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🌑 Capítulo 4

As Cicatrizes Também Uivam

NĂŁo dormi naquela noite.

Como eu poderia?

Meu corpo ainda ardia com o gosto do beijo dele, com a memĂłria de suas mĂŁos descendo pelas minhas costas, com o peso daquela promessa que nĂŁo foi dita em palavras — mas em toques, respiraçÔes e silĂȘncios.

Estava deitada na mesma cama de antes. A noite havia voltado. O céu, carregado de nuvens, escondia a lua como se ela própria hesitasse em nos observar. A floresta sussurrava ao redor da mansão, como se quisesse me chamar de volta para o ventre selvagem de onde eu vim.

Mas eu nĂŁo conseguia fechar os olhos.

Na penumbra do quarto, toquei meus prĂłprios lĂĄbios como se ainda sentisse os dele ali.

NĂŁo era apenas desejo.

Era uma sensação mais funda. Como se Rafael, ao me beijar, tivesse ativado algo dentro de mim — algo que Marco se recusou a tocar.

Me virei na cama, nua sob os lençóis escuros, e encarei o teto antigo. Uma pintura se espalhava acima de mim: a lua em vårias fases, rodeada por lobos em círculo, e uma mulher de cabelos negros no centro, de braços abertos, como se os comandasse todos.

Ela se parecia comigo.

Arrepios subiram pela minha espinha. Aquilo nĂŁo era coincidĂȘncia.

Nada naquela casa era.

Levantei.

Caminhei até o espelho antigo perto da lareira. A madeira esculpida tinha runas que eu não conhecia, mas que pareciam vibrar sob minha pele.

Me encarei.

Ainda havia sombra nos meus olhos castanhos, resquício da dor da rejeição. Mas havia algo novo ali também.

Algo mais... selvagem.

Foi quando senti.

O cheiro.

Ele.

Rafael.

Antes mesmo de vĂȘ-lo, meu corpo jĂĄ sabia. Meus sentidos se esticaram como se quisessem tocĂĄ-lo antes de minha pele. Virei lentamente.

Ele estava à porta, encostado no batente, como se o mundo inteiro esperasse seu comando. Os olhos verdes estavam mais escuros naquela luz, e seus cabelos caíam levemente sobre a testa, bagunçados, perigosamente tentadores.

— VocĂȘ nĂŁo dormiu — disse ele, nĂŁo como pergunta, mas como certeza.

Assenti, cobrindo o corpo com o lençol num gesto instintivo. Ele notou, mas não comentou. Apenas entrou, devagar.

— Seu sangue... desperta — murmurou, se aproximando. — E quando isso acontece, Ă© difĂ­cil dormir. As Lunas sentem tudo com mais intensidade.

— Eu nĂŁo sou Luna — respondi, num sussurro, olhando para o chĂŁo. — Marco me rejeitou. VocĂȘ sabe disso.

Ele parou à minha frente. Seu dedo ergueu meu queixo, me forçando a encarå-lo.

— A rejeição de um Alfa nĂŁo define quem vocĂȘ Ă©.

— EntĂŁo o quĂȘ define? — rebati, com a voz embargada. — Porque no momento, tudo o que eu sinto Ă© que estou quebrada.

Rafael respirou fundo. Seus olhos me analisaram com atenção, como se buscassem algo dentro de mim.

— Quebrada... não.

Marcada.

E as marcas, Alice, Ă s vezes sĂŁo portas.

— Portas pra quĂȘ?

Ele se inclinou, os låbios roçando meu ouvido.

— Para um poder que nem mesmo vocĂȘ estĂĄ pronta para entender.

Minha respiração falhou. O corpo reagiu como se aquele sussurro fosse uma ordem.

Minhas pernas fraquejaram.

— VocĂȘ fala como se me conhecesse antes de tudo isso — disse, num sussurro. — Como se tivesse esperado por mim.

Ele se afastou apenas o suficiente para me olhar nos olhos.

— E se eu disser que esperei? — retrucou. — Que estive presente quando vocĂȘ nasceu. Que senti sua primeira transformação. Que ouvi seu choro... e seu silĂȘncio.

Minha boca se abriu, mas nenhuma palavra saiu.

— VocĂȘ Ă© mais do que pensa. Mais do que Marco foi capaz de ver.

E agora... vocĂȘ estĂĄ sob minha proteção.

— Isso Ă© o que vocĂȘ quer? Me proteger?

Seus olhos arderam. Um brilho antigo. Quase... possessivo.

— Quero guiá-la.

Quero despertĂĄ-la.

E, sim... quero protegĂȘ-la do que virĂĄ.

— Do que virá?

Ele hesitou. Um leve endurecimento em seu maxilar.

— A rejeição não foi natural, Alice. Não foi apenas orgulho ou capricho de Marco.

Foi forçada.

Alguém... interferiu.

Meu coração gelou.

— Como assim?

— Há forças mais antigas do que a própria alcateia. Forças que dormem na floresta, nos ossos da terra. Algo despertou, e tentou impedir seu vínculo com Marco.

— Por quĂȘ?

— Porque se o vĂ­nculo tivesse sido selado... vocĂȘ jamais teria me conhecido.

E talvez... o que habita dentro de vocĂȘ nunca tivesse acordado.

O silĂȘncio caiu entre nĂłs como um vĂ©u pesado.

NĂŁo era apenas sobre amor.

Nem apenas sobre poder.

Era sobre destino.

E alguĂ©m — ou algo — estava tentando interferir no meu.

Meus olhos se encheram de perguntas.

Mas Rafael apenas sorriu, inclinando-se para me beijar a testa, um gesto Ă­ntimo, carinhoso... e profundamente protetor.

— Descanse agora. AmanhĂŁ, vocĂȘ começa a entender.

E entĂŁo ele saiu, como se cada palavra tivesse sido medida.

Mas uma coisa era certa:

A história entre nós — Marco, Rafael e eu — estava longe de ser só um triñngulo de dor e desejo.

Era uma guerra de escolhas, marcas
 e segredos antigos.

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