Capítulo Três

O táxi improvisado — uma velha Kombi azul, com a pintura descascada e as janelas sempre abertas — deixou Min Jae-Hyun no começo da rua de pedras, onde as casas se espalhavam como conchas largadas pelo mar. A vila era pequena, quase esquecida, protegida pela muralha natural das dunas e acariciada incessantemente pelo vento salgado.

Ele desceu da Kombi com um movimento contido, ajeitando a alça da mochila de lona sobre o ombro e lançando um olhar lento ao redor, como quem mede um espaço não apenas com os olhos, mas com o corpo inteiro.

O ar ali tinha peso e textura: uma mistura de maresia, terra úmida e o perfume adocicado das amendoeiras que sombreavam a praça central.

Vestia-se com a simplicidade de quem sabe que carrega, na própria presença, um tipo silencioso de poder: uma camiseta cinza de algodão, levemente amassada, jeans escuros e um par de tênis brancos que já haviam conhecido outras tantas cidades, outras tantas partidas.

Os cabelos negros, desalinhados pela viagem, caíam sobre a testa e os olhos amendoados que, ao mirarem o horizonte, pareciam sempre esconder uma história não contada.

Min Jae-Hyun tinha vindo de longe — fisicamente e, sobretudo, emocionalmente.

Seus amigos em Seul diziam que era loucura largar tudo, fechar o pequeno bistrô que havia levado anos para tornar respeitado, e mudar-se para um país cuja língua mal dominava, para uma vila que nem mesmo figurava nos guias turísticos.

Mas ele precisava desse deslocamento.

Precisava da pureza radical de um recomeço.

E ali estava ele, diante do sobrado branco que, por enquanto, era apenas promessa: o restaurante que ainda não existia, a cozinha que ainda não respirava.

Passou a mão pela parede fria e sentiu a aspereza da tinta descascada, as trincas discretas que o tempo esculpira.

Sorriu.

Sabia que aquele lugar tinha alma.

As janelas azuis, de madeira maciça, ainda fechadas, guardavam o silêncio que logo se tornaria ruído de panelas, cheiro de gengibre tostado, óleo quente sibilando ao receber a pele fria dos peixes recém-pescados.

Entrou.

O espaço era pequeno, uma antiga mercearia que abandonara sua função há anos, mas ele viu ali, sob a camada de pó e abandono, as mesas de madeira clara que poderia dispor próximas à varanda, a bancada onde filetaria peixes com precisão quase cerimonial, a cozinha aberta onde poderia trabalhar em silêncio, deixando que os clientes o vissem enquanto criava.

Tirou o celular do bolso, abriu a pasta de inspirações onde guardava fotos de pequenos izakayas de Okinawa e de cantinas escondidas nas vielas de Lisboa, e ficou por minutos parado, alinhando mentalmente o espaço.

Depois, empurrou uma das janelas com força, deixando que a luz invadisse a sala, fazendo o pó dançar no ar como pequenos corpos livres.

Respirou fundo.

Sim, aquele seria seu restaurante.

E ali, como desejava, não seria apenas o chef; seria também o homem que, pela primeira vez, poderia cozinhar sem pressa, sem a ditadura das reservas lotadas, sem a necessidade de impressionar críticos ou investidores.

Apenas comida, prazer e silêncio.

Fechou os olhos e imaginou o barulho das conchas sob os pés dos futuros clientes, o som grave do mar invadindo a varanda, e ele, debruçado sobre a bancada, preparando um tataki de atum ou um caldo dashi fumegante, enquanto as noites se alongavam em conversas lentas e vinho branco.

Mas, por ora, havia o presente: as caixas de utensílios, as facas cuidadosamente embrulhadas, os livros de receitas marcados com anotações rápidas, o uniforme ainda dobrado, que só vestiria na noite da inauguração.

Deixou a mochila encostada num canto e tirou a camisa, expondo a pele morena, os músculos longos esculpidos mais pelo hábito da disciplina do que pela vaidade.

O suor escorria pelas costas, enquanto o calor abafado da vila fazia a camisa grudar-lhe à pele.

Pegou uma vassoura e começou, sem cerimônia, a varrer o chão, afastando folhas secas e pedaços de madeira quebrada.

Não havia pressa.

O restaurante se construiria como tudo o mais na vida: um movimento após o outro, uma camada sobre a outra, até que o todo fizesse sentido.

Quando terminou de limpar a parte interna, saiu para a varanda e, pela primeira vez, caminhou até a areia.

A praia estava vazia, exceto por um casal que, ao longe, ria enquanto montava uma barraca improvisada.

Min Jae-Hyun andou até a beira da água e deixou que as ondas frias molhassem-lhe os pés, limpando não apenas o sal do suor, mas também, de alguma forma, o peso dos meses anteriores.

Ali, sozinho diante do mar atlântico, percebeu que havia encontrado, mesmo sem saber exatamente como, o lugar onde seu corpo queria estar.

Ficou ali por um longo tempo, as mãos nos bolsos, observando o movimento das gaivotas e o vaivém das ondas.

E então, sem pensar, voltou pela areia, cruzou novamente o jardim da pequena casa, e, ao subir as escadas da varanda, sentiu pela primeira vez o aroma adocicado do maracujá que alguém cultivava ao lado.

Sorriu mais uma vez, silencioso, discreto, como quem faz um pacto secreto com o destino.

Entrou, fechou a porta e abriu a janela para deixar a noite chegar.

Lá fora, as luzes dos lampiões começavam a se acender pela vila, e o rumor distante de música ao vivo preenchia o ar morno.

Naquela noite, Jae-Hyun dormiria no quarto improvisado nos fundos do futuro restaurante, em um colchão estendido no chão, com a barriga cheia de pão, queijo e cerveja local, sem saber que, nos próximos dias, cruzaria com um olhar que mudaria não apenas o sabor do lugar, mas a temperatura do seu próprio corpo.

Mas isso, ele ainda não sabia.

Por ora, havia apenas a paz sólida do cansaço e o desejo renovado de começar.

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