bruna soltou uma risada baixa, passando os dedos pelos cabelos ainda molhados.
— Gabi… eu tô aqui numa outra frequência… parece que o tempo desacelera nesse lugar.
Gabi inclinou o rosto, curiosa.
— E aí, tá gostando?
Bruna olhou ao redor antes de responder, como quem precisasse checar novamente se aquele cenário paradisíaco era mesmo real: a vista para a enseada, o som contínuo das ondas quebrando suavemente, os coqueiros dançando ao vento e os pássaros lançando notas agudas no ar morno da tarde.
Voltou os olhos para a amiga, com um sorriso suave.
— Eu tô amando. Acho que nunca me senti tão… solta.
Gabi riu com malícia.
— Solta… ou solitária?
Bruna mordeu o canto do lábio, sem pressa de responder, deixando o silêncio se insinuar com o mesmo ritmo lânguido com que a brisa levantava os fios do seu vestido de algodão branco, fino, quase transparente.
— Sozinha, sim… mas estranhamente bem.
Gabi aproximou ainda mais o rosto da câmera, os olhos brilhando de cumplicidade.
— Mas olha… eu tenho uma proposta irrecusável!
Bruna arqueou uma sobrancelha, curiosa.
— Proposta?
— Eu e o Luca decidimos ir praí! — anunciou Gabriela, batendo palmas como uma criança.
Bruna soltou uma gargalhada, deixando a cabeça cair para trás, os cabelos se espalhando pela cadeira como um manto escuro e úmido.
— Mentira! Jura?
— Juro! Tava tudo meio incerto, mas o Luca conseguiu uns dias off… e, sinceramente, a gente precisa de uns dias de praia, de aventura… e de você!
O coração de Bruna acelerou, mas não pelo anúncio em si, e sim pela ideia da chegada: presenças queridas preenchendo o espaço até então só dela, misturando-se com a paisagem, o sal, a areia.
— Quando? — perguntou, a voz mais animada do que imaginava.
— Depois de amanhã!
Bruna arregalou os olhos, rindo de incredulidade.
— Doida!
— A gente é assim mesmo. E você vai adorar. A vila é do jeito que eu imaginei?
Bruna olhou mais uma vez para o horizonte, como se a cada nova pergunta fosse necessário reafirmar, através dos sentidos, o que vivia ali: o calor da pedra sob os pés, o rumor incessante do mar, o gosto de água de coco ainda recente na boca.
— É… melhor do que você imaginou. É um lugar… vivo, sabe? Como se tudo aqui tivesse mais cor, mais cheiro… mais corpo.
Gabriela riu, meneando a cabeça.
— Isso, amiga… já tá até falando como uma nativa! Vai se soltar ainda mais…
Bruna sorriu, mas sem deixar que Gabi percebesse a sombra de tensão que, de vez em quando, ainda a atravessava. O fim do relacionamento tóxico que deixara para trás parecia, ali, na praia, uma memória distante, quase irreal, mas vez ou outra voltava — não como dor, mas como uma cicatriz ainda sensível.
Gabriela a observou em silêncio por alguns segundos, como se pudesse lê-la além da tela.
— Bru… eu tô tão feliz que você foi. Você precisava desse lugar, desse tempo… e agora, olha só, a gente vai estar aí com você!
Bruna suspirou, sentindo, pela primeira vez em dias, uma alegria genuína, livre de culpas ou medos.
— Também tô feliz, Gabi. De verdade.
— Então já marca! Vamos sair! Quero ver tudo: as praias, as trilhas, os bares…
Bruna riu, ajeitando o vestido sobre as coxas.
— Pode deixar… assim que vocês chegarem, a gente se encontra na feirinha de artesanato. Tem umas coisas lindas… e um pôr do sol que você vai pirar.
Gabi sorriu largo.
— Fechado! Até breve, minha linda!
Bruna desligou a chamada e ficou por alguns instantes com o celular repousado sobre o colo, o olhar perdido na linha incerta onde o mar tocava o céu.
Sentia, pela primeira vez em meses, uma antecipação gostosa, aquela vibração quente sob a pele que anunciava não o medo, mas a possibilidade.
A brisa levantou novamente as cortinas, e o perfume do maracujá que alguém cultivava no jardim invadiu o quarto, misturando-se ao aroma doce de sua pele recém-bronzeada.
Levantou-se, esticando o corpo lentamente, as pernas longas desenhando-se sob o vestido leve.
Caminhou até a varanda e apoiou os antebraços no parapeito, deixando que o vento erguesse os cabelos e o sol queimasse suavemente os ombros.
Lá embaixo, na rua de pedras, crianças corriam descalças, cachorros brincavam e, ao longe, um homem de cabelos negros passava sozinho, as mãos nos bolsos, os olhos atentos ao mundo, como quem acabara de chegar.
Ela não sabia, mas aquele homem cruzaria seu caminho muito em breve, num encontro cheio de silêncio, tensão e desejo.
Mas, por ora, apenas sorriu, sentindo-se viva, inteira, pronta.
E ali, entre o calor da tarde e o chamado silencioso do mar, soube que a sua nova história, finalmente, começava a ser escrita.