A floresta estava úmida, sufocante.
Selena atravessava o mato fechado como uma lâmina — silenciosa, letal.
Seus pés descalços mal tocavam o chão. O símbolo na costela queimava, guiando-a como um cão enfeitiçado.
Ela detestava aquilo.
Detestava não ter controle.
E então, no claro à frente, ela o viu.
Nu.
Ajoelhado.
Banhado pela luz pálida da lua.
O cheiro chegou antes — terra, suor e algo cru, animal.
Ele não parecia notar sua presença, mas o corpo dele estava tenso, como se esperasse um ataque.
Perfeito.
Ela ergueu a mão, conjurando uma centelha entre os dedos, pronta para atacar.
— Vai me atacar pelas costas, bruxa?
A voz era grave. Cheia de desprezo.
Ele se virou devagar, os olhos dourados cravados nela.
Selena não moveu um músculo.
— Não achei que lobos soubessem falar — retrucou. — Pensei que só soubessem morder.
— E bruxas só sabem amaldiçoar e fugir. Estamos bem empatados.
Primeiro sangue.
Ele se ergueu. Nu, sem vergonha. Dominante.
Ela manteve o olhar no rosto dele.
Jamais daria o luxo de parecer intimidada.
— Você me seguiu — ela disse, firme. — Quer morrer?
— Quero entender que merda é essa marca.
Ele apontou para o próprio tórax, onde o mesmo símbolo queimava na carne. — Porque cada vez que você chega perto, eu sinto vontade de...
Ele parou. Os olhos desceram até a boca dela.
— De? — ela provocou, arqueando a sobrancelha.
— De enterrar os dentes em você.
O silêncio que se seguiu foi uma faca.
Cortava por dentro.
Ela sorriu, gelada.
— Vai ter que me alcançar primeiro, cachorro.
Rurik deu um passo à frente. A tensão no corpo dele era explosiva.
— Você acha que é melhor que eu, não é?
— Eu sou melhor que você. — A voz dela veio afiada. — Sua espécie rasteja pelas sombras, correndo atrás do cio. Nós controlamos. Vocês obedecem.
Os olhos dele brilharam, escurecendo.
— Você fala como quem nunca perdeu o controle.
Ela sentiu o toque da memória. A visão, o calor, a mordida imaginária.
Engoliu seco. Mas manteve o queixo erguido.
— Não com um animal como você.
Rurik avançou de novo, rápido, e ela reagiu com a palma erguida, um feitiço na língua.
Mas ele parou a um palmo.
Tão perto que ela sentiu o hálito dele.
— Está tremendo — ele sussurrou, a voz rouca. — E não é de medo.
Ela odiou o que aquilo provocou.
Odiou que ele estivesse certo.
Mas não cederia.
— Você não tem o direito de me tocar.
— E você não tem o direito de me marcar.
— Eu não fiz isso!
— Nem eu! Mas aqui estamos.
As marcas em seus corpos começaram a brilhar.
Pulsavam. Como se algo antigo despertasse entre eles.
O vínculo.
Imposto. Selvagem. Injusto.
Ela o empurrou, mas foi como tentar mover pedra.
Ele a olhou como um predador prestes a atacar.
— Isso não é amor, bruxa.
— Ainda bem — ela respondeu. — Porque se for, eu prefiro morrer.
Ela deu as costas e sumiu entre as árvores, o coração batendo como um tambor de guerra.
Atrás dela, o silêncio reinou por um segundo.
Depois, um uivo.
Não de lamento.
De caça.
O uivo ricocheteou entre as árvores como um aviso.
Não era um chamado de matilha.
Era uma promessa. Um juramento de perseguição.
Ela podia senti-lo vibrar nos ossos.
Selena correu.
Não porque tinha medo — ela jamais admitiria isso.
Correu porque precisava de distância, precisava se lembrar de quem era antes que aquele maldito vínculo a transformasse em algo que não queria ser.
A cada passo, a floresta parecia mais viva.
Raízes tentavam prendê-la. Galhos pareciam sussurrar.
O calor sob a pele aumentava, como se a marca queimada estivesse queimando por dentro.
E ela sabia.
Ele estava vindo.
Não com pressa.
Com precisão.
Como um lobo que já sabia onde a presa iria parar.
Selena alcançou uma clareira. Os pulmões ardiam. O suor escorria entre os seios.
Ela girou sobre os calcanhares e ergueu uma barreira invisível ao redor de si.
Silêncio.
Por um momento, só havia o som do sangue em seus ouvidos.
— Vai me receber assim, princesa da morte? Atrás de uma redoma? — A voz dele surgiu às suas costas, dentro da barreira.
Ela girou, surpresa.
Rurik estava ali.
Dentro.
Como se a proteção mágica não passasse de papel diante dele.
— Como você entrou? — ela exigiu, o tom cortante.
— Você acha que essa sua magia de criança me para? — Ele se aproximou. — Eu sou o que veio antes das palavras. Antes das regras. Eu sou a exceção.
Ela ergueu a mão, uma centelha de fogo negro pulsando.
— Dê mais um passo e...
— Vai me matar?
Os olhos dourados estavam dilatados, famintos.
— Se for isso que precisa pra dormir em paz... então faça.
Ele permitiu. Ela hesitou.
Ele viu.
— Isso queima, não é? — apontou para o símbolo escondido sob a roupa. — É como se sua própria alma gritasse quando eu chego perto.
Ela mordeu o lábio.
O fogo negro vacilou na palma.
— Vá embora.
Rurik a olhou por um segundo longo.
Depois, deu um passo à frente.
Ela não se moveu.
Outro passo.
Agora estavam frente a frente.
— Você me odeia, não é? — ele perguntou.
— Com tudo que tenho.
— Então por que está molhada?
A bofetada veio rápida.
Rurik virou o rosto, mas não recuou.
Um sorriso surgiu no canto da boca.
— Aí está você. — disse como quem já a conhecia.
— Vai se foder.
Ela respirava com dificuldade.
Raiva e desejo misturados num coquetel explosivo.
— Você não me conhece. — ela proferiu cada palavra pausadamente.
— Ainda não. Mas estou começando a gostar do gosto da sua fúria.
A palma dela ainda queimava. A barreira desapareceu.
O feitiço se quebrou sozinho.
O vínculo os cercava. Os enlaçava.
Eles se encararam como dois predadores num território neutro.
— Isso não vai acabar bem — ela disse.
— Nem um pouco — ele respondeu. — E mal posso esperar.