Antes das palavras, havia o Instinto.
Antes dos pactos, dos reinos e das guerras… havia o Laço. Um elo bruto. Primordial. Feito de sangue, cio e condenação. A primeira união entre bruxa e lobo não terminou em amor. Terminou em ruína. O mundo quase foi partido em dois. Por isso selaram o Vínculo. Por isso proibiram o cruzamento entre linhagens mágicas e selvagens. “Quando carne indomável se junta à alma livre, nasce o fim de toda ordem.” Palavras gravadas em ossos antigos. Esquecidas. Ignoradas. Mas o eco despertava de novo. A bruxa marcada pelo exílio. O lobo sem matilha. Ambos amaldiçoados. Ambos criados para destruir o equilíbrio. E o Laço… o Laço havia escolhido. Apesar da vontade deles. Apesar dos deuses. Selena. Rurik. Duas forças opostas. Dois nomes destinados a colidir até que um sangrasse sob o outro — ou ambos se perdessem. A floresta sentia. A terra pulsava. A lua se curvava, inquieta. O tempo dos presságios havia voltado. E em algum lugar, enterrado sob os escombros de um altar antigo, um coração petrificado começou a bater de novo. Foi no ciclo de sangue e eclipse que tudo começou. A Lua Escarlate pairava imóvel no céu, e as primeiras linhagens foram seladas. As bruxas entregaram seus nomes verdadeiros à terra. Os lobos enterraram os próprios corações sob pedra e ferro. O pacto estava claro: jamais se uniriam de novo. Aqueles que tentaram… pagaram. Corpos dilacerados no cio. Almas fundidas, enlouquecidas. Filhos deformados, nascidos do caos e do grito. Amores que terminaram em ossadas expostas à beira de rios amaldiçoados. E, ainda assim, o Laço persistia. Dormindo. Esperando. Porque há forças que não obedecem a lei. Desejos que não podem ser domados por dogmas. A cada geração, um sussurro. A cada século, um quase. Mas desta vez… não seria um quase. Ela nasceu na noite da lua cega, com olhos que viram além do véu. Selena. Sangue de feiticeiras renegadas. Poder de raiz proibida. Moldada para viver fora do círculo — e queimar qualquer um que tentasse prendê-la. E ele… Rurik. Gerado por um clã que o rejeitou. Forjado na dor, expulso do ciclo. Um alfa sem totem. Um lobo sem moral. Dois errantes. Duas rachaduras na muralha antiga. E agora, a rachadura sangrava. "Se o Laço for completo, o mundo tremerá.” A última profecia gravada nas pedras de Vaelis, antes de os templos desabarem. A última voz da Sibila, antes que o fogo a devorasse por dentro. Se o Laço for completo. O mundo não está pronto. Mas eles estão vindo. A Lua já começou a escurecer. E no sul, onde o mar encontra a floresta… os mortos começaram a sussurrar o nome dela. As sacerdotisas da Tríade viram o Laço pela última vez no altar de Cinzas Negras. Três bruxas ancestrais, cegas de nascimento, com a visão do futuro tatuada sob as pálpebras. Elas profetizaram o retorno. Elas suplicaram para que o Laço fosse enterrado — não selado. Mas os clãs estavam ocupados demais guerreando entre si. E o sangue da Lua continuava a pingar. Uma delas, a mais jovem, cortou a própria língua e escreveu a verdade com o que restava: “O Laço não morre. Só dorme. E sonha com vingança.” Agora o sonho termina. No coração de uma cripta selada, uma figura observa as marcas despertarem. Pele costurada por cicatrizes antigas. Olhos queimando com magia corrompida. O traço de um lobo gravado a ferro na garganta. Um traidor. Um assassino de linhagem. — Eles vão se encontrar — diz a voz, seca como pergaminho queimado. — E quando o fizerem… tudo o que selamos virá à tona. Atrás dele, sombras se movem. Outros caídos. Outros quebrados. — Não podemos permitir — rosna uma forma feminina, os dedos escorrendo veneno em vez de sangue. — Ele não deve se lembrar. Ela não deve escolher. A figura sorri. Sem dentes. Sem alma. — Já começaram a arder. Agora é questão de tempo. mas tudo bem. Deixem que se toquem. Deixem que se quebrem. E então, partiremos o Laço... Por dentro. Enquanto isso, a Lua cresce. A terra treme. E o antigo nome da Devoradora — a entidade que tudo consome quando o vínculo é completo — começa a ecoar entre os ossos esquecidos: > Kaelith.