O sol escorria pelas frestas das persianas, tingindo de âmbar o espaço vazio que, em breve, seria preenchido por mesas, aromas e vozes. Min Jae-Hyun despertou antes que o barulho do mar cedesse lugar aos sons da vila acordando: os passos leves dos pescadores indo para a enseada, o apito estridente de um padeiro distraído, o arrastar das cadeiras de palha dos quiosques que se instalavam na areia com a resignação de quem conhece bem a rotina.
Acordou deitado no velho colchão improvisado, ainda com os braços cruzados atrás da cabeça, como se, mesmo adormecido, protegesse o espaço onde sonhava construir algo inteiramente novo.
Levantou-se com um movimento ágil, ainda nu, e caminhou pela casa vazia, sentindo sob os pés descalços o frio áspero do piso de cimento queimado. O cheiro de poeira e madeira envelhecida misturava-se ao sal suspenso no ar, enquanto a luz se insinuava lentamente pelos cantos do futuro restaurante.
Abriu a porta dos fundos e, pela primeira vez, atravessou o pequeno quintal que delimitava o terreno. O chão irregular, coberto por folhas secas de amendoeiras e raízes expostas, levava até uma trilha que descia suavemente em direção ao mar.
Parou por um instante. Respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar saturado de maresia e vida.
Havia algo naquela vila que não conseguia nomear, mas que reconhecia com o corpo.
Um tipo de energia crua, bruta, não domada, que o puxava como um ímã silencioso.
Caminhou pela trilha, as mãos nos bolsos da bermuda, sentindo o calor do sol invadir os ombros expostos e o vento bagunçar os fios negros, ainda desalinhados pelo sono.
As casas se espalhavam pela encosta de forma desordenada, cada uma com sua própria personalidade: algumas caiadas de branco, com portas coloridas que denunciavam o espírito boêmio dos donos; outras, velhas e esquecidas, como carcaças do tempo.
Mas o que mais o impressionava era a ausência de pressa.
As pessoas caminhavam com os pés descalços, os corpos à mostra, bronzeados pelo excesso de sol e de vida.
Os olhares eram diretos, curiosos, mas sem invadir.
Jae-Hyun gostava daquilo.
Passou por uma praça onde uma senhora vendia cocadas sobre uma mesa de madeira, sorrindo para ele com dentes falhos e olhos calorosos. Respondeu com um aceno discreto e seguiu adiante, atravessando a vila até chegar à orla.
Ali, de frente para o mar, havia um antigo sobrado, abandonado, parcialmente escondido por uma fileira de coqueiros.
Parou.
Aproximou-se lentamente, contornando o portão de ferro enferrujado, e apoiou as mãos na madeira úmida da varanda.
O lugar era… perfeito.
As janelas amplas abriam-se diretamente para a praia, e o piso superior possuía uma sacada de onde, imaginou, poderia ver o pôr do sol enquanto preparava pratos lentos, sem a pressa das metrópoles, apenas guiado pelo som do mar e pela respiração de quem ali se sentasse.
Entrou, empurrando uma das portas entreabertas, e o rangido das dobradiças quebrou o silêncio, como o início de uma partitura.
O chão de tábuas antigas estalou sob seus pés, mas resistia, firme.
Janelas abertas, cortinas esgarçadas pelo tempo, o cheiro familiar de madeira e sal.
Jae-Hyun girou lentamente sobre os próprios calcanhares, observando cada detalhe: os arcos rústicos, o balcão antigo, o pé-direito alto.
Podia ver com nitidez as mesas dispostas sob a luz suave de luminárias de palha, os clientes chegando de chinelos e pele dourada, o aroma de óleo de gergelim se misturando ao do mar fresco.
Poderia servir sashimi cortado na hora, caldos feitos com peixe do dia, legumes grelhados com molho de missô.
Tudo fresco.
Tudo simples.
Tudo sensual.
Sim, pensou, ali seria.
A escolha não foi racional, mas física, intuitiva, como quando se reconhece, à distância, um corpo que já se deseja antes mesmo do toque.
Saiu da casa e sentou-se na mureta de pedras, olhando o mar espreguiçar-se lentamente na areia.
Passou a mão pelos cabelos, respirando com a satisfação silenciosa de quem acabou de tomar uma decisão irrevogável.
O sol subia, tingindo de ouro a pele morena de seu peito exposto.
Pegou um caderno de anotações do bolso e, com a letra inclinada, escreveu:
“Restaurante: aqui. De frente para o mar. Cozinha aberta. No máximo oito mesas. Coisas que exijam o tempo certo: fermentações, caldos, marinar.”
Fechou o caderno e olhou novamente o espaço ao redor.
Poderia transformar aquele sobrado abandonado em um refúgio onde a comida e o tempo teriam outro significado.
Onde os encontros seriam menos sobre o que se come e mais sobre quem se é, quando se come.
Levantou-se e começou a caminhar de volta, mas não pela trilha mais rápida.
Seguiu, em vez disso, por um caminho sinuoso, que o levou à feirinha de artesanato, onde pequenas barracas de madeira e palha se dispunham sob a sombra generosa de árvores centenárias.
Ali, mulheres trançavam pulseiras de linha colorida, vendiam vestidos bordados e pequenos objetos talhados em conchas e pedras.
Passou lentamente, observando os detalhes, deixando que os olhos tocassem os tecidos, que as mãos deslizassem pelas superfícies irregulares das peças.
Foi então que a viu, de relance.
Um corpo feminino, de vestido claro, cabelos longos e úmidos caindo pelas costas, passando por entre as barracas com uma elegância distraída, como quem não carrega peso algum.
Por um instante, o tempo pareceu suspender-se, como uma onda que hesita antes de quebrar.
Jae-Hyun franziu levemente o cenho, acompanhando o movimento dela sem ousar invadir.
A mulher — que ele ainda não sabia se chamar Bruna — virou uma esquina e sumiu, como uma aparição que a própria vila criara só para provocar um homem que chegara de tão longe.
Ele permaneceu parado, o coração batendo um pouco mais rápido, os pés enraizados ao chão de terra batida, os olhos fixos no vazio deixado pela passagem dela.
E, naquele momento, percebeu que havia mais naquele lugar do que arquitetura e paisagens: havia desejo, havia encontro, havia tensão.
E, sobretudo, havia a possibilidade de uma vida inteira que ele ainda não conhecia, mas que, agora, ardia silenciosa, logo abaixo da pele.
Sorriu, voltou os olhos para o sobrado ao longe, como quem confirma para si mesmo:
— Sim, será ali.
E, sem olhar mais para trás, seguiu pela rua de pedras, com o corpo inteiro tomado pela excitação invisível de quem sabe que acabou de escolher não apenas onde trabalhar, mas onde, finalmente, viver.