Mundo de ficçãoIniciar sessãoOs olhos azul-prateados cintilaram, constelações se movendo dentro da íris enquanto ele observava o fluxo temporal vibrar ao redor dela.
A relíquia não reagia — o que era ainda mais preocupante.
Voss sorriu, aquele sorriso preguiçoso que parecia esconder tudo o que ele realmente pensava.
— Então… — começou, a voz baixa, leve, como quem conversa num bar e não em meio a ruínas — o que uma dama de salto faz segurando algo que destruiu metade da cidade?
Ele deu um passo a mais, o olhar subindo de sua mão até o rosto dela.
— Não me diga que veio terminar o que Amaruq começou. — O tom era calmo, mas a tensão sutil denunciava o preparo — se ela fizesse o menor movimento errado, ele atacaria sem hesitar. Depois, o sorriso voltou, descontraído demais pra ser sincero. — Ou veio me salvar? Difícil saber com mulheres misteriosas.
Ela lançou um olhar rápido por sobre o ombro, o canto dos lábios curvando-se num meio sorriso tranquilo, quase desinteressado.
— Quer que eu diga que vim aqui te salvar só porque você é um gatinho? — a voz soou leve, mas carregada de ironia. — Esqueça.
Sem mais explicações, Yaskara abriu a palma da mão.
A relíquia flutuou sobre o centro dela, pulsando como um coração vivo.
Num gesto simples — e, ainda assim, preciso o bastante para silenciar o ar — ela a envolveu em uma bolha dourada temporal.
O brilho começou a girar, o tempo correndo de forma anormal, invertido.
Era como se o objeto voltasse à era anterior à própria existência.
O espaço curvou-se em torno da mão dela… e então tudo parou.
A luz cessou.
O silêncio durou o suficiente para que até o Éter parecesse hesitar.
Quando o dourado se dissipou, a relíquia simplesmente não estava mais ali — apagada do tempo como se nunca tivesse existido.
Enquanto observava, Voss sentiu algo que não sentia há muito tempo: um frio sutil de fascínio, misturado com o impulso perigoso de testar o desconhecido.
Os olhos azuis vibraram, não de medo — mas de pura excitação intelectual.
“Huh… isso não é só um truque de tempo qualquer.”
“Ela move o fluxo como quem dança à frente do próprio tempo.”
“E o pior? Eu não faço ideia de até onde ela pode ir.”
Os músculos relaxaram, agora que o corpo estava restaurado, mas a mente dele girava como uma engrenagem nova.
“Nem eu conseguiria fazer isso sem um esforço insano.”
Ele coçou o queixo, o sorriso debochado ainda no rosto — só que agora havia algo diferente atrás dele.
“Interessante… curiosa… perigosa.”
“Não é todo dia que alguém brinca com as leis do tempo e sai ilesa.”
“Se eu tivesse alguém assim do meu lado…”
O pensamento o fez rir — baixo, sem som, só o movimento sutil dos lábios.
“Ok, Yaskara… isso é novo.”
“Isso é diferente.”
“Preciso descobrir os limites dela.”
O sorriso sarcástico voltou, mas havia respeito real agora, e uma curiosidade que só crescia.
“Mas se eu mexer demais, ela vai perceber.”
“Melhor brincar de observar primeiro.”
“Sempre gostei de estudar os estranhos antes de me envolver.”
“Huh… isso vai ser divertido.”
Por um instante — raro — o sorriso dele se apagou.
O homem mais poderoso da era olhava para ela como se tivesse visto algo que não devia ser possível.
Então, o riso voltou — baixo, quase incrédulo.
— Hah… você apagou uma relíquia de nível divino como quem apaga uma mancha de café.
Ele passou a mão pelos cabelos, o sorriso voltando, mas agora havia algo diferente nele — fascínio genuíno.
— E ainda me chama de gatinho? Cuidado, senhorita Borh… elogios assim me sobem à cabeça.
