Selena acordou com as coxas úmidas e o peito em chamas.
O cheiro de terra molhada impregnava o quarto — mas lá fora não havia chovido.
O lençol estava amarrotado, o travesseiro jogado no chão.
E a marca em sua costela… ardia como se tivesse sido queimada por dentro.
Ela correu os dedos sobre a pele nua, trêmula.
O símbolo não estava ali na noite anterior.
Era um traço curvo, antigo, entalhado em carne com precisão ritualística.
E o mais estranho: ela reconhecia.
— Eu… já vi isso.
Mas onde? Quando?
A mente girava em espirais. Fragmentos de sonho vinham como cortes abruptos:
Pelos.
Garras.
Um uivo que a fazia gozar e temer ao mesmo tempo.
E olhos.
Olhos dourados, famintos, cheios de fúria e promessa.
Selena se levantou, nua, os pés descalços encontrando o chão frio da cabana. O fogo da lareira ainda queimava, embora ela não lembrasse de tê-lo aceso.
Algo estava errado.
Ou talvez… certo demais.
Ela foi até o espelho. Encostou os dedos no símbolo vivo, sentindo-o pulsar sob a pele. Como um segundo coração. Um eco do que não era dela — mas estava dentro dela.
Fechou os olhos.
E viu.
Pele contra pele.
Magia e sangue misturados.
Gritos.
Um nome arrancado da própria garganta — Rurik.
Ela deu um passo para trás, ofegante.
— Não… isso não é possível.
Mas era.
O feitiço feito no bosque havia rasgado mais do que o tecido do mundo.
Rasgou a linha entre passado e presente.
Selena tocou os lábios.
Ainda estavam sensíveis. Como se tivessem sido mordidos.
“Me ache, lobo.”
Ela não sabia por que dissera isso.
Mas sabia para quem havia dito.
Mesmo sem nunca tê-lo visto.
Mesmo sem entender por que o corpo dela o reconhecia antes da mente.
Ela era uma bruxa, sim.
Uma criatura feita de lógica arcana, de círculos e fórmulas.
Mas agora… agora algo a puxava para longe disso.
Para a floresta.
Para o instinto.
Para ele.
Selena se virou.
Apontou a mão para o centro da sala.
E falou a palavra de rastreio em língua morta.
A chama da vela explodiu.
E no centro do fogo, uma imagem se formou: um homem ajoelhado na terra, nu, ofegante, com uma marca idêntica queimando na pele.
Seus olhos se encontraram.
Mesmo separados por distância, tempo e lógica.
E o feitiço sussurrou uma só coisa:
> Companheiro.
Selena recuou, o peito apertado.
Aquilo não era magia comum.
Não era desejo comum.
Era destino.
E destino sempre cobra o sangue adiantado.
Ela apagou o fogo com um gesto brusco, e a imagem sumiu.
Mas não dela.
O rosto dele — selvagem, sujo de terra, com a mandíbula cerrada como se contivesse um grito ou um gemido — estava cravado na parte mais funda da mente.
O símbolo ainda queimava em sua pele.
Selena caminhou até o baú ao pé da cama e puxou um grimório antigo, envolto em peles.
Folheou com pressa. Páginas ressecadas, escritas há séculos.
Buscava o desenho. Precisava entender.
E lá estava.
Na margem da página 213. Um rabisco quase esquecido.
Duas marcas unidas por um círculo de sangue.
Abaixo, em tinta ferrugem:
"O Laço não escolhe o momento. Escolhe o desequilíbrio."
Ela passou os dedos pela página, sem perceber que tremia.
Seu corpo sabia.
Algo nela já o esperava.
— Isso não é só magia… — murmurou. — É um chamado.
A bruxa não acreditava em vidas passadas. Nunca.
Essas ideias eram coisa de feiticeiras românticas e clãs decadentes.
Mas o que ela sentia não era deste tempo.
Era memória impressa na carne.
Um cheiro.
Uma mordida.
Um nome sussurrado entre pernas abertas e mãos sujas de sangue.
Ela cambaleou e caiu de joelhos.
Respirava como se tivesse corrido.
Como se estivesse fugindo — ou prestes a se entregar.
E então… o sussurro.
Não vindo do fogo.
Não vindo da mente.
Mas de dentro.
"Você me pertence."
A voz era grave. Raspada.
Assustada e furiosa.
Familiar.
Ela cravou as unhas no chão de pedra, arfando.
Não era um encantamento.
Não era uma maldição.
Era desejo.
Desejo antigo, trancado sob camadas de feitiço.
Agora vazando.
Incontrolável.
— Isso está me rasgando… — ela disse entre dentes. — E eu ainda quero mais.
Do lado de fora, a floresta inteira se calou.
E por um instante, o mundo parou para ouvir uma bruxa forte, solitária e orgulhosa tremer pelo nome de um lobo que ela ainda nem conhecia.