Kael havia passado o dia no limite, pensando em seu trabalho. A raiva borbulhava em seu peito, um caldeirão de frustração com a falta de controle sobre a situação, com o dedo roxo, com a sujeira e com o cheiro de suor que grudava em sua pele e em suas roupas de "turista".
Ele tentara incessantemente encontrar um ponto para o celular, andara quilômetros pela ilha, subindo e descendo ruas, erguendo o aparelho no ar como se isso magicamente atraísse um sinal, mas nada. O silêncio da rede era um lembrete constante de sua impotência.
Agora, ali, no pagode, ele estava em seu inferno particular. O ar pesado com o cheiro de maresia e suor alheio, a música que ele considerava um ruído irritante e, para piorar, começou a tocar funk altíssimo, a profusão de insetos que zumbiam ao seu redor, atraídos pelas luzes. Ele segurava um copo de cerveja que comprou com o dinheiro do motorista, que ficou um pouco lá e o deixou sozinho curtindo a noite, que bebia em goles amargos, odiando cada minuto, cada nota da batida, cada risada descontraída das pessoas ao seu redor.
Foi então que seus olhos, que vagavam pelo ambiente com desdém, encontraram Cássia. Ele a viu se aproximar do bar, como um farol de luz e cor em meio à penumbra e à rusticidade do cenário. Ela não era a mulher cansada e irritada do quiosque; era outra pessoa, uma visão deslumbrante.
O cabelo bagunçado, agora solto, emoldurava seu rosto como uma coroa, e o rosto corado de sol era sua maquiagem natural. O look jovial e descompromissado adicionava uma graça e uma sensualidade que o deixaram ansioso. Kael, que sempre se considerou imune aos encantos superficiais, sentiu algo se agitar dentro dele. Não era apenas atração física, era um fascínio por aquela metamorfose, pela força e beleza que ela emanava. Algo nela o levava para um lugar que ele não sabia nem existir.
Ele não conseguiu tirar os olhos dela. Cada movimento de Cássia, cada vez que ela ria ou balançava a cabeça ao ritmo da música, prendia sua atenção. A amargura que o acompanhava cedeu lugar a um tipo diferente de curiosidade, de admiração.
Quando os olhos de Cássia se cruzaram com os dele, Kael, num impulso que o surpreendeu, ergueu o copo de cerveja em um gesto silencioso. Não havia palavras, não havia sorrisos; apenas o convite em seus olhos fixos, uma pergunta muda se ela aceitaria se juntar a ele naquele caos de funk e insetos, sob o céu estrelado da ilha.
Cássia, envolta na música e na aura da noite, percebeu o olhar de Kael. Viu o copo erguido e, com um sorriso enigmático nos lábios, aceitou o convite silencioso. Ela se aproximou, com o perfume forte e marcante misturando-se ao cheiro de maresia.
— Sobreviveu? A queda? — Cássia perguntou, com a voz ligeiramente abafada pela música, com um tom divertido misturado à ironia.
— Pelo jeito, o turista não se deu muito bem com a vida na ilha. Veio parar aqui.
Kael, com a expressão ainda tensa, mas um brilho diferente nos olhos ao vê-la tão de perto, assentiu.
— Sobrevivi. Por pouco. — Ele deu um gole na cerveja.
— Meu dia foi um inferno. Eu odiei cada segundo, cada picada de inseto, cada metro sem conseguir falar com ninguém.
Ele estendeu o dedo enfaixado e roxo, com um curativo improvisado mal cobrindo o inchaço.
— E isso ainda dói. E as costas? Doem mais ainda. Cortesia da sua escada.
Cássia olhou para o dedo, e uma gargalhada alta e gostosa escapou de seus lábios. Era um som melódico, diferente do riso amargo que ele havia ouvido mais cedo.
— Ah, meu Deus! Você realmente não serve pra trabalho braçal! Eu não vou te indenizar! — Ela ainda ria, balançando a cabeça.
— E eu concordo com você. Essa ilha… não tem nada de bom aqui. É só trabalho, mosquito e perrengue. Quero beber. Meu dia foi terrível também.
Kael a observou rir, o som enchendo o ar e, de alguma forma, clareando o peso que ele carregava. Ele a analisou, a beleza dela ainda mais evidente sob a luz fraca do bar. Sentiu um impulso, uma ousadia que raramente se permitia.
— Não diga isso. — Kael disse, com a voz baixa e grave, com seus olhos fixos nos dela.
— Tem uma coisa muito boa aqui. E é a mais bonita da ilha.
— Deu uma piscada com um sorriso malicioso.
Cássia parou de rir, com seus olhos se encontrando com os dele. Por um instante, a surpresa a calou. Ela não esperava um elogio, muito menos vindo daquele homem desconhecido. Um leve sorriso genuíno surgiu em seus lábios, diferente de qualquer outro que ele a vira, floresceu em seu rosto.
— Ah, é? E o que seria, surfista? — ela perguntou, com a ironia voltando, mas com um tom de flerte disfarçado.
Kael deu mais um gole na cerveja, com os olhos ainda nela.
— Você, Cássia. Você é a coisa mais bonita que eu vi nessa ilha. E talvez a única que valeu a pena hoje. se dormir comigo. Se de roupa já me deixa de pau duro, imagina sem.
Cássia o olhou nos olhos, com o sorriso divertido desaparecendo lentamente para dar lugar a uma expressão de seriedade, quase de desdém. Ela havia lidado com muitos homens com propostas veladas na ilha, e a frase de Kael, por mais que viesse de um homem que parecia deslocado, soou familiar.
— Olha, moço. — Cássia disse, com a voz endurecendo um pouco, com a leveza anterior se esvaindo.
— Você não precisa usar cantadas baratas dessas para tentar alguma coisa, porque não funcionam.
As palavras de Cássia atingiram Kael como um choque. Sua mente, acostumada a analisar cenários e transações comerciais, imediatamente ligou os pontos: "cantadas baratas", a vida difícil dela, a ilha remota. A surpresa se misturou com uma espécie de pragmatismo frio. Ele quis que fosse tratado como um negócio. A emoção que ele sentira segundos antes se retraiu, substituída por sua habitual postura transacional. A olhou sério e a interrompeu.
Kael respondeu, com a voz voltando ao seu tom neutro e profissional.
— Quanto quer para transar comigo? Posso pagar por uma hora. Preciso me aliviar.
Cássia o encarou, com os olhos arregalados, a boca levemente aberta em descrença. O queixo de Kael estava ligeiramente erguido, sua expressão de deboche e desdém, esperando uma resposta como se estivesse fechando um contrato. A música do funk continuava a tocar ao redor deles, um contraste irônico para o diálogo que se desenrolava.
A pergunta de Kael pairou no ar, cortando a melodia do funk. O choque no rosto de Cássia foi substituído por uma fúria crescente. Seus olhos, antes brilhantes, escureceram com indignação. Sem dizer uma palavra, ela pegou o copo de cerveja que ele segurava e, com um movimento rápido e certeiro, jogou tudo no rosto de Kael.
A cerveja escorreu pela sua testa, pelos seus óculos de sol que estavam no cabelo e pela sua camiseta colorida, pingando da ponta do nariz. Kael piscou, atordoado pelo jato gelado e pela audácia do ato.
— Para homens como você. — Cássia falou, com a voz baixa, mas carregada de desprezo.
— Nem pagando muito. Não sou pu.ta, seu idi.ota.