Ele ajeitou a gola alta do uniforme e olhou ao redor: feridos, destroços, o ar denso de Éter queimado pairando sobre as ruínas da Liberdade.
Yaskara cruzou os braços e observou os feridos.
— Isso está uma bagunça… — murmurou.
Ergueu o olhar para Voss, o tom impassível. — Vocês têm suporte… ou vão precisar da minha ajuda aqui também?
— Temos alguns arcanistas médicos… — Voss lançou um olhar para o lado, onde dois auxiliares tentavam estabilizar um mago desacordado. — Mas não sei se eles conseguem lidar com esse tipo de ferimento. A Liberdade virou um campo de guerra, e os velhotes andam poupando recursos, como sempre.
Ele deu um meio sorriso e voltou o olhar para ela.
— E antes que eu me esqueça… — inclinou-se um pouco, o tom preguiçoso e provocador soando como quem fala só pra ver a reação. — Se de onde você saiu tiver mais gente como você, talvez eu tenha que visitar. Um breve sorriso atravessou o rosto. — Só pra fins educacionais, claro.
Cruzou os braços, relaxado. O tom brincalhão voltava aos poucos, mas o olhar permanecia afiado. Por trás da leveza, havia algo mais sério — ele sabia que acabara de testemunhar uma força que não se encaixava em nenhum padrão conhecido, e queria entender quem, afinal, era Yaskara Borh.
— Então… — retomou, o sorriso voltando com naturalidade — se a senhorita salvadora do tempo estiver disposta a sujar um pouquinho as mãos, ninguém aqui vai reclamar. —inclinou levemente a cabeça, num gesto provocador. — Só tenta não parar o tempo de novo e desaparecer sem deixar um número, certo?
De braços cruzados, Yaskara o encarou em silêncio por um instante.
O olhar era sereno, mas havia uma ponta de aborrecimento ali — como quem avalia um paciente que fala demais.
— Senhor Eiran Voss. Me avisaram que era excessivamente confiante. — disse, o tom baixo, firme. — Mas está bem exaltado... deve ser porque acabou de voltar dos mortos.
Ela deu um passo para o lado, procurando um ponto mais elevado entre os escombros, apenas o suficiente para igualar a altura dele.
Ele se endireitou, a diferença de altura ainda visível, e abaixou um pouco o rosto até que seus olhos ficassem quase na mesma linha dos dela.
Ali, prendeu o olhar nos dele, atenta a qualquer traço que denunciasse algo — sem hesitar, sem se curvar. Yaskara mal chegava a um metro e sessenta, mas a forma como o observava fazia parecer o contrário.
— Esse efeito passa logo… — murmurou, desviando o olhar por um breve segundo.
Então voltou-se para ele, erguendo uma das mãos à frente do rosto de Voss, o gesto preciso, calculado.
— Posso te envolver em outra bolha temporal e retroceder o tempo para antes de você começar a se machucar na luta. — A voz dela era calma, quase doce. — Talvez isso ajude com a adrenalina que está sentindo agora.
Voss piscou devagar, absorvendo as palavras.
Ainda podia sentir o ar diferente à volta dela — o mesmo ar que há instantes o havia engolido.
A sensação de leve descompasso no próprio corpo o intrigava mais do que o assustava.
— Então foi isso… — murmurou, um meio sorriso surgindo. — Você dobrou o tempo sobre mim.
Ele riu baixo, sem deboche, mas com o fascínio de quem toca um enigma.
— “Exaltado”, é? — a voz dele soou mais baixa, quase um sussurro. — É o que acontece quando se toca o espaço que não devia ser tocado.
Quando ela se aproximou e ergueu a mão, ele inclinou-se ligeiramente, curioso.
Os olhos dele se fixaram na palma dela — e por um instante, a luz dourada refletida nas íris azuis criou um contraste quase hipnótico.
— Retroceder o tempo, hein? — murmurou, agora em voz baixa. — Então você brinca de deusa, Yaskara?
