Capítulo 3

Ela se aproximou, ainda com um sorriso divertido no rosto, e o ajudou a se sentar. Com uma agilidade que surpreendeu Kael, ela correu até um pequeno tambor, pegou um pouco de gelo e o entregou.

— Coloca isso aí. Vai ficar roxo. — Ela disse, com uma voz mais suave agora, a irritação substituída por uma preocupação genuína.

— Que beleza, hein? Primeiro a chuva, agora o meu ajudante quase se quebra.

Ela suspirou, olhando para o quiosque destruído e depois para a figura desamparada de Kael.

— É pra rir para não chorar. Se o tempo não melhorar logo e o movimento não voltar, vou quebrar de vez. Não sei como vou fazer para reconstruir isso tudo. Moço, você tá bem?

Kael segurava o saco de gelo contra o dedo latejante, a dor física servindo como um estranho contraponto à sua mente sempre acelerada. Ele observou a mulher, que já havia voltado a tentar mover os destroços, com a frustração novamente visível em seu rosto. Apesar do acidente cômico, a sinceridade dela o intrigava. Ele se aproximou dela.

— Sim, dolorido mas bem. Você disse que vai quebrar… Seu quiosque vende bem normalmente? — Kael perguntou, com a voz um pouco rouca pela dor, mas com seu tom investigativo habitual.

Ela parou, exausta, apoiando-se em uma banqueta quebrada.

— Ahh se vende bem? — Ela deu uma risada amarga.

— Dá para sobreviver, moço. Dá para colocar comida na mesa e pagar as contas mais básicas. Quando o tempo ajuda e o movimento tá bom. Mas a vida aqui não é só sol e mar, não. Eu tenho outro emprego e nem sempre consigo abrir.

Ela o olhou, com um brilho de ressentimento em seus olhos.

— Para ter esse quiosque, eu tive que aceitar um bico na pousada, ali ó. Trabalho como faxineira, né?! Mas lá, eles me tratam como escrava. — Ela cuspiu as palavras, com a voz cheia de desdém.

— A gerência é podre, moço. Exploradora. Você rala o dia inteiro, limpa a sujeira dos turistas ricos e não ganha quase nada. E se reclama, te mandam embora sem pensar duas vezes. Não tem horas extras, nem gorjetas, maior desaforo.

Kael, como um bom empresário, conhecia cada detalhe da gestão de grandes empreendimentos, sentiu um estranho interesse. Ele havia mandado uma equipe de confiança fazer a vistoria no financeiro da pousada, porque queria comprar ela também, mas a perspectiva de uma funcionária de base era algo que ele raramente tinha acesso, e que poderia ser valioso.

— Sério? — Kael incentivou, com a voz suave, dando a ela a corda que precisava.

— Como assim a gerência é podre? O que eles fazem? E os outros comércios aqui perto, como é a renda, vocês ganham bem?

Cássia, sentindo que tinha um ouvinte, mesmo que fosse aquele moço atrapalhado, desabafou.

— Ah, eles fazem de tudo! — Ela gesticulou com as mãos sujas.

— Cortam diárias, exigem que a gente trabalhe em dobro sem pagar hora extra, ameaçam demitir por qualquer bobagem. E os alojamentos dos funcionários são uma pocilga, horrível. Cozinha nojenta, banheiro mofado. E o pior é que eles se aproveitam da necessidade da gente. Muita gente aqui só tem esse emprego, não tem para onde ir. É um inferno! E essa pousada… esse lugar é uma fachada. Bonito por fora, mas por dentro é tudo podre. Eles não investem na estrutura, só querem saber de lucro e cortar custos. Gritam e humilham os funcionários. Acusam de roubo sem provas.

Kael absorvia cada palavra, com o dedo latejante, mas sua mente funcionando a todo vapor. Aquilo ia muito além de uma simples pesquisa. Se as informações daquela mulher fossem verdadeiras, a compra de tudo seria fácil demais. A amargura que ele carregava não o impedia de ser um homem de negócios com uma reputação a zelar. Ele precisava de mais detalhes. A conversa com a mulher, de repente, se tornara muito mais interessante do que qualquer reunião de diretoria.

Kael ainda estava ali, sentado com o saco de gelo no dedo, enquanto Cássia se virava para continuar a árdua tarefa de arrumar o quiosque. Ela murmurava sozinha, mais para extravasar a frustração do que para ser ouvida, quando uma figura magra e desgrenhada, de bermudão e camiseta de banda de rock, se aproximou. Era Natan, o irmão mais novo de Cássia. Ela tinha dezenove anos e ele, quinze. Ele tinha os cabelos longos loiros e uma expressão de tédio e irritação no rosto.

— Mana, de novo isso? — o garoto resmungou, sem sequer olhar para Kael.

— A gente vai ter que limpar essa porcaria de novo? Eu tô cansado disso!

Cássia parou o que estava fazendo e o encarou, as mãos na cintura, com os olhos cintilando em exasperação.

— Natan! Que jeito é esse de falar? Essa porcaria é o que nos sustenta, idiota! Anda, vem ajudar aqui em vez de ficar reclamando.

Natan revirou os olhos, um gesto de impaciência que Kael reconheceu de longe, algo que já havia visto em jovens mimados.

— Ajudar para quê, mana? Para daqui a pouco vir outra tempestade e levar tudo de novo? Eu tô exausto de trabalhar nesse fim de mundo. Eu quero ir embora dessa ilha!

A voz de Cássia se elevou, carregada de desespero e raiva.

— Ir embora para onde, Natan? Você tem dinheiro para ir para onde? Acha que é fácil assim? Sem o quiosque, a gente passa fome! Você quer passar fome, moleque? É isso que você quer?

Natan chutou um pedaço de madeira com força, com o olhar fixo no horizonte.

— Necessidade eu já passo aqui, mana! Trabalhando feito um burro de carga e não tendo nada! Eu quero uma vida de verdade, não ficar preso nessa ilha mofada, nessa porcaria de quiosque que não dá em nada! Todo mundo que eu conheço que foi para a cidade grande se deu bem.

Cássia disparou, com o rosto contorcido pela preocupação.

— Se deu bem como, Natan? Traficando? Virando marginal? Você não sabe o que é a vida lá fora! Aqui pelo menos a gente tem um teto, comida na mesa e não precisa se preocupar com bala perdida! Todo mundo se conhece.

Kael, que estava ouvindo a discussão com uma atenção quase profissional, percebeu a profundidade do desespero de Cássia e a ambição ingênua de Natan. A cena era um microcosmo de tantos conflitos que ele havia presenciado em outros contextos, mas que, ali, na simplicidade da ilha destruída, ganhavam uma intensidade visceral.

Natan se virou para a irmã, com os olhos marejados de raiva.

— Eu não quero saber, mana! Eu não aguento mais! Essa ilha me sufoca! Eu preciso sair daqui. Se você não for, eu vou sozinho!

Cássia levou as mãos à cabeça, um lamento escapando de seus lábios.

— Vai sozinho para onde, meu Deus? Você é só um moleque! E quem vai me ajudar aqui, hein? Quem vai reconstruir o quiosque? Seu pai te abandonou, e agora você também quer me largar nessa situação? Ele não vai cuidar de você não, seu idiota.

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