O táxi improvisado — uma velha Kombi azul, com a pintura descascada e as janelas sempre abertas — deixou Min Jae-Hyun no começo da rua de pedras, onde as casas se espalhavam como conchas largadas pelo mar. A vila era pequena, quase esquecida, protegida pela muralha natural das dunas e acariciada incessantemente pelo vento salgado.
Ele desceu da Kombi com um movimento contido, ajeitando a alça da mochila de lona sobre o ombro e lançando um olhar lento ao redor, como quem mede um espaço não apenas com os olhos, mas com o corpo inteiro.
O ar ali tinha peso e textura: uma mistura de maresia, terra úmida e o perfume adocicado das amendoeiras que sombreavam a praça central.
Vestia-se com a simplicidade de quem sabe que carrega, na própria presença, um tipo silencioso de poder: uma camiseta cinza de algodão, levemente amassada, jeans escuros e um par de tênis brancos que já haviam conhecido outras tantas cidades, outras tantas partidas.
Os cabelos negros, desalinhados pela viagem, caíam sobre a testa e os olhos amendoados que, ao mirarem o horizonte, pareciam sempre esconder uma história não contada.
Min Jae-Hyun tinha vindo de longe — fisicamente e, sobretudo, emocionalmente.
Seus amigos em Seul diziam que era loucura largar tudo, fechar o pequeno bistrô que havia levado anos para tornar respeitado, e mudar-se para um país cuja língua mal dominava, para uma vila que nem mesmo figurava nos guias turísticos.
Mas ele precisava desse deslocamento.
Precisava da pureza radical de um recomeço.
E ali estava ele, diante do sobrado branco que, por enquanto, era apenas promessa: o restaurante que ainda não existia, a cozinha que ainda não respirava.
Passou a mão pela parede fria e sentiu a aspereza da tinta descascada, as trincas discretas que o tempo esculpira.
Sorriu.
Sabia que aquele lugar tinha alma.
As janelas azuis, de madeira maciça, ainda fechadas, guardavam o silêncio que logo se tornaria ruído de panelas, cheiro de gengibre tostado, óleo quente sibilando ao receber a pele fria dos peixes recém-pescados.
Entrou.
O espaço era pequeno, uma antiga mercearia que abandonara sua função há anos, mas ele viu ali, sob a camada de pó e abandono, as mesas de madeira clara que poderia dispor próximas à varanda, a bancada onde filetaria peixes com precisão quase cerimonial, a cozinha aberta onde poderia trabalhar em silêncio, deixando que os clientes o vissem enquanto criava.
Tirou o celular do bolso, abriu a pasta de inspirações onde guardava fotos de pequenos izakayas de Okinawa e de cantinas escondidas nas vielas de Lisboa, e ficou por minutos parado, alinhando mentalmente o espaço.
Depois, empurrou uma das janelas com força, deixando que a luz invadisse a sala, fazendo o pó dançar no ar como pequenos corpos livres.
Respirou fundo.
Sim, aquele seria seu restaurante.
E ali, como desejava, não seria apenas o chef; seria também o homem que, pela primeira vez, poderia cozinhar sem pressa, sem a ditadura das reservas lotadas, sem a necessidade de impressionar críticos ou investidores.
Apenas comida, prazer e silêncio.
Fechou os olhos e imaginou o barulho das conchas sob os pés dos futuros clientes, o som grave do mar invadindo a varanda, e ele, debruçado sobre a bancada, preparando um tataki de atum ou um caldo dashi fumegante, enquanto as noites se alongavam em conversas lentas e vinho branco.
Mas, por ora, havia o presente: as caixas de utensílios, as facas cuidadosamente embrulhadas, os livros de receitas marcados com anotações rápidas, o uniforme ainda dobrado, que só vestiria na noite da inauguração.
Deixou a mochila encostada num canto e tirou a camisa, expondo a pele morena, os músculos longos esculpidos mais pelo hábito da disciplina do que pela vaidade.
O suor escorria pelas costas, enquanto o calor abafado da vila fazia a camisa grudar-lhe à pele.
Pegou uma vassoura e começou, sem cerimônia, a varrer o chão, afastando folhas secas e pedaços de madeira quebrada.
Não havia pressa.
O restaurante se construiria como tudo o mais na vida: um movimento após o outro, uma camada sobre a outra, até que o todo fizesse sentido.
Quando terminou de limpar a parte interna, saiu para a varanda e, pela primeira vez, caminhou até a areia.
A praia estava vazia, exceto por um casal que, ao longe, ria enquanto montava uma barraca improvisada.
Min Jae-Hyun andou até a beira da água e deixou que as ondas frias molhassem-lhe os pés, limpando não apenas o sal do suor, mas também, de alguma forma, o peso dos meses anteriores.
Ali, sozinho diante do mar atlântico, percebeu que havia encontrado, mesmo sem saber exatamente como, o lugar onde seu corpo queria estar.
Ficou ali por um longo tempo, as mãos nos bolsos, observando o movimento das gaivotas e o vaivém das ondas.
E então, sem pensar, voltou pela areia, cruzou novamente o jardim da pequena casa, e, ao subir as escadas da varanda, sentiu pela primeira vez o aroma adocicado do maracujá que alguém cultivava ao lado.
Sorriu mais uma vez, silencioso, discreto, como quem faz um pacto secreto com o destino.
Entrou, fechou a porta e abriu a janela para deixar a noite chegar.
Lá fora, as luzes dos lampiões começavam a se acender pela vila, e o rumor distante de música ao vivo preenchia o ar morno.
Naquela noite, Jae-Hyun dormiria no quarto improvisado nos fundos do futuro restaurante, em um colchão estendido no chão, com a barriga cheia de pão, queijo e cerveja local, sem saber que, nos próximos dias, cruzaria com um olhar que mudaria não apenas o sabor do lugar, mas a temperatura do seu próprio corpo.
Mas isso, ele ainda não sabia.
Por ora, havia apenas a paz sólida do cansaço e o desejo renovado de começar.