E, depois de uma breve pausa:
— Mas me diz… se eu aceitar isso, o que mais você vai ver? — o tom grave, medido, como se sondasse os limites dela. — Voltar no tempo não é só refazer o corpo… é revisitar o que ficou preso nele.
O silêncio se estendeu.
Então o sorriso voltou, quebrando a tensão.
— Mas olha… se você insistir, prometo não me mexer. — Um brilho curioso cruzou seu olhar. — Já sei o que acontece. — disse, o olhar firme. — Você curou o corpo, mas o que ele sentiu não desaparece. Fica preso em algum lugar… e eu consigo sentir. — O sorriso surgiu, breve. — Vai mesmo tentar outra vez?
Yaskara apertou os lábios, observando-o por alguns segundos, tentando decifrar aquele comportamento — era difícil saber se ele estava se exibindo, testando limites ou simplesmente sendo ele mesmo.
— Por que está tentando complicar as coisas? — perguntou, sem elevar a voz. Um leve suspiro escapou, quase imperceptível. — Foi com esse “retroceder do tempo” que eu “brinquei de deusa” e você deixou de ser dois, lembra? — O tom era sereno, mas trazia uma firmeza cortante, que não deixava espaço para réplica.
Manteve a mão suspensa por um instante antes de recuá-la, devagar. — Mas se não quiser… tudo bem.
Voss ergueu o rosto, o sorriso voltando de forma quase automática.
— Huh… então é tão simples assim? — perguntou, o tom leve, divertido.
Deu um passo à frente, inclinando-se um pouco. — Retroceder o tempo, apagar uma relíquia e costurar um corpo no meio do caos… — o sorriso se curvou, preguiçoso. — Você trabalha com garantia estendida ou é dom natural?
Ele enfiou as mãos nos bolsos, os olhos ainda sobre ela.
— Sabe, começo a achar que o tempo é o único que realmente te obedece.
A tensão entre eles parecia se dissolver em algo diferente — não paz, mas curiosidade.
Voss suspirou, o humor voltando ao rosto.
— Tudo bem, pode guardar sua bolha, senhorita deusa do tempo. — murmurou, meio rindo. — Prefiro lidar com o caos do jeito antigo: em tempo real.
Virou o rosto ligeiramente, como quem encerra o assunto, mas o brilho analítico nos olhos permanecia.
— E, por sinal… obrigado por não me deixar em duas versões. — Um sorriso rápido. — A papelada seria um inferno.
Yaskara o observou em silêncio, sem alterar a expressão.
Cada palavra dele parecia analisada, pesada — não pelo que dizia, mas por como dizia.
Ela manteve o olhar sereno; apenas o canto da boca se curvou num sorriso quase imperceptível.
— “Deusa do tempo”, é? — repetiu, o tom suave, quase debochado. — Se fosse uma, teria apagado o seu ego junto com a relíquia.
Passou por ele devagar, o som dos saltos ecoando nas pedras.
Parou ao seu lado, o olhar voltado aos feridos.
— E sobre o tempo me obedecer… — lançou um breve olhar por cima do ombro. — Digamos que ele é mais educado do que a maioria das pessoas que eu conheço.
Sem esperar resposta, Yaskara concentrou energia ao redor do braço.
O ar vibrou em ondas douradas, e, ao esticá-lo, várias bolhas temporais se formaram sobre os feridos.
Dentro delas, o tempo retrocedeu suavemente: ferimentos se fecharam, ossos se alinharam, respirações voltaram ao ritmo — e, por um instante, a dor também voltou, percorrendo o corpo em sentido inverso, como se a lembrança do ferimento precisasse ser sentida para desaparecer de vez.
O brilho dourado se espalhou pelas superfícies, refletido em seus olhos calmos. Quando falou, a voz saiu leve, quase distraída:
— Esse lugar é sempre tão quente? — perguntou, referindo-se ao clima, embora o foco permanecesse totalmente no que fazia.







